Perguntas que devo fazer para saber se a minha carteira está preparada para a nova década

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@Doug88888, Flickr, Creative Commons

Após a crise económica provocada pela pandemia, a década de 2020 arrancou com o despertar de um novo ciclo. Mas nem o cenário, nem as valorizações são as mesmas, pelo que a receita deve adaptar-se aos novos tempos. São várias as novas realidades que podem pôr à prova as carteiras de assessores e banqueiros privados.

 1. A era do ativismo fiscal

Uma das grandes diferenças face à crise anterior de 2008 foi a resposta dos governos e bancos centrais. Tanto em rapidez como em tamanho, criou-se uma enorme almofada em forma de ajudas monetárias para auxiliar a economia a ultrapassar a tempestade. Thushka Maharaj, estratega de multiativos global da J.P.Morgan AM, está certo de que a era da austeridade fiscal acabou. No seu lugar, vaticina uma etapa a que chama de ativismo fiscal. “Vimos como os mercados e investidores estão dispostos a aceitar um maior nível de dívida em países e empresas”, afirma a especialista. No fim, a política monetária e a fiscal vão andar na mesma direção.

Na opinião de Maharaj, isto tem poucas implicações para o crescimento além de um pequeno impulso cíclico como ponto de partida. Onde será necessário estar alerta é na inflação. O risco de subida de preços não está no curto prazo, mas no médio.

2. Um papel para as obrigações governamentais?

O ponto anterior abre a pergunta: que papel estou a dar às obrigações governamentais na minha carteira? Para Maharaj, continuam a ter um papel, mas mudou. De oferecer proteção e rendimentos para só proteção. “Continuam a trazer essa diversificação em momentos de risco, mas vem à troca de um custo mais alto”, afirma.

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Entramos neste novo ciclo numa posição mais complexa do que em 2009. Como se pode ver no gráfico anterior, até nesse ano podíamos ter-nos refugiado em obrigações soberanas a 10 anos e obtido um retorno decente. Hoje, ao expor-se, garante uma perda de capital a 10 anos. A parte longa está especialmente afetada, onde se prevê retornos a longo prazo inclusive inferiores aos que oferece a liquidez.

Face à minguante contribuição positiva das obrigações soberanas, as obrigações corporativas ganham mais importância. “Vemos o crédito como uma classe de ativos para todos os cenários. A dívida investment grade está a posicionar-se como um substituto para a duration, enquanto o high yield oferece um rácio de Sharpe maior do que o das ações”, argumenta Maharaj.

3. Fim da excecionalidade dos EUA?

Outra das grandes mudanças da nova década é que podemos estar a enfrentar o início do fim da excecionalidade nos Estados Unidos. Isto não significa um colapso do país, mas que finalmente pode ter chegado o momento de outras regiões se chegarem à frente. Existe uma correlação entre o spread do crescimento dos Estados Unidos e do resto do mundo com a valorização do dólar americano. E, como veremos no gráfico seguinte, se essa relação se mantiver, então a moeda está a iniciar uma tendência negativa secular.

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Este ponto ainda é debatível ainda que em 2020 tenhamos visto movimentos no mercado que convidam a pensar que é factível. Com bem recorda Vincent Juvyns, estratega de mercados global, o dólar, tradicionalmente um ativo refúgio, caiu em momentos de volatilidade de 2020. Pelo que pode ser um sinal dessa mudança de tendência.

4. O verde é a nova tecnologia

A grande disrupção a caminho não é tecnológica, mas verde. Os principais governos deixaram-no claro: a recuperação económica necessariamente passará por uma transição ecológica. Não se trata de reconstruir, mas de redefinir e adaptar-se à nova economia. E se é assim que se vai mover o dinheiro, é algo que o investidor deve estar consciente. Porque haverá novos vencedores e perdedores. Geograficamente, por exemplo, é a Europa está a liderar em matéria de clima e criando as suas próprias oportunidades de investimento. “Talvez o verde seja a nova tecnologia”, questiona Juvyns.

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Numa etapa de transição, a disrupção verde trará dor (económica) a curto prazo a troco do lucro a longo. Dito isto, Juvyns calcula que o impacto positivo do impulso fiscal bastará para compensar o custo dessa mudança de motores no PIB.

5. Que alocação devo ter a alternativos?

Foram alguns meses sombrios para os fundos alternativos, que perderam a simpatia dos investidores após vários episódios dececionantes nos mercados. Mas para o J.P. Morgan AM, os alternativos e o crédito serão as grandes surpresas da próxima década. Sorca Kelly-Scholte, responsável de soluções de pensões e assessoria para a região EMEA, vaticina que estas duas classes de ativos vão passar a ocupar uma função core das carteiras.

“Oferecem alfa, income e diversificação”, sentencia. Mas, para exprimir o jogo dos alternativos, devemos parar de interpretar a classe de ativos como homogénea. Esta geração de alfa vem de fundos de capital de risco, com uma perspetiva de retorno melhor do que os mercados cotados. O income, por outro lado, virá de fundos de infraestruturas. Enquanto a diversificação é fornecida por estratégias de hedge funds, com acesso a outras áreas além dos mercados públicos. “Não se trata simplesmente de aumentar uma alocação marginal e genérica para alternativas, mas de realmente pensar sobre como capitalizar essas opções”, insiste.