Pontos-chave e consequências para o investidor de umas eleições americanas renhidas

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A noite eleitoral nos Estados Unidos encerra sem conhecer o vencedor. Apesar do atual presidente, Donald Trump, já ter feito o seu discurso de vencedor o fim ainda está por escrever. A vitória do candidato republicano num estado-chave como a Florida e a debilidade Democrata noutros estados deixa o caminho eleitoral tão renhido que poderá vencer qualquer candidato. Para os mercados, é o pior cenário possível. Um resultado tão renhido até ao final, e que pode demorar dias até ser conhecido, significa mais volatilidade.

É isso que estamos a ver nos primeiros movimentos do mercado. As bolsas europeias abriram com fortes quedas que se vão moderando com o passar das horas. Mona Mohajan, estratega de investimento em ações americanas da Allianz GI, nota que os mercados levaram um abanão devido ao facto de os resultados estarem tão próximos. “Em particular, as yields das obrigações do Tesouro a 10 anos dos EUA, alcançaram os 94 pontos base, o que reflete uma fuga para a segurança. Estamos a ver respostas semelhantes com o dólar a subir e os preços do ouro a cair abaixo dos 1.900 dólares, também uma fuga semelhante para as transações de segurança”, aponta o especialista.

É uma reação previsível visto que cada minuto que passa traz novidades na contagem dos votos e a esta altura da manhã não se podem descartar surpresas. Por exemplo, enquanto escrevemos estas linhas, Joe Biden arrebatou a vitória de Trump no estado do Arizona, dando um impulso aos Democratas.

Um presidente e um congresso. É a única coisa que pedem os mercados. “Quer seja azul ou vermelho”, comenta Fabiana Fedeli, diretora global de ativos fundamentais da Robeco. Já o comentavam as gestoras antes dos comícios. Ambos os candidatos serão positivos para os ativos de risco já que tanto um como outro estão certos de que o país precisa de um novo pacote de ajudas fiscais. “Qualquer das Administrações, apoiada pelo Congresso, implementará políticas para apoiar a economia”, concorda Fedeli.

Mas chegar a este ponto pode representar dias de incerteza. Neste ponto, o caminho é disputado no chamado “cinto de aço” de Wisconsin, Pensilvânia e Michigan. Estados que já avisaram que podem demorar até sábado para declara o vencedor.

Nas eleições de há quatro anos, a esta hora, também não tinham terminado de contar os votos, mas Hillary Clinton já tinha aceite a derrota e Trump avançava como presidente. O que se passou este ano? O ponto-chave, como referem na T. Rowe Price, está no voto por correio. Segundo números do Pew Research Center, a pandemia elevou o voto por correio dos 21% de 2016 para 39% em 2020. “São 80 milhões de votos que vão demorar a ser contados devido aos processos de verificação de assinatura”, explicam na T. Rowe Price.

Como a corrida está tão renhida, em alguns estados o resultado poderá ser determinado por um punhado de votos. “Ambos os partidos terão de aceitar o resultado”, comenta Katie Deal, analista de Washington na divisão de ações da T. Rowe Price. “É de esperar que ambas as partes sigam todos os procedimentos processuais, políticos e legais, um mecanismo possível para assegurar que todos os votos são contados”.

Recordemos o que se passou da última vez que a contagem dos votos chegou aos tribunais. Nas eleições de 2000, quando o resultado foi contestado, o S&P 500 caiu 5,6% nos quatro dias seguintes de cotação. E com o passar das semanas o índice moveu-se numa faixa de 5% entre quedas e subidas até que Al Gore concedeu a vitória após mais de um mês depois da noite eleitoral.

O medo dos mercados: um Congresso dividido

Mas não se vão dissipar todas as dúvidas quando conhecermos o próximo presidente dos Estados Unidos. O cenário mais temido pelas gestoras era um presidente sem controlo forte por parte do seu partido no Congresso. E parece que os piores presságios se vão cumprir. Ganhe quem ganhar. Porque como aponta Fedeli, um Congresso dividido significa atrasos na execução das políticas e no que, acreditamos, é um pacote de estímulos muito necessário a curto prazo.

A primeira reação a curto prazo poderá ser os investidores adotarem uma atitude defensiva. “Com o resultado indeciso, haverá um aumento da volatilidade até que se resolva o resultado das eleições. O dólar americano continuará a ser influenciado pela incerteza e os rendimentos das obrigações do Tesouro americano vão cair. Também se pode esperar que os ativos de risco tenham uma rentabilidade inferior até que haja mais transparência”, afirma Paul Brain, responsável de Obrigações da Newton Investment Management (BNY Mellon IM).

Fedeli considera possível que se travem algumas consequências da onda azul que vimos surgir desde o verão e ainda mais durante os últimos dias: as ações dos mercados emergentes e as divisas, incluindo a China, o tema das energias renováveis (com expectativa de que uma administração de Biden favoreça políticas mais respeitosas para com o  meio ambiente) e os cíclicos sobre as grandes tecnologias. Também considera provável que vejamos algum alívio sobre possíveis consequências de uma vitória da onda vermelha, como o petróleo, ou Rússia, que é um país que se espera que incorra em sanções sob a administração de Biden.