Pontos-chave para entender porque o mercado chinês caiu tanto no verão

China chinês
Créditos: Nuno Alberto (Unsplash)

A teoria diz que no verão, os mercados movem-se de uma forma mais calma perante a ausência dos investidores. Mas esta é a teoria. Como vem sendo hábito, nos últimos anos, também neste mês de agosto houve grandes movimentos nos mercados. As causas são sobretudo duas: a incerteza sobre quando a Fed vai começar o seu tapering (Powell já confirmou que será em 2021) e as medidas regulatórias anunciadas pela China durante a temporada de verão.

Estas últimas são precisamente o que levou a bolsa chinesa a ter uma descorrelação do resto dos mercados ocidentais que, apesar da incerteza da Fed e também da variante Delta da COVID-19, têm negociado positivamente.

Mas porque é que os investidores reagiram tão negativamente aos anúncios de Beijing? Porque não excluem que o aumento da regulamentação visto primeiro na tecnologia e depois noutros setores, como a educação, seja apenas o início de uma nova onda regulamentar. “Não partimos da base de que a nova vaga de regulação já atingiu o seu auge. Na nossa opinião, as iniciativas e, portanto, a incerteza para o setor empresarial, poderão continuar até 2022. Se a reação do mercado foi excessiva até agora será algo que vamos saber dependendo do que ainda está para acontecer”, afirmam na DWS.  E, ao mesmo tempo, recordam que a China também enfrenta outros riscos, como a relação com os EUA. Nos EUA, há o medo de uma bolha de crédito ou do impacto que a variante Delta tem na sua economia, agora que os casos de COVID-19 voltaram a ser relatados no gigante asiático.

OPV chinesas, melhor na China

Para contextualizar, o que a China tem feito até agora em termos regulamentares é limitar as cotações de empresas chinesas fora da China, como fez com a aplicação Didi, pelo que se teme que tenha impacto especialmente nos ADR de empresas chinesas e nas estruturas de capital de risco. “A longo prazo, devido a um desacordo sobre a divulgação e o acesso à documentação entre os EUA e a China, os ADR dos EUA, pelo menos para as empresas que operam em indústrias estratégicas designadas, podem deixar de ser defensáveis”, afirma Brian Bandsma, gestor da Vontobel AM.

“Temos visto recentemente movimentos de revisão de fusões e aquisições de VIE (variable interest entities). E nos últimos dias, ligada à reforma educativa, temos visto uma medida para não permitir estruturas VIE no espaço do ensino privado. Estes movimentos levaram a uma reavaliação do risco sobre se as estruturas estão ameaçadas. Qualquer ação que empregava uma estrutura VIE viu um aumento acentuado no prémio de risco”, afirma Tom Wilson, responsável de Ações de Mercado Emergentes na Schroders.  

Será que uma maior regulamentação chegará a outros setores?

O setor tecnológico não foi o único a sofrer com o aumento da regulamentação. Semanas mais tarde, o Governo de Beijing anunciou a proibição de certas empresas privadas do setor da educação lucrarem. “O último movimento de Beijing, visando o setor da educação que move 100 mil milhões de dólares, é visto como ainda mais preocupante, pois parece provável que o valor de muitas ações do setor da educação possa chegar a zero”, afirma Bandsma. E não exclui que, no futuro, também venhamos a assistir a uma regulamentação noutros setores igualmente essenciais, como a habitação ou a saúde.

Devemos fugir do mercado chinês?

Que estas medidas estão a gerar uma elevada volatilidade no mercado, ninguém duvida. Mas será que isto é suficiente para pôr de lado o investimento na China? A opinião maioritária é que não, mas que temos de ser ainda mais seletivos.

Na nossa opinião, as perspetivas de longo prazo para as ações chinesas continuam positivas, especialmente em áreas de crescimento estrutural como a tecnologia, os cuidados de saúde e o consumo doméstico. Enquanto alguns setores enfrentam headwinds regulatórios, outros podem beneficiar do apoio oficial”, apontam na J.P. Morgan AM, e citam como exemplos o setor dos semicondutores ou do software.

“Acreditamos que o Governo chinês continuará a usar os mercados de capitais públicos e de obrigações para fomentar a inovação, apesar dos novos regulamentos. Também vemos oportunidades onde a China está a abrir-se mais, como no mercado de obrigações chinesas”, aponta Stephen Dover, estratega de mercado da Franklin Templeton.

No entanto, Tom Wilson, responsável de Ações de Mercado Emergentes da Schroders, recorda que deve ser exercida alguma cautela quando se inclui a China nas carteiras. “A China continua a ser um mercado muito grande, com elevados níveis de inovação. Está altamente integrado no sistema económico global e continuará a ser um importante fornecedor para o resto do mundo durante muito tempo. Mesmo assim, as tensões entre a China e os EUA, a nosso ver, persistirão. E isso pode ter consequências.”

Ao fim e ao cabo, de acordo com Catherine Yeung, diretora de Investimentos da Fidelity na Ásia-Pacífico,  esta não é a primeira vez que assistimos a um aumento da regulamentação na China. “Basta recordar o que aconteceu em 2018, quando o Governo suspendeu a emissão de novas licenças de jogos e a cotação da Tencent sofreu uma correção de quase 50%”, recorda. “Os mercados não gostam de incertezas, mas uma vez esclarecidas as regras, as ações da Tencent registaram uma forte recuperação (90% desde esses mínimos até ao final de julho de 2021)”, refere.