Primeiras reações das gestoras internacionais à mudança de governo em Espanha

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A mudança de governo em Espanha não parece preocupar os mercados financeiros muito menos as gestoras internacionais, que não sentem nenhum receio pela chegada do PSOE e de Pedro Sánchez à La Moncloa. O programa argumentado pelo novo presidente, que colocou como uma das principais prioridades do seu Executivo cumprir com os objetivos do défice definido por Bruxelas, permitiu tranquilizar os investidores, fazendo com que as empresas estrangeiras não vejam nas práticas de Mariano Rajoy um elemento que vai destabilizar a economia espanhola. “A reação do mercado foi muito contida”, destacam da SYZ Asset Management. A pergunta é: porquê?

“O PSOE é um partido de centro-esquerda e pró-europeu. Por isso, a possibilidade de que se apliquem políticas não convencionais não deverá ser vista como um risco para os mercados financeiros”, afirma Matt Siddle, gestor do Fidelity European Growth e do Fidelity European Larger Companies. Os gestores da Fidelity foram os primeiros a dar a conhecer a sua opinião sobre a inesperada e resplandecente saída do PP do governo de Espanha, uma vez que desde que se apresentou a moção de censura, até esta ter decorrido, apenas se passou uma semana. Os especialistas da casa concordam em duas coisas.

A primeira é que a mudança da cor política no governo não afetará de forma significativa a economia espanhola. “Vimos uma economia espanhola muito flexível, incluindo à luz da crise política sobre a Catalunha, e não esperamos um grande impacto do acontecimento na estabilidade e nas perspetivas da economia espanhola”, assinala Fabio Riccelli, gestor do Fidelity Iberia e do Fidelity European Dynamic Growth. A segunda é que a margem de manobra de Pedro Sánchez é muito limitada.

“Apesar da mudança de liderança, o que o governo espanhol pode fazer é muito pouco. O Executivo de Sánchez tem uma maioria muito reduzida no Parlamento e conta com o apoio de partidos com agendas políticas muito diferentes. A margem de manobra no aspeto fiscal também é limitada, com o orçamento de 2018 já retificado por Rajoy antes da sua saída. Conforme estão as coisas, no curto prazo é difícil ver quanto tempo durará o novo governo e as eleições antecipadas parecem muito prováveis nos próximos meses”, assinala Andrea Iannelli, diretor de investimentos de obrigações europeias na entidade. “Os investidores não deverão considerar Espanha completamente imune à volatilidade e aos fatores externos”.

As gestoras internacionais concordam: a situação política e macro de Espanha não é a da Itália…

Atualmente, a Itália é o principal fator externo que poderá destabilizar o mercado de ações e obrigações espanhol. Segundo Iannelli, em comparação com Itália, e apesar da incerteza política que também existe no outro lado dos Alpes, os investidores provavelmente irão aproximar-se de Espanha de forma diferente por duas razões. “Em primeiro lugar, em Espanha há muito mais apoio à Europa em todo o espetro político e também entre a população, o que deverá evitar uma repetição dos headlines que recaíram sobre os ativos italianos em maio. Em segundo lugar, Espanha encontra-se numa posição mais sólida, tanto na frente económica como na fiscal. Implementou reformas estruturais, beneficia de um nível de crescimento mais alto e tem uma relação dívida/PIB menor do que os seus homólogos italianos. Estes fatores deverão conduzir as obrigações espanholas a manterem-se bem apoiadas e a ultrapassar os BTP italianos no curto prazo”, augura.

… mas os mercados espanhóis poderão ser arrastados pelos italianos

Isso não significa, contudo, que o comportamento das obrigações espanholas vá ser positivo. “Como vimos na última semana de maio, os ativos espanhóis podem ver-se fortemente influenciados pelo sentimento de risco mais amplo sobre a dívida periférica europeia. No caso de que a situação italiana volte para o primeiro plano e as yields dos BTP suba, é provável que as obrigações espanholas sigam o exemplo, com correlações entre os dois mercados que manter-se-ão elevadas nos próximos meses”, sublinha Iannelli.

A sua perspetiva coincide com a de Julien-Pierre Nouen, economista-chefe da Lazard Frères Gestion, que considera que o movimento no risco país Espanha foi mais influenciado pelo que aconteceu em Itália, do que pelos eventos políticos internos. “O que está a afetar o mercado de dívida espanhol é a situação de Itália. Se as preocupações sobre uma possível saída do país transalpino da Zona Euro aumentarem muito, poderá haver algum tipo de contágio e a dívida espanhola poderá estar sob pressão. No tal cenário, o BCE poderá ver-se tentado a atrasar a diminuição das compras depois de setembro. Para além disso, enquanto o consenso favorável para permanecer no euro continuar a ser sólido, se os spreads aumentam, oferecerão uma oportunidade de compra”.

Nouen mostra-se convencido de que, nas ações, enquanto a situação italiana não se resolver, a volatilidade irá continuar e poderemos assistir a momentos de pânico apesar “da situação em Espanha ser radicalmente diferente da de Itália. O contexto macro é muito melhor: a confiança económica continua a ser muito alta, é consistente com um forte crescimento à volta dos 3% e a taxa de desemprego está a cair rapidamente. Além disso, prevê-se que o déficit orçamental espanhol se situe nos 2,5% em 2018 e a relação dívida/PIB comece a descer, pelo que, se o crescimento se mantiver no nível atual, o risco da dívida espanhola melhorará. Por isso, a mudança de governo não irá criar uma crise política, pois é necessário muito mais para quebrar a boa dinâmica económica de Espanha, uma vez que o país não tem nenhum problema urgente que o novo Executivo deva resolver.”

Nem sequer no caso de Sánchez dissolver os tribunais e convocar eleições antecipadas representaria perigo, sobretudo tendo em conta, o que os últimos inquéritos apontam. “O cenário provavelmente mais negativo será um governo de coligação formado pelo PSOE e pelo Podemos, embora nesse caso dependesse da importância respetiva das duas partes. Se o PSOE tivesse “unhas para a viola”, podia ser capaz de dominar as tendências eurocéticas do Podemos. Não obstante, há que dizer que os principais partidos políticos (PP, PSOE e Ciudadanos) partilham o compromisso com o euro e, por isso, respeitam o Tratado de Estabilidade e Crescimento”, recorda o economista-chefe de Lazard.

Esse é um dos motivos pelos quais Paul Brain, chefe de Obrigações na Newton, filial da BNY Mellon, entende que o spread entre a rentabilidade das obrigações do Tesouro espanhol a dez anos e os bunds alemães não vão aumentar de forma relevante. “Presumindo que a situação de Itália não continua a deteriorar-se no futuro, acreditamos que o prémio de risco espanhol não deverá subir de forma significativa”, assinala. E o acontecerá com o spread de Itália? Segundo Andrea Delitala, gestor sénior de estratégias multiativo da Pictet AM, o spread de crédito atual da dívida italiana em relação à alemã, deverá ser considerado razoável, embora não convenha esquecer que Itália é o único país com dois partidos antissistema, um caso particular no fenómeno do populismo.

“A Liga é muito local, tradicionalmente anti europeísta e anti emigração, enquanto o Movimento 5 Estrelas reúne votos desiludidos do SPD ou Renzi, não sendo necessariamente agressivo, embora careça de noção de disciplina fiscal. A mínima possibilidade de saída do euro ou incumprimento da dívida implicará um prémio muito maior. Já ocorreu em 2011 quando chegou a ser de 5%. Em todo o caso, o endividamento das famílias italianas é baixo embora a sua dívida pública seja abundante. O montante implica uma dívida externa muito limitada”, afirma o gestor italiano, a mando do Pictet Multiasset Global Opportunities (MAGO).