Segundo movimento de urgência por parte da Reserva Federal; segunda ronda recebida com fortes correções pelas bolsas mundiais. A Fed voltou a surpreender os mercados durante a noite de domingo com uma bateria de salva-vidas: cortou de uma vez as taxas para 0%, lançou um novo QE e acordou com os principais bancos centrais a execução de medidas para garantir a liquidez das reservas de dólar (aqui contamos todas as medidas). Mas, que implicações tem tudo isto? O que está ver Jerome Powell para atuar apenas dias antes da reunião programada? As gestoras internacionais respondem.
Como resume Wen-Wen Lindroth, estratega chefe de Investimentos da Fidelity, a Reserva Federal usou todo o arsenal: “Tomaram quase todas as medidas que lhes são legalmente permitidas. Um sinal de que estão a levar isto muito a sério”. Em comparação com as medidas durante a crise financeira, só faltará um programa de compra de obrigações comerciais (o programa CPFF).
Mas a primeira reação do mercado não foi positiva. Antes da meia noite, quando abriu o mercado de futuros norte-americanos, as ações americanas já registavam fortes quedas. E o mesmo acontece na Europa onde, por exemplo, o PSI-20 abriu a cair 5%. “No ano passado, a Fed conseguiu criar uma aterragem suave no meio de uma desaceleração da indústria, mas poucos foram enganados ao pensar que as taxas baixas e as compras de ativos financeiros irião induzir as pessoas a sair dos seus lares antes de sentirem que é medicamente seguro fazê-lo”, avalia Lindroth.
Alguns gestores não percebem estes movimentos de urgência. “A Fed voltou a fazê-lo. Já são duas vezes que os meninos e meninas da torre de marfim na Reserva Federal calcularam profundamente mal o choque e o assombro. É a segunda vez que os mercados se assustaram ao pensar no porquê destas políticas de emergência. O que é que eles sabem que nós não sabemos? Fazê-lo quando o mercado norte-americano está fechado é uma tolice”, critica David Roberts, responsável da equipa de obrigações globais da Liontrust.
Mas as quedas desta segunda-feira obrigam à seguinte reflexão: o que se teria passado se a Fed não tivesse atuado. “A Fed demonstrou uma vez mais que esteve entre os mais rápidos a responder. Embora não se possa esperar que as ações políticas da Fed compensem a forte queda das atividades que provavelmente vão enfrentar nos próximos meses, estas foram projetadas para proporcionar níveis de apoio”, defende David Page, da AXA IM. Em primeiro lugar, porque a flexibilização agressiva pode mitigar a escala de ajuste das condições financeiras. Em segundo lugar, as medidas mais técnicas são desenhadas para ajudar os bancos norte-americanos a manter e aumentar os empréstimos a empresas americanas, já que enfrentam uma forte contração da procura. Esta política tem como objetivo ajudar as empresas a superar o choque e a retomar os seus negócios quando passar o surto. Em terceiro lugar, a flexibilização da política monetária assentará as bases para uma recuperação mais vasta da atividade económica nos próximos trimestres e anos para substituir a perda de procura provável nos próximos meses.
No comunicado, a Fed destaca que os Estados Unidos entraram nesta fase com uma base sólida, mas reconhece, no entanto, que a economia vai sofrer uma travagem brusca. Para Sebastien Galy, estratega sénior de estratégia macroeconómica da Nordea AM, Powell está a adiantar-se ao mercado que esperava quatro cortes de taxas na próxima reunião. Isto tem várias consequências, na sua opinião. Se os mercados o veem como uma reação de pânico, não será positivo para as ações. Os bancos vão sofrer com uma curva muito baixa e plana ainda que no curto prazo deverão beneficiar de estar longos no Tesouro americano.
Além das taxas a 0% serem um alívio direto para as condições de financiamento, analisaremos os outros pontos que abordaram este domingo. Joachim Fels, assessor económico global da PIMCO, explica dois pontos-chave:
- O mercado do Tesouro americano, geralmente muito líquido deu sinais de dificuldades durante a última semana. Segundo explica, deve-se ao facto de muitos investidores alavancados tentarem desfazer-se de algumas estratégias de trading, ou seja, vendendo (ou tentando fazê-lo) grandes quantidades de obrigações do Tesouro num momento no qual os dealers primários operam com limites de balanço muito apertados. A Fed voltar a comprar dívida governamental americana é o primeiro passo para ajudar a aliviar essa liquidez.
- Quanto à compra de MBS (cédulas hipotecárias) Fels também o interpreta como uma ferramenta efetiva de transmissão da política monetária. Segundo notaram na PIMCO há semanas, o facto de FED ter deixado de recomprar os MBS tinha provocado um alargamento dos seus spreads face ao Tesouro, o que travava a transmissão completa de taxas mais baixas a quem tivesse hipotecas.
São medidas necessárias, mas como já vai sendo uma tónica habitual cada vez que saem para os mercados os banqueiros centrais, as gestoras internacionais insistem em pedir mais dos governos. “Agora depende da política fiscal atuar ativamente para limitar o risco e encarregar-se da diminuição da atividade económica que se avizinha nos Estados Unidos. A probabilidade de escapar de uma recessão americana agora é limitada”, vaticina Philippe Waechter, chefe de Investigação Económica da Ostrum AM (Natixis AM).