Qual será o catalisador de um ciclo virtuoso nos mercados emergentes?

instabilidade; nuvem; mau tempo
Donleen; Flickr

Argentino com uma costela italiana. Guillermo Besaccia, fund manager de dívida de mercados emergentes da Schroders, sabe portanto melhor do que muitos qual a história subjacente às crises dos mercados emergentes (ME). Dessa mesma experiência retirou a convicção de que desde 2002 há uma história repetível a contar no que aos mercados emergentes diz respeito. Um ciclo com nuances de quase dejá vu, e que lhe permitem hoje em dia ter os dados em cima da mesa para apontar convicções sobre o que poderá estar para vir neste conjunto de países, que ultimamente parecem ter-se tornado  novamente atrativos para os investidores.

“Numa altura de crise nos mercados emergentes, a desvalorização da moeda leva ao crescimento da inflação, e os bancos centrais são obrigados a apertar as condições monetárias, com um aumento das taxas de juro, o que motiva, normalmente, uma recessão, um credit crunch... Quando isso acontece, habitualmente, assistimos a uma desaceleração que provoca reversão no défice por conta corrente.  Por causa deste apertar das condições monetárias a inflação começa a aumentar, e sucede um ajustamento da economia”, começa por explicar o profissional a propósito do ciclo atrás referido e ilustrado no gráfico abaixo.

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Continuando com o seu exercício de memória, o profissional, numa entrevista à Funds People, seguiu para o ponto 4. do gráfico, trazendo para a mesa o episódio de ajustamento na América Latina no final dos anos 90, história que permite desvendar o que poderá ser o motor dos emergentes hoje em dia. “Depois de um ajustamento que se seguiu à elevada inflação na Argentina e depois da crise de dívida da América Latina qual foi o principal motor da possível dinâmica?”, perguntou retoricamente durante a conversa. A resposta aparece com duas frentes. Por um lado, recorda Guillermo, “o declínio do dólar” configurou-se como chave para esse arranque das economias, mas também “os fluxos de capital para os mercados emergentes” foram determinantes, já que “depois desta vaga de inflação, a América Latina abriu a sua economia e os investidores europeus entraram no mercado para comprar empresas locais”.  Reitera: “Tudo isto gerou uma dinâmica de crescimento que, claro, apareceu associada a uma estabilização da inflação, bem como dos próprios mercados”.

Já mais recentemente, no ciclo anterior ao atual – entre 2002 e 2008 - o crescimento dos preços das commodities foram um elemento chave, a par daquele que é um “condimento” determinante para o profissional: “o enfraquecimento do dólar”.

Da casa inglesa, o fund manager aponta como cenário central “uma recuperação para os emergentes, porque de facto já decorreu um ajustamento e uma crise que foi superada”. Contudo, Guillermo interpõe no seu discurso um “mas”. “É necessário que algo ‘acenda o rastilho’ do início de um ciclo virtuoso, e que faça gerar uma espécie de efeito multiplicador”, deixa bem assente. “Para nós, esse factor tanto poderá ser um maior declínio do dólar, como uma renovada importância dos ME, já que nos últimos anos tudo o que era associado aos ME era negativo, mais concretamente os temas políticos. “Há vários exemplos que mostram uma renovação política e uma melhoria no panorama político dos emergentes. Moodi na Índia, Joko Widodo na Indonésia ou Ramaposa na África do Sul, são exemplos. O Brasil, por sua vez, está prestes a enfrentar uma eleição da qual provavelmente poderá sair vencedor um presidente mais ‘market friendly’; Estamos a assistir a um ciclo político mais positivo e o económico também... Mas ainda é necessário algo que possa acender ainda mais essa chama dos emergentes e, para mim, um maior enfraquecimento do dólar, por via de uma subida dos preços das commodities, poderá pressionar o gatilho e fazer disparar o início de um ciclo virtuoso”, atesta.  

Fundo Blockbuster

Pelo facto de ser argentino, Guillermo tem na ponta da língua a forma como executa o processo de investimento do fundo Schroder ISF Emerging Markets Debt Absolute Return (fundo classificado como Blockbuster Funds People): “Como argentino que sou, quase que posso dizer que tem sido fácil gerir este fundo: trata-se de evitar defaults e tirar partido das vantagens”. Mas a que é que este fundo se propõe? O fund manager elenca dois objetivos bem específicos: o primeiro, a preservação de capital, é o que determinada que se evitem “significativas perdas de dinheiro”; em segundo lugar “tentar fazer a maior quantia de dinheiro possível, ou seja, maximizar o retorno ao máximo”.

Olhando para a história do fundo - que teve o seu  início em 1997- Guillermo sublinha que quando iniciaram o produto “o retorno máximo chegou aos dois dígitos”. Mas estes são números para colocar em contexto. “Nessa altura os retornos nos mercados emergentes costumavam estar acima de 10%. Nos últimos anos, com a crise, os retornos mal chegaram a positivos, ou foram ligeiramente negativos”. Serão os 10% de retorno agora uma meta próxima? O especialista remete, claro, para as premissas antes enunciadas: um dólar fraco seria meio caminho andado para se poderem aproximar mais desse objetivo. Recorda: “Se existir uma moeda estável e estivermos investidos em moeda local, com yields que providenciam retornos entre 6% e 9%, o cupão obtido por investir em moeda local rondará os 10%. Claro que isto dependerá das taxas de juro locais (dependendo do país em que estamos a falar), que genericamente têm caído relativamente às treasury yields”.  

Fundo de convicção

O fundo rege-se por uma análise fundamental. “Dividimos o mercado por regiões, e cada um de nós é responsável por uma região. Eu sou o responsável pela América Latina. Em cada um dos países em que investimos temos uma convicção muito grande, com uma visão top-down: olhamos para o ciclo económico, para as dinâmicas de cada um dos instrumentos investíveis, etc. Podemos investir em qualquer instrumento obrigacionista de mercados emergentes”, comenta a propósito da metodologia do produto.

Cash: tábua de salvação

Apesar da forte convicção que Guillermo diz apresentarem em cada título inserido em carteira, o profissional realça regras de diversificação impostas, que são essenciais para o controlo do risco. “Dividimos os países por liquidez. Se um país é muito líquido, este alcança uma maior percentagem dentro do portefólio; ao mesmo tempo definimos limites de exposição por grupos de países ou mesmo por região”, declara. Porque os cenários de queda são muito bem preparados, o fund manager reitera que quando os mercados estão numa rota descendente há pelo menos uma ferramenta valiosa: a alocação a cash, que pode chegar a um máximo de 40% na carteira.

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“O gráfico mostra-nos que  muitas vezes no passado a alocação a cash já atingiu os 40%. A linha amarela, que representa a exposição ao dólar, por seu lado, mostra-nos que em determinadas altura a exposição a cash estava nos 40% mas existia 90% de exposição a dólar. O que é que isto significa? Significa que estes 60% restantes estão em dívida local de curto prazo mas com cobertura em dólares. Tiramos portanto vantagens no downside com exposição a cash, por um lado, e, por outro, com o hedge das posições em dívida local de curto prazo”, sintetiza.

Situação reversa acontecia uma semana antes desta entrevista ter lugar: apenas 5% do fundo estava alocado a cash, e 95% do produto investido em dívida de mercados emergentes em moeda local. Tendo em conta os movimentos mais recentes e imprevisíveis das moedas, o profissional relata que colocam em prática uma estratégia de stop loss. “Quando o fundo atinge 2% de drawdown, cortamos 20% da exposição  do fundo. Para cada 1% adicional cortamos 10% do fundo”, explica. Neste sentido, clarifica aquela que é uma máxima aplicada ao fundo: “Gostamos, claro, que os ativos sob gestão do fundo cresçam, mas nas piores alturas gostamos que o NAV do fundo se lateralize, o que é sinónimo de preservação de capital”, reitera.

Exemplos deste “mecanismo de defesa” podem ser encontrados, por exemplo, em 2008 e em 2015. No primeiro caso, o profissional recorda que o fundo caiu 10%, e aí atingiu portanto o seu máximo drawdown; outro episódio decorreu aquando dos ajustamentos nos mercados chineses em 2015, altura em que o fundo atingiu um drawdown de quase 9%.

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As visões atrás referenciadas refletem-se na atual alocação do portefólio. O especialista aponta que atualmente o cash ronda os 20% em carteira, e a maior exposição acaba por ser protagonizada pelo México, porque “tem vindo a experienciar uma reversão na inflação e, por isso, é que ainda estamos a apostar nas obrigações do país”. Protagonismo no portefólio tem ganho também a África do Sul, nomeadamente obrigações locais, e a Rússia, em títulos de curto prazo.

Nos últimos meses, o profissional destaca também a exposição a América Latina, por via da “melhoria dos preços das commodities, nomeadamente os preços do petróleo” que acabou por beneficiar os países da região. No reverso da medalha fica a Ásia: “É provavelmente a região menos favorecida no portefólio, porque não temos gostado da evolução do renminbi”.