Quando terminará o trabalho da Fed?

EUA
Créditos: Aaron Burden (Unsplash)

Já lá vão os dias em que os bancos centrais só aumentavam as taxas em 25 pontos base de cada vez. Tanto o BCE como o Banco do Canadá subiram as taxas em 75 pontos base na última reunião, seguindo os mesmos passos que a Fed deu em junho e julho. Além disso, após outra surpreendente subida da inflação do IPC norte-americano, é provável que a autoridade americana continue a endurecer as taxas a este ritmo e, possivelmente, de novo em novembro e dezembro. Hoje os mercados acreditam que há uma probabilidade superior a 50% de que tanto o Banco de Inglaterra como o BCE aumentem 75 pontos base em vez de 50.

Inflação… mais duradoura?

A escalada dos preços é o cerne da questão. Os últimos dados de inflação publicados nos Estados Unidos, os de agosto, mostram que a inflação geral se moderou graças, principalmente, à queda dos preços da energia. No entanto, os mercados centraram-se no aumento da inflação subjacente, mais persistente, para os 6,3% anuais. “Este número proporciona poucos motivos para que a Fed se desvie da sua trajetória de endurecimento”, indica a J.P. Morgan AM.

Contudo, para Olivier de Berranger, diretor de Investimentos e diretor de Gestão de Ativos da La Financière de l’Echiquier, o problema já não é tanto o nível geral da inflação, mas sobretudo a sua causa principal, mais profunda que o aumento dos preços da energia e dos alimentos: a habitação.

“Contra todo o prognóstico, as rendas continuam a aumentar e, como as taxas de empréstimos também continuam a aumentar, é expectável que se levantem fortes exigências de aumentos salariais, que serão difíceis de combater, uma vez que o mercado de trabalho norte-americano continua a mostrar a sua força. Isto faz prever uma inflação bastante duradoura e, consequentemente, bancos centrais agressivos, mesmo que o crescimento seja afetado”. 

Quando terminará o trabalho da Fed?

Neste contexto, é óbvio porque 75 pontos base é a nova normalidade nesta fase do ciclo de endurecimento. “Alguns observadores estão agora a pedir 100 pontos base de subida de taxas”, destaca Gilles Moëc, economista sénior na AXA Investment Managers. Atualmente, todos os responsáveis políticos parecem guiar-se pelo velho ditado de que apenas os falcões vão para o céu dos bancos centrais e, por isso, estão decididos a, segundo as palavras do próprio Jerome Powell, “continuar até que o trabalho esteja concluído”. Como os banqueiros centrais e os investidores saberão, então, quando é que o trabalho está feito e se é apropriado fazer uma pausa?

“Dada a incerteza sobre o nível da taxa de juro neutra não observada, os responsáveis políticos deixaram claro que querem ver a inflação numa trajetória descendente sustentada, o que interpreto como pelo menos vários meses de queda da inflação subjacente. Esta trajetória descendente poderá continuar a ser difícil de alcançar durante bastante tempo, especialmente nos Estados Unidos, dada a aceleração dos aumentos salariais, importantes impulsores da inflação no setor dos serviços, e a perspetiva de que os fortes aumentos da componente da habitação do IPC continuem”, observa Joachim Fels.

O limite máximo é fixado entre 4% e 4,5%

Embora não seja claro qual o nível terminal das taxas necessário para concluir o trabalho, a suspeita do diretor-geral e assessor económico global da PIMCO é que é superior à taxa máxima dos fundos federais de 4,25%, que os mercados estão a valorizar neste momento. Está muito próximo do que Mickael Benhaim, diretor de Estratégia e Soluções de Obrigações da Pictet AM, estima. Benhaim sublinha que o mercado desconta que as taxas de juro finais da Fed cheguem aos 4% e que, na segunda metade de 2023, uma vez alcançado o objetivo da inflação, a autoridade monetária se possa centrar de novo no crescimento da economia e inicie um ciclo de flexibilização monetária.

Mervyn King, antigo governador do Banco de Inglaterra, cunhou a teoria de Maradona sobre a política monetária. Trata-se de voltar ao golo de Maradona contra a Inglaterra no Mundial de 1986: cruza o campo todo fintando a defesa inglesa. “O que realmente chama a atenção é que Maradona correu quase em linha reta. Como se pode superar cinco jogadores correndo em linha reta? A resposta é que os defesas ingleses reagiram ao que esperavam de Maradona; se Maradona se movia para a esquerda ou para a direita”, explicava em 2005.

A política monetária da Fed é linear 

A analogia com a política monetária é que se os mercados esperam subidas de taxas quando a inflação aumenta, as suas expetativas de inflação não se movem e, por isso, o banco central não necessita de subir as taxas.

“A trajetória da política monetária é tão linear como a de Maradona. Quanto mais credível é o banco central, menos necessidade tem de reagir às mudanças na inflação. Esse é o dilema da Fed neste momento. Com mercados a não acreditarem que vão manter as taxas elevadas no próximo ano, a Fed pode ver-se obrigada a fazer ainda mais (um anti-Maradona) para compensar o défice de credibilidade. Daí a importância do discurso atual. Se são eficazes, as taxas a longo prazo deveriam ser mais altas do que são agora, o que, paradoxalmente, faria parte do trabalho da Fed e limitaria, portanto, a sua necessidade de aumentar as taxas”, explica Stéphane Déo, responsável de Estratégia de Mercados da Ostrum, filial da Natixis IM.

Além de 2023

No entanto, se olharmos além de 2023, é possível que seja difícil para a Fed manter a inflação abaixo dos 2% como tem feito até agora.

Tal como indica Jim Leaviss, diretor de Investimentos em Obrigações Soberanas da M&G Investments, isto deve-se ao facto de muitos dos fatores que mantiveram a inflação a níveis tão baixos durante tantos anos poderem começar a ceder. “Em concreto, é provável que a globalização tenha menos força no futuro, o que se reflete em questões como a deslocalização das cadeias de abastecimento e o maior uso de taxas e outras medidas comerciais restritivas”, conclui.