Investir em dívida de cobrança duvidosa ou mesmo em dívida que já está em incumprimento pode ser extraordinariamente lucrativo. Principalmente se for o momento certo. Por exemplo, no ano passado, três dos quatro títulos soberanos com melhor desempenho eram títulos que haviam entrado em default: Zâmbia (+48%), Belize (+22%) e Suriname (+14,9%).
Apesar desses retornos excepcionais, o incumprimento da dívida soberana tornou-se uma preocupação recorrente para os investidores desde o início da pandemia, devido ao ónus adicional que a crise impôs às finanças públicas da maioria dos países. A guerra na Ucrânia aumentou esses temores.
“Muitas vezes recebemos perguntas dos investidores sobre a situação de algumas obrigações soberanas com dificuldade em cumprir as suas obrigações de pagamento, ou que incorreram diretamente em incumprimento, e os seus potenciais valores de recuperação”, admite Carlos de Sousa , estratega de mercados e gestor de carteiras da Vontobel AM.
Incumprimento ou default não é igual a zero
A primeira coisa que o especialista destaca é que um default raramente significa que os investidores não receberão nada de volta. Isso porque os incumprimentos são quase sempre acompanhados de um plano de reestruturação.
“Formalmente, o incumprimento ocorre quando o devedor não paga os juros ou o nominal a tempo na data de vencimento acordada no contrato. Isto não significa que o investidor não receberá nenhum valor. Em quase todas as ocasiões, os países reestruturam as suas dívidas trocando os títulos antigos por novos sujeitos a condições contratuais que devem ser aprovadas pela maioria qualificada dos obrigacionistas”, explica.
Os países aceitam a reestruturação da sua dívida porque permanecer em incumprimento significaria cair numa situação de isolamento financeiro, o que tem demonstrado afetar negativamente o crescimento económico e a prosperidade de um país.
“Os países muitas vezes reestruturam preventivamente, a fim de evitar um default e, assim, melhorar as hipóteses de recuperar o acesso ao mercado no curto prazo. Os novos contratos de subscrição geralmente contêm condições financeiras menos favoráveis para os credores e, normalmente, uma das seguintes, ou mesmo as três em conjunto: maior prazo de vencimento, menores cupões e menor nominal.
Historicamente, o valor médio do resgate tem sido de cerca de 53 centavos de dólar
Os valores de recuperação podem variar significativamente dependendo das perspetivas económicas de cada país e da disposição dos seus governos em negociar de boa-fé. Os detentores de títulos receberam de volta cerca de 80 centavos de dólar na reestruturação da dívida da Ucrânia em 2015. E também receberam um warrant vinculado ao PIB. Altos níveis de recuperação como este ou como os esperados para a dívida da Zâmbia e Suriname contrastam com os de países com fracas previsões económicas, como Argentina, Belize e Líbano.
“No caso do Sri Lanka, o valor de recuperação pode estar próximo da média histórica se a situação política for resolvida em breve e se o governo chegar a um acordo com o FMI relativamente rápido, como afirmou que pretende. Mas a recuperação poderá estar mais em linha com os preços atuais dos títulos (pouco mais de 40) se a situação política não for resolvida em breve e medidas económicas adequadas não forem implementadas”, destaca Sousa.
Em raras ocasiões, as recuperações são extremamente baixas
Embora o valor médio histórico de recuperação seja de 53 centavos de dólar, também há exemplos de níveis muito baixos de recuperação. Provavelmente o pior exemplo negativo é o de Cuba, que suspendeu o pagamento das suas dívidas em 1986. Não chegou a um acordo de reestruturação com os credores bilaterais membros do Clube de Paris até 2015. Fê-lo graças à política de aproximação da administração Obama.
“No entanto, Cuba não cumpriu esses novos compromissos e teve que reprogramar o cronograma de amortização novamente. Além disso, o país não estruturou as dívidas que tem com os credores privados do London Club, que apresentam algumas propostas desde 2015. Portanto, para os credores privados, a cobrança foi zero até agora”.
Segundo Carlos de Sousa, estas situações são muito raras. Os governos geralmente preferem resolver os seus problemas de pagamento de dívidas rapidamente para recuperar o acesso aos mercados de capitais internacionais. Dessa forma, evitam litígios onerosos e possível apreensão de bens. “A Venezuela é o único outro exemplo claro de um país que entrou em default há alguns anos. Fê-lo em 2017. E não se espera que reestruture a sua dívida no curto prazo porque as sanções financeiras dos EUA proíbem a troca de títulos.
No caso da Rússia, as sanções dos EUA podem forçar Moscovo a suspender os pagamentos da sua dívida soberana no curto prazo. Neste caso, as hipóteses de recuperação são muito baixas porque as sanções impostas impediriam o país de realizar planos de reestruturação. "Como no caso da Venezuela, os investidores podem ter que esperar até que os EUA relaxem as sanções e permitam a reestruturação, o que pode levar anos", conclui.