Que perguntas devemos fazer agora sobre o mercado de obrigações?

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Cafecredit, Flickr, Creative Commons

Há três meses o consenso do mercado de obrigações não via uma recessão no curto prazo, prevendo que as taxas de incumprimento se manteriam estáveis e, basicamente, que qualquer yield era aceitável. Numa questão de dias o consenso mudou. A recessão prevista para dentro de cinco anos adiantou-se ao presente e de repente o mercado refletiu no preço um rácio de defaults maior do que na crise de 2008. Pierre Verlá, responsável de dívida corporativa na Carmignac, recorda jornadas históricas como a de 19 de março, quando até com o desconto que marcavam os ecrãs da Bloomberg era impossível levar a cabo uma operação. A liquidez tinha-se evaporado em conjunto com as fortes saídas de dinheiro até que os bancos centrais atuaram.

O rápido apoio das entidades monetárias deu a volta aos mercados. “Num dia passámos de um mercado onde era difícil vender para um onde era difícil comprar”, conta Verlá. Imediatamente os fluxos voltaram a ser positivos e até foram lançados novos veículos para dar resposta ao importante apetite. Agora, dois meses mais tarde, o especialista aventura-se a afirmar que os mercados de crédito voltam a funcionar com normalidade.

Verlé tem experiência como investidor em dívida distressed, pelo que não é a sua primeira vez em mercados complexos. A cada negócio está a colocar três questões: 1. Quanto tempo deverão permanecer abertos e quanto dinheiro necessitam para sobreviver a este período? 2. Têm forma de se financiar para aceder a esse dinheiro? 3. Qual será o valor do negócio num cenário de uma economia deprimida durante um ano ou dois?

Por isso, a recomendação de Verlé é atuar com “suposições razoavelmente pessimistas”. Com um pé na cautela e outro no oportunismo. “Porque cada risco traz as suas oportunidades. O meu trabalho é mais fácil num contexto conduzido pelo medo do que pela avareza”, sentencia.

Em que ponto nos encontramos, então? Ainda que tenha havido uma importante recuperação, Verlé defende que ainda há spreads atrativos. As partes mais líquidas do mercado tiveram uma maior subida, mas o crédito apresenta um futuro mais nublado do que as ações. “Não é algo que poderia ter dito há dois meses”, reconhece o gestor.

“A taxa de incumprimentos no crédito não sobe com um mau dado de crescimento do PIB. Há uma correlação, mas não uma causalidade”, defende. É inegável que rácio de defaults subirá nos próximos meses, como em todas as crises, também é preciso reconhecer a velocidade e a força com que intervieram os bancos centrais. Nunca antes o mercado tinha visto tal injeção de ajuda monetária.

O que não quer dizer que tenha carta branca para comprar tudo por igual. “Os estímulos monetários podem ajudar um bom negócio a manter o seu financiamento em níveis aceitáveis, mas não pode fazer nada para ajudar uma empresa cujo modelo está a ser perturbado”, aclara Verlé. Mas o caminho não está todo desobstruído. Prevê-se que o exercício mais rápido de descidas de rating por parte das agências da história. Como alertaram desde há algum tempo várias gestoras, o nicho de emissões com rating BBB, o escalão mais baixo de investment grade, cresceu passando a representar quase metade da classe de ativos. E estão a ponto de cair para o segmento de high yield. Na opinião do gestor da Carmignac, as agências foram permissivas nos últimos anos e deram o benefício da dúvida às empresas. A mudança de maré sem dúvida impactará os dados técnicos de segmentos como high yield, por muito que entidades como a Reserva Federal intervenha com compras desses fallen angels.