Que política monetária esperar do BCE e da Fed a partir de agora?

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Créditos: Vlad Rudkov (Unsplash)

O preço do Brent em euros atingiu o seu nível mais alto em quase 35 anos, entre as expetativas crescentes de menor oferta e o enfraquecimento do euro. Embora as atuais sanções ainda não visem as exportações russas de energia, os Estados Unidos estão a estudar a possibilidade de estabelecer um embargo aos produtos energéticos russos a partir das suas importações. Os países europeus ainda não decidiram seguir Washington. A dependência das economias europeias em matéria de energia constitui um obstáculo.

“As circunstâncias indicam que os preços da energia continuarão a depender fortemente das tensões geopolíticas. Isto vai pesar na confiança dos consumidores, no crescimento das receitas das empresas e nas margens operacionais”, afirmou Mabrouk Chetouane, responsável de Estratégia de Mercados da Natixis Investment Managers Solutions. O problema agora é que a subida dos preços das matérias-primas está a fazer descarrilar o roteiro dos bancos centrais. Em particular, o do BCE.

Choque para o crescimento económico

“Não esperamos ver uma recessão, mas o risco de isso ocorrer na Europa está a aumentar devido à crescente pressão inflacionista numa altura em que o BCE planeia reduzir o seu quantitative easing”, afirma Vincent Mortier, diretor de Investimentos da Amundi. “Se os preços da energia continuarem tão altos, poderão causar um abrandamento significativo do crescimento, especialmente na Europa”, comentam na J.P.Morgan AM.

Neste sentido, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não ajuda. Stéphane Déo, responsável de Estratégias de Mercados da Ostrum AM, filial da Natixis Investment Managers, acredita que “a crise ucraniana é um grande choque para o crescimento”. Na sua opinião, dado o risco crescente que o conflito ucraniano representa para o crescimento, é urgente esperar.

A visibilidade é muito baixa. Dá exemplos concretos de empresas que já sofrem de problemas. “A BMW reduziu a produção de alguns modelos porque as peças do seu fornecedor ucraniano já não chegam. A EADS tem problemas de stock de titânio, e a Michelin não tem todas as matérias-primas necessárias...” Em conclusão, Déo sublinha que “a crise levará a um provável abrandamento do ajuste da política monetária, especialmente na Europa, o que levará a uma maior dissociação entre a Fed e o BCE”.

Divergências entre a Fed e o BCE

Embora a maioria das gestoras não duvide da tendência de endurecimento da política monetária, cada vez mais vozes sugerem que será adiada. “A Fed terá uma abordagem mais gradual à sua política monetária. A situação do BCE é diferente, porque a Europa será mais afetada pelo conflito. O que aconteceu nestes dias reforçou a nossa convicção de que não se aumentarão as taxas este ano e de que vai manter o QE”, prevê Keith Wade, economista-chefe da Schroders.

Thomas Hempell, responsável de Análise Macro da Generali Investments, acredita que o BCE quer evitar um erro de política monetária ao aumentar as taxas prematuramente. “Uma elevada incerteza geopolítica é suscetível de impedir que se comprometa a estabelecer um calendário para a conclusão do seu programa e para uma subida de taxas. A Fed continua no bom caminho para realizar a sua primeira subida de taxas desde 2018, na próxima semana, impulsionada por um forte relatório sobre o mercado de trabalho e pela inflação de fevereiro, provavelmente confirmada em quase 8%”.

O que o BCE vai fazer esta semana

A inflação continua a subir. E muitos especialistas acreditam que o pico ainda não foi atingido. Em fevereiro, o principal impulsionador foi o preço da energia, que aumentou 31,7% no mês. Isto representou cerca de 60% do aumento da taxa de inflação. Além disso, os preços dos produtos alimentares também continuaram a subir (+4%). Ambos os fatores combinados dão aos consumidores uma sensação de elevada inflação percebida. No entanto, os preços também subiram em toda a linha, com a inflação subjacente a atingir os 2,7%.

Num contexto de subida dos preços do petróleo e do gás, a recuperação inflacionista deverá continuar em março. E isto coloca o BCE num dilema. “Por um lado, os níveis atuais de inflação exigem uma saída mais rápida do programa de compra de obrigações. Por outro lado, os riscos económicos decorrentes da guerra na Ucrânia ainda não podem ser plenamente avaliados. Isto significa que, na reunião desta semana, o banco central indicará o elevado grau de dependência dos dados. Isto, sem se comprometer com muita antecedência”, explica Ulrike Kastens, economista para a Europa da DWS.

De acordo com Konstantin Veit, gestor de carteiras da PIMCO, a elevada incerteza em torno das perspetivas macro levará o BCE a concentrar-se na opcionalidade da política monetária. “Não esperamos que a autoridade monetária anuncie formalmente uma data de conclusão firme ou uma grande recalibração do seu Programa de Compra de Ativos na reunião deste mês, uma vez que o agravamento do pano de fundo geopolítico obscurece a visibilidade e leva a uma reavaliação das perspetivas de crescimento”.

Coincide com Gergely Majoros, membro do Comité de Investimento da Carmignac, que resume numa frase: “neste cenário, é provável que o BCE mantenha a máxima flexibilidade”.

Por enquanto, o cenário base é a estagflação

Por agora, os bancos estão relutantes em falar de uma recessão global. O termo mais repetido, por enquanto, é a estagflação. É algo que é alimentado pelas sanções que o Ocidente impõe à Rússia.

Para Norman Villamin, diretor de Investimentos de Wealth Management da UBP, estas têm o potencial de criar um choque maior de fornecimento de mercadorias do que em 1973. “Se estas sanções forem aplicadas, os políticos ocidentais terão de enfrentar uma dura escolha: seguir políticas monetárias semelhantes às dos anos 70 que levaram a profundas recessões ao longo da década ou adaptar-se à inflação para preservar o crescimento”.