Ralph Elder (BNY Mellon IM): "Há mais dispersão entre setores. É preciso escolher as nossas posições"

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Ralph Elder. Créditos: Vítor Duarte

Se aprendemos alguma coisa em 2022 é que traçar perspetivas num mundo impulsionado por fatores geopolíticos é praticamente impossível. No entanto, há áreas onde podemos encontrar alguma clareza. Ralph Elder, diretor geral para a Península Ibérica, América Latina e US Offshore, da BNY Mellon IM, acredita mesmo que um "dos temas centrais dos próximos meses será o movimento das políticas monetárias dos bancos centrais, nomeadamente a dinâmica da inflação e das taxas de juro".

Pico da inflação nos EUA

Nos EUA, na sua opinião, "é provável que já tenhamos atingido o pico da inflação e os dados mais recentes parecem encorajadores". Contudo, a Reserva Federal está focada em monitorizar outras medidas mais estruturais, em particular a inflação salarial, onde o especialista continua "ver sinais de subida". "Isto é normal num país onde continuamos a ter um mercado de trabalho forte, com cerca de 11 milhões de postos de trabalho disponíveis e cerca de seis milhões de desempregados", acredita Ralph Elder.

Para o especialista importa recordar que a elevada inflação nos EUA alimenta a inflação geral que, por sua vez, se alimenta de salários mais elevados. "Se virmos uma recessão nos EUA, o que parece provável, será uma recessão que leva a mais desemprego, o que, entre outras coisas, pode tirar a pressão sobre os salários. O mesmo poderá passar-se na maioria dos mercados desenvolvidos similares", apresenta o especialista.

Posto este cenário, Ralph Elder não tem dúvidas de que nos EUA haverá mais aumentos de taxas em 2023. "Vamos acompanhar de perto os dados salariais para nos ajudar a clarificar o momento do pico das taxas. Isto, por sua vez, significa que continuaremos a assistir a subidas de taxas em 2023", acredita.

Recessão na Europa?

Na Europa, a situação é diferente. A probabilidade de já estarmos numa recessão é grande, como acredita o responsável da BNY Mellon. A seu ver, "o BCE tem uma tarefa muito difícil, em que se depara com a inflação  que não controla proveniente do lado da oferta. O banco central tem de aumentar as taxas para baixar a inflação do lado da procura, mas não de uma forma que crie uma crise no mercado de obrigações soberanas periféricas, onde países como Itália têm dívida que representa mais de 150% do PIB".

Fora das mãos do BCE, lembra Ralph Elder, estão alguns dos fatores em torno da energia, como a guerra ou a temperatura que vamos ter neste inverno com a consequente descida das reservas acumuladas de gás natural. "É por isso que a mensagem do BCE relativa a futuras subidas de taxas está menos agressiva. O banco central vai seguir os dados para definir a sua estratégia", salienta.

Ações vs. obrigações

No campo das ações, as avaliações desceram ao longo do ano, embora ainda se mantenham elevadas em alguns sítios, como os EUA, numa base histórica. "Há mais dispersão entre setores. É preciso escolher as nossas posições. Algumas áreas, como a energia, a defesa, os artigos de consumo quotidiano e os cuidados de saúde estão num bom lugar em comparação com alguns setores mais cíclicos. O ponto-chave é o stock picking, basta olhar para os fundamentais", refere o especialista.

Relativamente às obrigações, para o profissional há que perceber a proximidade ou não das taxas máximas. "Os investidores estão a afastar-se da história da inflação e a aproximar-se da história da recessão e, por isso, o rendimento fixo é uma opção", considera.

Nos EUA, Ralph Elder considera que nos estamos a aproximar de uma subida de preço nas obrigações soberanas. "Geralmente, neste momento, alguma exposição à dívida pública na parte mais curta da curva de países onde podemos obter um retorno decente como a Austrália, a Nova Zelândia ou a Hungria pode ser interessante", aconselha. Porém, à medida que avançamos para a recessão, o especialista considera importante reforçar "posições  em  investment grade de qualidade e adicionar alguma duração", tudo isto "dependendo do horizonte de investimento e com um foco na gestão ativa".

Qualidade é palavra-chave

Uma coisa é certa: de um modo geral, este é um bom ambiente para a procura de alfa em detrimento de beta. Por isso, o responsável acredita que é importante investir em "estratégias que ajudem a proteger o capital, a diversificar e a descorrelacionar carteiras", pois são "úteis num ambiente com maior volatilidade estrutural". Em geral, refere, embora continuem a ver oportunidades em fundos de gestão passiva, acredita que "num ambiente complexo com vencedores e vencidos, deve ser acrescentada uma nota de prudência e discrição a estes produtos, especialmente nas ações".

Para já, a estratégia da entidade passa por procurarem qualidade através de ideias com foco value devido à curta duração que têm, mas não esquecendo da qualidade das ideias growth, que acredita que que farão sentido nos próximos meses.

Nas moedas, Ralph Elder lembra que o dólar parece ainda estar numa posição favorável, enquanto o euro e a libra enfraquecem. "Assim, preferimos também os Estados Unidos face à Europa e somos muito seletivos nos mercados emergentes", conta.

Acima de tudo, num ambiente volátil, com mais vencedores e vencidos, as características das empresas são cruciais. "Esta qualidade será vista através do poder de fixação de preços, marcas fortes e com pouca dívida nos seus balanços. Estas são as empresas com o destino nas suas próprias mãos, que poderão renegociar os seus contratos com distribuidores e passar os seus custos mais elevados para o cliente final", refere.

Produtos

Nos portefólios mais conservadores, da entidade favorecem uma elevada exposição ao rendimento fixo. "Há mais opções para encontrar retornos em 2023, depois de um ano de 2022 considerado por muitos como o pior da história", indica. "No entanto, a viagem para esse regresso pode ser mais volátil, uma vez que não podemos confiar nos bancos centrais que atuam como compradores de último recurso", diz Ralph Elder. "Neste contexto, consideramos coerente a ideia de descorrelacionar a exposição através de fundos de mercado neutros, no nosso caso através de estratégias de Absolute Return Equity.

Do lado direcional, e quando começam a adicionar crédito de qualidade, apoiam a versão europeia com a gama de crédito europeia Responsible Horizons ou para uma abordagem mais ampla, a estratégia de Global Credit.

Para as carteiras moderadas, o foco está nos fundos multiativos, e os fundos flexíveis ainda são relevantes. "O ambiente macroeconómico tem sido difícil este ano e pensamos que uma solução potencial pode ser a estratégia de Real Return, através de uma gestão dinâmica, podem rapidamente alterar as suas exposições para atender a um mercado em mudança e, assim, ajudar a suavizar o desempenho de uma carteira, bem como preservar o capital", considera.

Para as carteiras agressivas, estão cientes da oportunidade que representam os fundos de dividendos. "Se voltarmos a um ambiente mais tradicional, estamos confiantes de que estes produtos vão voltar a constituir uma parte fundamental das carteiras agressivas, diversificando a exposição às ações com uma significativa descorrelação com os índices tradicionais", refere Ralph Elder. Além disso, acrescenta "existe uma elevada correlação histórica de empresas que oferecem dividendos sustentáveis, elevando estes dividendos para fazer face aos mercados de inflação mais elevados, algo que será muito interessante para os anos seguintes. No nosso caso, podemos fazê-lo através da estratégia global ou de abordagens mais regionais".