Recessão leve é o cenário central, mas algum cisne negro poderá bater as asas

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Álvaro Antón Luna, João Pisco, João Paulo Silva e Francisco Louro. Créditos: Vítor Duarte.

Termina o ano, cristalizam-se as rentabilidades de 2022, e 2023 traz consigo uma nova folha em branco para quem gere carteiras. Foi um ano complexo, difícil de gerir e explicar aos clientes, especialmente aos mais conservadores, mas a verdade é que 2023 se avizinha com um conjunto de oportunidades mais diverso, com yields positivas - e bem - e mais dispersão nos segmentos mais arriscados do mercado. Com essa dispersão, vem a oportunidade para os gestores se diferenciarem e mostrarem o seu valor.

Contudo, apesar de recheado de oportunidades, o ano que se avizinha não será, provavelmente, menos complexo, e a visibilidade é pouca para quem tentar estabelecer um cenário de base para orientar as decisões de investimento. Face a esta falta de visibilidade, a FundsPeople, em parceria com a abrdn, reuniu quatro profissionais de investimento para discutir os riscos e oportunidades que o virar da página de 2022 nos traz. Uma discussão onde ficou bem claro o que estes quatro profissionais esperam dos principais blocos económicos à beira do Atlântico. 

Para Álvaro Antón Luna, responsável da abrdn para a Península Ibérica, temas centrais à análise que realizam na gestora escocesa resumem-se em três: inflação, incerteza e taxas de juro. “O maior e mais impactante é, sem dúvida, a incerteza, muito embora não seja um fator desligado dos outros dois. Incerteza geopolítica, preços da energia, a relação da China com Taiwan e com a Rússia e toda a geopolítica que afeta a Europa são temas a considerar nas decisões a tomar em 2023”, introduz.

A profundidade da recessão

Não obstante, a incerteza, para Francisco Louro, diretor de Gestão de Ativos e Patrimónios na BlueCrow Capital, se encararmos o próximo ano em termos estritamente estatísticos, tem tudo para ser um bom ano para os mercados financeiros. “O ano que se segue a um bear market é, tipicamente, um ano positivo”, diz. “Contudo, há muitas varáveis que não controlamos e muitos cisnes negros que hoje não vemos, que podem surgir. O risco mais evidente, é a possível recessão, menos claro, é a profundidade e duração da mesma”, diz. 

Contudo, nos diferentes cantos do mundo, Francisco Louro vê diferentes realidades. “Todos os grandes blocos económicos - Estados Unidos, Europa, Japão e China - seguem caminhos distintos atualmente”, aponta. “E com base na evolução da inflação que temos observado, os Estados Unidos, provavelmente, terminarão de subir taxas mais cedo do que a Europa, a um nível mais elevado”. Na mesma linha, João Paulo Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco, vê os Estados Unidos e a Europa em caminhos diferentes, mas ambos a caminho de uma recessão. “Acreditamos que as probabilidades estão a favor de que uma recessão aconteça, muito embora tudo aponte para uma contração leve e que em nada se vai comparar à que vimos em 2008 e 2009. Chegará mais cedo e será mais profunda, provavelmente, na Europa, por se encontrar mais próxima do teatro de guerra e ser mais afetada pela crise energética. E como a Europa não é uma entidade política única como os Estados Unidos, enfrenta algum perigo de fragmentação”, aponta.

Na Europa, o responsável ibérico da abrdn também vê uma situação mais complicada por via da proximidade da guerra e dos impactos nos preços da energia. Vê como uma possibilidade remota, alguma evolução no sentido da paz no leste europeu, mas essa paz teria um impacto significativo. “Uma aproximação de algum tipo de resolução pode ser muito impactante, na nossa opinião. Se algum passo fosse dado nesse sentido, as nossas estimativas apontam para um crescimento do PIB de 1,5% a 2,5% adicionais em 2023.”

Dados desfasados

Por outro lado, João Pisco, gestor de carteiras na Alvarium Tiedemann, aponta o “desfasamento significativo entre o apertar das condições financeiras e o impacto nos dados económicos e na economia real”. Para o profissional, o mercado de trabalho nos Estados Unidos, por exemplo, não reflete ainda o impacto das subidas de taxas agressivas que vimos ao longo do ano, o que contribui para a incerteza. “Se os Estados Unidos vão ou não entrar numa recessão mais profunda vai depender, principalmente, de duas variáveis. Por um lado, de quão rápido a inflação vai descer para próximo do target de 2%. Por outro lado, quão forte vai ser o dano económico causado pelas políticas monetárias restritivas”, aponta. 

Na sua opinião, poderemos enfrentar uma recessão ligeira. “Nada que se compare com a grande crise financeira”. No entanto, uma coisa que vê de forma distinta ao que reflete o mercado, é que não acredita que a Fed comece a descer taxas assim que o nível de inflação reverta para níveis mais controlados. “Os mercados estão bastante otimistas e acham que a Fed vai fazer um pivot e começar a cortar taxas no ano que vem. Nós achamos que a Fed vai fazer o que tem explicitamente dito que vai fazer e que os mercados não acreditam, que é manter as taxas de juro elevadas por muito tempo”, descreve. 

“No final do dia, a inflação tem que descer e as nossas previsões apontam para que assim fará”, exclama Álvaro Antón Luna. Nas previsões da entidade gestora, esta descerá para os 6,3% em média em 2023 e para os 4% em 2024. Já em termos da evolução do PIB, considera que o mais provável é que o mundo não escape a entrar em recessão. Tal como apontado pelos restantes participantes, será, provavelmente, uma recessão mais leve nos Estados Unidos e mais pesada na Europa e no Reino Unido. “Nos Estados Unidos continuamos a ver alguma robustez da atividade consumo das famílias e uma taxa de desemprego extremamente baixa. Dois empregos por cada pessoa. O mercado imobiliário, por outro lado, é uma razão para não estar tão positivo, mas o consumo alivia os riscos”.