Rentabilidade Versus Realidade: O mau uso que os investidores fazem dos fundos

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Os investidores utilizam frequentemente mal os fundos de investimento. Ou, pelo menos, não retiram todo o proveito que deles poderiam retirar. Trata-se de um fenómeno bastante comum e alargado. Não importa o país nem a categoria do produto sobre a qual é feita a análise. As rentabilidades da ficha de produto nem sempre coincidem com a realidade obtida pelos clientes: geralmente são inferiores. Existem fundos que geraram resultados positivos, no entanto, a maioria dos seus participantes estão com em terreno negativo.

A que se deve tal circunstância? A resposta é muito simples: os investidores destroem o valor ao fazerem marketing timing. “No geral, a rentabilidade dos investidores permanece abaixo do total, já que os investidores tendem a comprar depois do fundo ter subido, e a vender depois de este ter perdido valor”, explica Matias Mottola, analista da Morningstar.

A empresa de análise expressou tais factos no seu relatório Mind the Gap 2017, onde calculou a rentabilidade que é obtida pelo investidor num fundo e o impacto que o seu comportamento provocou nos resultados desse mesmo investimento. O estudo, que usa como amostra fundos domiciliados no Luxemburgo, Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá, Hong Kong, Singapura, Coreia e Tailândia, utiliza uma metodologia de rentabilidade dos investidores desenvolvida pela Morningstar, para calcular a rentabilidade estimada em dólares do fundo que incorpora as entradas e as saídas de dinheiro das compras e vendas de participações, assim como o aumento de património do fundo. O gap faz referencia à diferença entre as rentabilidades ponderadas em função dos fluxos e da duração do tempo, o que reflete o quanto os investidores são oportunistícos com o seu capital.

Fazendo a média estimada por ativos dos fundos domiciiados no Luxemburgo, observa-se que a queda abrupta da rentabilidade nos últimos dez anos foi de 74 pontos básicos. Nos Estados Unidos, o gap é de 37 pontos básicos. A boa notícia é que, em ambos os casos, essa brecha está a diminuir. No entanto, as aparências escondem uma importante dispersão. Em determinadas categorias, o gap é muito superior. Analisando o sucedido com os fundos domiciliados no Luxemburgo, observa-se claramente que nas categorias de ações e gestão alternativa, a falha entre a rentabilidade total gerada pelos gestores e a obtida finalmente pelos investidores é maior, concretamente de 153 e 112 pontos báse, respetivamente. Nos fundos de obrigações, pelo contrário, a diferença é muito menor (apenas 27 pontos báse).

Análise de um caso concreto 

A explicação deste fenómeno é que o investidor tende a manter mais tempo em carteira aqueles fundos que assumem uma menor volatilidade, do que aqueles que comportam maior risco. Ou, dito de outro modo: quando se produzem fortes oscilações nos preços é mais fácil que o investidor se assuste e venda. Analisando um caso concreto pode-se entender muito melhor este fenómeno. Para isso selecionámos dois fundos de ações pan-europeias de uma mesma gestora: Invesco. Trata-se doInvesco Pan European Equity e do Invesco Pan European Structured. Ambos são productos direcionais, que centram o seu universo de investimentos na Europa, com uma clara inclinação para empresas de grande capitalização e que procuram oportunidades ao nível da valorização. A principal diferença entre eles eles está no facto de que o Structured, além de se fixar nas avaliações, presta muito atenção à volatilidade das ações que seleciona, com o objetivo de mitigar o risco da carteira. 

Segundo cálculos da Morningstar, nos últimos cinco anos ambos têm oferecido um retorno anual muito similar (13%), mas o Invesco pan European Equity tem-no feito assumindo uma volatilidade anual de 14,7%, enquanto a do Invesco Pan European Structured tem sido quase quatro pontos inferior (11%). Isto tem tido efeitos sobre o retorno total obtido pelos participantes. No fundo de John Surplice e Martin Walker, a rentabilidade gerada na realidade pelos investidores tem sido de 3,8%. A diferença entre o que gerou o fundo neste período e o que ganhou o investidor é enorme: quase nove pontos. Pelo contrário, no fundo de Michael Fraikin e Thorsten Paarman a rentabilidade real tem sido de 9,1%, pelo que o diferencial se reduz a quatro pontos. Ou seja: se o investidor do Invesco Pan European Equity não tivesse mudado de fundo, a sua rentabilidade teria sido semelhante à que teria obtido com o Structured. 

É um caso extremo que demonstra que, ainda que na prática ambos os fundos tenham chegado com as suas respetivas filosofias ao mesmo ponto em termo de rentabilidade, o facto de assumir maiores volatilidades faz com que os investidores entrem e saiam dos produtos em momentos pouco recomendáveis, o que no final prejudica a rentabilidade que obtêm. Tendem a vender quando o fundo caiu e a comprar quando subiu. “Unir-se aos demais na subida é tranquilizador: não se sente sozinho e participa no impulso que gera a corrente. Vender em mínimos, quando o medo é maior, desgraçadamente também é muito fácil. Ajudar as pessoas a pensar em objetivos a longo prazo, a filtrar a volatilidade a curto prazo, a cacofonia de emoções e a avalanche de informação e opiniões é muito importante”, explicam da a Capital Group

Melhores resultados com programas de investimento sistemáticos e com fundos de baixo custo

Outra das conclusões do estudo foi que os investidores obtêm melhores resultados ao utilizar programas de investimento sistemáticos e também ao seleccionar fundos de menor custo. “As contribuições regulares para planos de poupança sistemática regulares e o equilibrio automático são a chave para gerar rentabilidades positivas para os investidores em países como Austrália, Coreia do Sul e Estados Unidos”, assinala Russel Kinnel, director de Análise na Morningstar. Como os planos de poupança oferecem cada vez mais uma opção de investimento automático, os investidores também estão a obter mais acesso aos fundos de menor custo. As nossas análises demonstram que, quando classificados por custos, os fundos mais baratos produzem menores rentabilidades para os investidores em geral, uma tendência emergente no Luxemburgo e nos Estados Unidos”, assinala o especialista.

Quando se fala de produtos de baixo custo, a Morningstar refere principalmente os fundos indexados. O gap entre as rentabilidades que oferecem estes productos e as obtidas pelos participantes, é muito mais apertado. A empresa de análises culpa o facto de estes productos terem registado nos últimos cinco anos uma menor volatilidade e também o uso estratégico que o investidor faz dos mesmos nas suas carteiras. Mas poderiam existir mais razões, algunas de caráter psicológico: “Para um investidor, perder 10% com um fundo de gestão ativa, quando o mercado subiu 10%, é insuportável. Se, por outro lado, perder 10% e os meios de comunicação afirmarem que o mercado caiu 10%, vai sentir-se melhor. Com os fundos passivos o sofrimento é menor, já que se perde e se ganha, de certa forma, com a noção de que se está a ser acompanhado por mais gente”, explica François Badelon, gestor e fundador da Amiral Gestión. Acaba por ser uma espécie de efeito calmante, em que o investidor representa seguir "a manada".