Reserva Federal inicia normalização monetária: primeiras reações das gestoras internacionais

Jerome Powell. Créditos: Cedida

Iniciou-se nos Estados Unidos um novo ciclo de normalização monetária. Cingindo-se ao guião, a Reserva Federal aumentou as taxas de juro em 25 pontos base. A primeira subida desde 2018. E podemos estar a enfrentar a primeira de muitas. Porque, de acordo com o último dot plot apresentado na reunião de março, a previsão do Comité da Fed é de que haverá até sete aumentos, só em 2022. Ou seja, uma subida de 25 pontos base em cada uma das reuniões deste ano.

O tom da Fed já é, sem dúvida, hawkish. Embora o banco central insista que continuará a depender dos dados macro, neste momento o cenário base é de sete subidas de taxas em 2022 e mais quatro em 2023. “Isto vai além das expetativas do mercado”, comenta Christian Scherrmann, economista da DWS. As projeções das taxas de juro refletem uma grande confiança na força subjacente à economia: as projeções de crescimento e inflação para 2023 e 2024 convergem para os seus níveis de equilíbrio sem que o mercado de trabalho seja gravemente afetado.

Nesta reunião, o ponto-chave está naquilo que nos transmite o dot plot, os votos dos membros do FOMC. Um ponto-chave que Axel Botte, estratega global da Ostrum AM (filial da Natixis IM), salienta é que mostra a probabilidade de que a parte superior da faixa das taxas dos fundos federais atinja 2% até ao final do ano. E o que significa? Bem, vai requerer um aumento de 50 pontos base em algum momento.

Outra declaração importante é que a Fed fez progressos substanciais nas características da redução do balanço. A decisão será anunciada numa das próximas reuniões. E Paolo Zanghieri, economista sénior da Generali Investments, acredita que pode ser logo na próxima (4 de maio). “O processo, segundo Powell, será como o implementado em 2017, e significará que este ano haverá um ajuste adicional equivalente a cerca de um aumento da taxa dos fundos da Fed”, explica o especialista.  Isto é consistente com a sua expetativa de um início em junho, com uma disposição de ativos de cerca de 80 a 100 mil milhões de dólares por mês. Estamos a falar do dobro do ritmo observado no passado no endurecimento quantitativo. As atas da reunião, agendadas para daqui a duas semanas, revelarão mais informações.

O Volckerismo regressa

O sentimento entre as gestoras divide-se. Há quem compreenda a necessidade de a Fed seguir o caminho da normalização, enquanto outros debatem o perigo da estagflação.

A Fed ressuscitou o Volckerismo, comenta Salman Ahmed, responsável global de Alocação de Ativos Macro e Estratégicos na Fidelity International. Na sua opinião, o foco da Reserva Federal será o combate à inflação, apesar da incerteza criada por esta guerra, que cria mais ventos favoráveis para os mercados. Do ponto de vista da alocação de ativos, implica que se mantenham cautelosos tanto em ações como no crédito.

Apesar de se terem ajustado em baixa, especialistas como Rafael Olszyna-Marzys, economista do Bank J. Safra Sarasin, receiam que as previsões da Fed para a economia dos EUA sejam talvez demasiado otimistas. “A sua previsão para este ano foi consideravelmente revista em baixa, mas Powell mencionou que se tratava mais das consequências da guerra do que de uma política mais ajustada) e sem prejudicar o mercado de trabalho (a taxa de desemprego manteve-se praticamente inalterada durante o seu horizonte de previsão).  Muitas coisas terão de correr bem para que este cenário se concretize”, diz o especialista.

Não é uma escolha fácil

Outras casas, como a Invesco, por outro lado, veem um passo razoável para se aproximar do que estão a ver nos dados e preparar o terreno para novas revisões, se necessário, até 2023. A equipa de Estratégia Macro Global destaca vários pontos do discurso de Powell. Principalmente, a força do mercado de trabalho. A Fed destacou que o mercado de trabalho está extremamente apertado, com os salários a subir ao ritmo mais elevado em muitos anos. Nesta linha, o Comité acredita que uma recessão em 2022 é improvável. Assim, a Fed reforçou a ideia de que a redução do balanço pode ser pensada em termos de aumentos das taxas de juro, priorizando a análise dos preços em detrimento da quantidade. E, da Invesco, sublinham uma mensagem: a redução do balanço será mais rápida do que da última vez, mais cedo no ciclo do que da última vez e parecerá familiar.

“Os políticos devem realizar um perigoso ato de equilíbrio”, analisam Jason England e Daniel Siluk, gestores da Janus Henderson. É algo que preocupa vários gestores: o que acontece se os bancos centrais cometerem um erro? “Se a Fed apertar demais, a economia dos EUA pode entrar em recessão. Se ficar para trás da curva e as expectativas de inflação aumentarem, as valorizações das obrigações podem ficar sob pressão, à medida que se impõem maiores descontos para compensar o declínio no valor dos fluxos de caixa futuros.

Na verdade, James McCann, vice-economista-chefe da abrdn, diria já que a Fed está atrás da curva. "A reunião de ontem mostrou um banco central que está a correr para recuperar o atraso", diz ele. Por esse motivo, McCann teme que taxas mais altas sejam mais prejudiciais ao crescimento e ao mercado de trabalho do que o FOMC calcula. “Especialmente porque a política passa de favorável a rigorosa em 2023”, explica.

As gestoras avaliam o risco de recessão

Por isso, as gestoras começam a avaliar a possibilidade de que a economia americana entre em recessão. “A nossa previsão base continua a ser de que haverá subidas de taxas consecutivas nas reuniões da Fed e um significativo endurecimento adicional da política ao longo do ano. Este ritmo mais rápido de endurecimento aumenta o risco de uma aterragem brusca mais adiante e sugere um maior risco de recessão nos próximos dois anos”, defende Allison Bozer, economista dos EUA na PIMCO.

Nesse sentido também comenta Sandrine Perret, economista da Vontobel. “Partilhamos da opinião de Powell de um baixo risco de recessão este ano nos EUA, mas os riscos de uma recessão nos EUA em 2023 aumentarão com tanto ajuste previsto”, afirma. Porque a especialista insiste: o risco de que a Fed ajuste demasiado as suas políticas este ano não é depreciável, embora as dúvidas possam começar a aparecer na segunda parte do ano.

A inflação marca a senda da política monetária

Apesar das tensões geopolíticas, a luta contra a inflação continua a ser prioridade dos bancos centrais. Vimo-lo no encontro com o BCE na semana passada e repete-se esta semana com a Fed. “Powell é muito consciente do risco de uma espiral de preços e salários. Quanto mais tempo permaneça elevada a inflação, maior será o risco de que se entranhe através das expetativas e da dinâmica de formação de salários. E os desenvolvimentos recentes na inflação e os indicadores de mercado laboral já apontam para alguns efeitos emergentes da segunda ronda”, comenta Silvia Dall Angelo, economista da Federated Hermes.

E Nicolas Forest, responsável global de obrigações da Candriam, coincide: a inflação é agora o principal inimigo da Fed. Depois de ter aceitado um deslize acima do seu objetivo, Powell quer retomar a normalização monetária, abrandando suavemente a economia norte-americana. “No entanto, este tipo de política de normalização nem sempre termina bem”, sentencia Forest. “A Fed começou o seu ciclo de ajuste mais tarde do que o habitual, num momento em que a inflação nunca foi tão alta e as condições financeiras também se poderiam endurecer”, diz o especialista. Isto faz com que o objetivo de 2,80% seja ambicioso, na sua opinião. É algo que preocupa Gregor Hirt, diretor de Investimentos de Multiativos global, e Martin Hochstein, economista senior da Allianz Global Investors. “A Fed está a procurar uma aterragem suave, mas ao olhar para trás na história, as probabilidades de tal resultado parecem escassas. Quatro dos últimos ciclos de subidas de taxas nos EUA seguiram-se, por fim, de uma recessão”.