Romain Boscher (Fidelity International): “Em contexto de final de ciclo é fulcral ter um ‘quality bias’ a nível global”

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Apesar do momento negativo atravessado pelos principais mercados (e classes de ativos) durante o ano de 2018, o novo ano parece revelar uma faceta mais “amigável” para os investidores, ainda que a volatilidade e os riscos se mantenham como uma constante ao longo do ano. No que toca ao segmento das ações, é esta a visão da Fidelity International, visão essa apresentada por Romain Boscher, global CIO of Equities, no evento anual da entidade. “Não prometemos um cenário de céu azul, mas estamos convencidos que podemos esperar retornos satisfatórios em 2019”, resume o especialista.

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Romain Boscher aponta, ainda, que nos últimos tempos, os mercados têm enfrentado três principais “contratempos”: o endurecimento da política monetária, “ainda que este endurecimento pareça estar a chegar ao fim”; o aumento do preço do petróleo, “que, a julgar pelos últimos desenvolvimentos, parece já não ser um problema”; e, por último, “uma desaceleração da China”. Não obstante, na entidade preferem “olhar para o copo como meio cheio”, não observando "sinais nem indícios de que uma recessão seja eminente, uma vez que os lucros das empresas esperam-se positivos". Por outro lado, consideram que uma ameaça inflacionária, embora real, “é uma ameaça possível de gerir”.

Outro dos elementos que suportam esta visão construtiva está relacionado com o contexto da política monetária das várias regiões. “Tirando o caso do Japão, no mundo desenvolvido, tanto a Zona Euro como os Estados Unidos estão em terreno de flexibilização da sua política monetária. Portanto, se não existe o risco de taxas de juro mais altas ou um endurecimento da política fiscal, como é que podemos ver uma recessão em 2019?”, aponta o especialista.

Investidores em modo “risk-off” pode significar oportunidades

Ainda que o contexto pareça relativamente estável e favorável, a verdade é que 2018 foi um ano muito difícil para os mercados acionistas e os investidores acabaram o ano em modo ‘risk-off’. “Isto é algo impressionante, tendo em conta que 90% dos ativos estavam em terreno negativo. Não houve refúgio possível. Aliás, quando olhamos para os 10% com retornos moderadamente positivos vemos que são ações russas ou brasileiras, ou seja, não são os ativos de segurança tradicionais”, elabora o especialista.

A situação parece, portanto, ser bastante desafiante, com a direção dos mercados em 2019 a ser dirigida pelos lucros das empresas, embora o sentimento do investidor possa ter um impacto significativo, como se verificou no quarto trimestre de 2018. Não obstante, este ponto de partida é “muito mais encorajador”, uma vez que “alguns dos ativos deixaram de estar sobrevalorizados, como é o caso das ações americanas, pelo que nos encontramos num contexto em que, na nossa perspetiva, muitos destes ativos de risco estão subvalorizados ou em terreno neutral”, explica Romain Boscher. 

‘Quality bias’ é fundamental nesta fase

Olhando para trás, a performance substancialmente superior das ações americanas, na opinião do especialista, não é o resultado de uma Europa, Mercados Emergentes, Japão ou Ásia mais fracos, mas sim de outros factores. “Donald Trump ‘tornou as ações americanas grandes outra vez’, e isto é algo que se reflete no crescimento extremamente dinâmico dos lucros por ação, crescimento esse resultante de dois factores: a redução da taxa fiscal dos lucros das empresas e a desregulação, que associada a um preço superior do petróleo contribuiu bastante para este crescimento”, detalha Romain Boscher. Para 2019, e apesar do mercado refletir no preço uma severa desaceleração, e até mesmo uma recessão em alguns casos, o especialista acredita que o contexto suporta a visão de um crescimento dos lucros positiva para 2019.

“Portanto, é inegável que existe uma rotação em progresso, pelo que em contexto de final de ciclo é fulcral apostar em ações quality nos EUA com balanços robustos porque os spreads de crédito estão a alargar cada vez mais”, começa por explicar Romain Boscher. Este ‘quality bias’ deve ser, segundo o especialista, comum a todos os mercados acionistas (norte-americano, japonês, dos mercados emergentes e europeu). “Estamos convencidos que o ciclo ainda não terminou nos Estados Unidos, pelo que a única diferença entre o mercado norte-americano e o resto do mundo é que temos um ‘value bias’ para esta região”, aponta o especialista. Já para os mercados europeu e japonês, mantêm um ‘growth bias’.

A razão para esta diferença de estilo está relacionada com o sector financeiro. “Quando se assume uma ‘value call’ é necessário que se esteja razoavelmente confiante no sector financeiro, e para os bancos em particular. Olhando para a Europa, estamos a falar de uma situação que parece cada vez mais a situação do Japão, mas em versão 2012, ou seja, as taxas de juro manter-se-ão perto de zero durante um longo período de tempo. Neste contexto, os bancos estão a registar um desempenho abaixo do esperado há vários anos, pelo que é impossível considerarmos uma ‘value call’ no mercado europeu e japonês”, detalha.

Mercados emergentes: região mais atrativa, mas também a mais arriscada

Os mercados emergentes são o mercado onde, na perspetiva do especialista, é possível ter uma exposição superior à dinâmica do comércio mundial. Nestes mercados é necessário, no entanto, ter noção “que a correlação entre as divisas e o preço dos ativos é positiva, ou seja, quando o preço do ativo sobe, a moeda sobe também”, começa por referir, acrescentando que “é provável que esta dinâmica se verifique daqui para a frente”.

A política monetária norte-americana, por outro lado, tem tido um impacto notório nos mercados emergentes, tanto na fase de ‘tapering’ como na fase de ‘tightening’. “Estes dois momentos ficaram, finalmente, para trás, e é por isso que estamos a considerar reforçar de forma significativa a nossa exposição aos mercados emergentes, ainda que estejamos à espera de um sinal claro da China relativamente à sua capacidade para estimular a economia e para recuperar uma dinâmica de crédito mais forte”, explica a aposta.

Impacto da regulação no research

Romain Boscher aproveitou, ainda, para destacar um dos desafios que a regulação tem vindo a criar ao nível do research, cujo dinheiro gasto tem vindo a cair sistematicamente nos últimos anos, em particular desde janeiro do ano passado, bem como a qualidade e quantidade do research produzido pelos bancos de investimento tem vindo a cair significativamente. “Tem sido um declínio em estilo de ‘queda livre’. Tendo isto em conta, "atualmente é fundamental contar com o research proprietário para tomar boas decisões de investimento”, avança.