Embora se espere pelo menos mais um corte de taxas para este ano por parte do BCE, isso não implica deixar de falar de política restritiva.
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Na semana passada, o Banco Central Europeu realizou a sua primeira descida de taxas desde setembro de 2019. Fê-lo reduzindo as taxas de juro em 25 pontos base para situar a taxa de depósito em 3,75%. À espera de saber o que a Fed fará - o mercado espera que não siga a trajetória do BCE -, cabe perguntar se este é o início de uma nova reviravolta na política monetária, de hawkish para dovish.
“Esta descida de taxas não se enquadra num ciclo de flexibilização monetária (hawkish cut), em linha com o nosso cenário”, explica Maryse Pogodzinski, economista na Groupama AM. Ou seja, poderá haver mais cortes de taxas? Sim. “O mercado espera outro corte de 25 pontos base no segundo semestre, e o consenso de analistas duvida de que haja um terceiro corte no final desde ano”, afirma Víctor Gordon, responsável de Obrigações da CBNK Gestión de Activos.
Trata-se de uma reviravolta na política monetária? Não. “O ritmo de descidas futuras vai ser muito mais lento do que o mercado descontava no início do ano, com um próximo corte em outubro, deixando a maior parte das descidas para o próximo ano e com o mercado a descontar uma taxa de 2,5% como taxa neutra”, afirma Ricardo Gil, CIO da Trea AM.
Dependentes dos dados
A primeira reflexão que justifica esta visão é que o BCE voltou a dizer alto e em bom som que a sua política continuará a ser data dependent, com especial destaque para os dados de inflação, que se vão conhecendo na zona euro, como para os dados de crescimento económico. “Os últimos dados de inflação demonstraram mais persistência dos serviços do que o que se pensava. O BCE vai, seguramente, querer reunir mais provas antes de voltar a realizar cortes, e, por isso, faltará a todas as reuniões em que não haja previsões, inclusive a de outubro”, explica Sandra Rhouma, european economist - Fixed Income na AllianceBernstein. Na AXA IM também salientam que “o BCE relembrou de imediato que a pressão interna sobre os preços continua forte. Reiterou que as taxas de juro oficiais manter-se-ão restritivas durante o tempo necessário para alcançar a tempo o seu objetivo a médio prazo de 2%”.
E os dados de inflação, embora pareçam controlados, estão longe de alcançar esses níveis de 2%, sem mencionar a inflação salarial. “Os dados recentes superaram as expetativas do BCE e dos mercados relativamente às pressões inflacionistas na economia. Quanto aos dados publicados recentemente, o aumento dos salários negociados aumentou para 4,7% no primeiro trimestre de 2024 face aos 4,5% do quarto trimestre de 2023, face às expetativas de descida”, explica Tomasz Wieladek, economista-chefe na T. Rowe Price, o que o leva a afirmar que, “após um prolongado período de desinflação, as pressões inflacionistas estão a voltar a aumentar”.
O próprio BCE elevou as suas expetativas em relação à inflação. Situou-as em 2,5% para este ano, mais 20 pontos base, bem como as de crescimento económico, de 0,6% para 0,9%. É por isso que, segundo explica Ignacio Doltz, diretor de Soluções de Investimento e Produto da Mutuactivos, “não se estão a comprometer com nenhuma trajetória pré-estabelecida, dado que as pressões sobre os preços continuam elevadas e que a inflação vai, provavelmente, continuar acima do seu objetivo até a meio do próximo ano”.
Nem todos estiveram de acordo
Além disso, a ideia de que o corte da semana passada é apenas mais um numa política ainda hawkish, apoia também o facto de não ter havido unanimidade nas votações. Axel Botte, responsável de Estratégia de Mercados da Ostrum AM (Natixis AM), recorda: “Não foi uma decisão unânime, visto que o austríaco Robert Holzmann discordou à luz do recente aumento da inflação. Afirmou que as decisões devem ser baseadas nos dados. Isto implica que o compromisso prévio a um corte pode ser motivado, em grande medida, por razões políticas”.