O transporte marítimo internacional é responsável por 70% das emissões marítimas globais. Se fosse um país, seria o sexto com mais emissões. Segundo Samuel Thomas, analista de investimento Sustentável na Schroders, o setor necessita de uma descarbonização drástica.
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O transporte marítimo é o mais eficiente em termos de emissões (de CO₂ por tonelada e quilómetro). No entanto, o transporte marítimo global continua a ser responsável pela emissão de 1.000 milhões de toneladas de CO₂ por ano, o equivalente a aproximadamente 3% das emissões anuais de gases com efeito de estufa. “O transporte marítimo internacional é responsável pela movimentação de 80 a 90% do comércio internacional e também responsável por 70% das emissões marítimas globais. Se fosse um país, serio o sexto com mais emissões”, explica Samuel Thomas. Segundo o analista de Investimento Sustentável da Schroders, para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C, o setor necessita de uma descarbonização drástica.
Soluções a curto prazo: eficiência energética
Na sua opinião, o setor pode utilizar várias vias para a descarbonização. Neste sentido, considera que há várias soluções de eficiência energética a curto prazo que os proprietários e operadores das embarcações podem e devem aplicar. Estas soluções foram divididas entre soluções operacionais e soluções de conceção.


Soluções a médio prazo: biocombustíveis avançados
De acordo com Samuel Thomas, os biocombustíveis avançados são uma solução de descarbonização a médio prazo para o setor. “Apenas podem ser considerados uma solução a médio prazo devido à questão da disponibilidade de matérias-primas, uma vez que competem com a crescente procura de alimentos e criam problemas para a biodiversidade”, afirma. A grande maioria dos biocombustíveis são de primeira geração, pelo que o objetivo específico das colheitas é a sua produção. “Para minimizar o impacto sobre a oferta de alimentos, pode-se recorrer a biocombustíveis gerados a partir de resíduos, mas isto apresenta problemas de escalabilidade para ser uma opção viável a longo prazo”.
O analista de Investimento Sustentável da Schroders recorda que é possível utilizar biocombustíveis no setor, sem necessidade de modificar os motores, entre 20 e 30% das misturas de combustíveis. “Apesar de não ser uma solução a longo prazo, os biocombustíveis irão contribuir para a descarbonização do setor. Para alcançar o cenário de 1,5 graus apresentado pela IRENA, a procura de biocombustíveis avançados teria de crescer 9% ao ano para atingir 10% do total da mistura de combustíveis para 2050 (partindo de menos de 1% em 2020).

Hidrogénio verde
Samuel Thomas não considera provável que o uso direto de hidrogénio como combustível possa ser uma solução a longo prazo para a descarbonização do setor do transporte marítimo internacional, uma vez que é mais adequado para trajetos de navegação curtos (como os dos ferrys ou os das embarcações de passageiros) devido à sua baixa densidade energética. “O equivalente em quilowatt/hora por litro de combustível de hidrogénio é 70-80% inferior ao do diesel e 50% inferior ao do gás natural liquefeito”.
Além disso, o especialista destaca que se trata de um elemento difícil de armazenar e transportar porque tem de ser mantido em condições criogénicas (-250 °C). No entanto, sublinha que a utilização indireta de hidrogénio verde para a produção de amoníaco verde e e-metanol será fundamental para descarbonizar o setor.
Soluções a longo prazo: e-metanol
O e-metanol é considerado uma solução de combustível renovável a longo prazo para o setor e é produzido combinando CO₂ biogénico procedente de instalações de captura e armazenamento de carbono (CCS) e H₂ verde. Para Samuel Thomas, a vantagem do e-metanol em relação aos atuais combustíveis é que a sua combustão polui menos: não emite dióxido de enxofre, emite menos óxido de azoto e não gera carbono negro. É considerado um produto verde, uma vez que o carbono emitido durante a sua combustão é compensado com o capturado durante a sua síntese.
“Desde que o hidrogénio e o dióxido de carbono provenham de fontes limpas, este combustível é classificado como renovável. Além disso, trata-se de um combustível líquido, pelo que não é preciso mudar nada nas infraestruturas de transporte e armazenamento. Por último, a necessidade de realizar modificações nos motores não é tão grande como com outros combustíveis renováveis”, explica.
A principal desvantagem é, no entanto, a disponibilidade de fontes de carbono renováveis e baratas. “Embora as soluções de CCS possam ser tecnicamente viáveis, a viabilidade económica continua a ser o principal obstáculo (especialmente quando comparada com outras fontes de combustíveis)”. Apesar disso, espera-se que o e-metanol seja um dos principais combustíveis renováveis para o transporte marítimo.
As perspetivas são de que a produção de metanol renovável aumente exponencialmente de menos de 0,2 Mt anuais atualmente para 250 Mt em 2050. As previsões do mercado apontam atualmente para que a produção atinja os 3.140 milhões de dólares em 2030 (a partir do número de 150 milhões que temos atualmente).
Amoníaco verde
A longo prazo, o amoníaco verde também está a ser apresentado como outra solução. É produzido através da combinação de hidrogénio verde e azoto (a partir da separação das componentes do ar) e é outro dos principais combustíveis renováveis que permitirá a descarbonização do setor do transporte marítimo. Segundo Lucas Thomas, como combustível renovável, o amoníaco verde tem várias vantagens como, por exemplo, uma logística consolidada de produção e transporte; combustão que não gera carbono, elevada densidade energética e a não necessidade de CO₂ dispendioso para o sintetizar (ao contrário do e-metanol).
“No entanto, também tem as desvantagens de ser tóxico (difícil de armazenar/corrosivo), difícil de queimar e também é necessário para outros usos industriais”, recorda. No entanto, prevê-se que a procura global de amoníaco aumente de 183 Mt em 2020 para 688 Mt em 2050, das quais 566 Mt (mais de 80%) deverão provir de origem renovável. Atualmente, a capacidade conjunta das instalações de produção de amoníaco renovável cuja construção foi anunciada atingirá os 15 Mt em 2030.
Outras áreas a ter em conta: estações de tratamento de águas residuais…
Além disso, o setor conta com outras áreas de atuação que podem ajudar na descarbonização do transporte marítimo. Samuel Thomas cita as estações de tratamento de águas residuais, concebidas para capturar o óxido de enxofre, o óxido de azoto e as partículas, mas não as emissões de gases com efeitos de estufa. “De facto, tem sido por vezes referido que as estações de tratamento de águas residuais aumentam as emissões de CO₂ devido à energia necessária para funcionarem. Há alguns fabricantes destas estações que estão a desenvolver dispositivos capazes de capturar o CO₂, embora esta tecnologia ainda esteja numa fase embrionária. A OMI afirmou que irá permitir o uso de tecnologias de captura e armazenamento de carbono a bordo para atingir os objetivos de 2030, mas ainda não elaborou diretrizes para isso”.
… e propulsão eólica
Em condições ideais, Samuel Thomas considera que a propulsão eólica pode fornecer entre 5 a 20% da energia que uma embarcação necessita. “Foram realizadas algumas instalações em embarcações grandes, mas a adoção tem sido extremamente lenta. Isto deve-se provavelmente a dois fatores: a maioria das tecnologias eólicas (e a solar) tiram espaço de cobertura e, por isso, são caras. Além disso, a maioria das operações de logística no porto iriam exigir que as pás fossem retrateis. Não pensamos que as tecnologias de propulsão eólica venham a desempenhar um papel importante na descarbonização do setor”, conclui.