Sophie del Campo (Natixis IM): “A indústria ibérica transformou-se e é necessário adaptar-nos”

Sophie del Campo. (Natixis IM)
Sophie del Campo. Créditos: Cedida (Natixis IM)

O conhecimento que tem Sophie del Campo da indústria ibérica de gestão de ativos é muito profundo. Os seus 20 anos de experiência permitiram-lhe testemunhar a transformação do setor durante todo esse tempo. Hoje, a indústria de fundos é muito diferente do seu início. E vive em permanente evolução. “O fenómeno mais recente é a concentração em número de grandes entidades, assim como de entidades de consultoria para investimento e family offices, o que faz com que o número de clientes para as gestoras internacionais seja cada vez mais reduzido”, afirma a responsável da Natixis IM para a Península Ibérica e Estados Unidos Offshore numa entrevista com a FundsPeople a propósito do décimo aniversário da abertura do primeiro escritório ibérico.

Isto não quer dizer que o potencial de crescimento da indústria ibérica se tenha esgotado. Pelo contrário. Sophie Del Campo mantém perspetivas de crescimento para o setor muito elevadas. Mas é verdade que o setor evoluiu e é preciso adaptar-nos às mudanças. É uma transformação que se nota até no processo de seleção de fundos que o cliente aplica. “Os grandes investidores tornaram-se muito mais sistemáticos e quantitativos no momento de selecionar os produtos. Há 20 anos começava-se por falar do fundo, dar a conhecer o gestor, a sua estratégia… Agora os clientes com escala incorporam filtros de tamanho e track record que faz com que esse primeiro trabalho comercial que realizavamos tenha desaparecido”, reconhece.

Portanto, agora, para uma gestora internacional o importante é assegurar-se de que o seu produto esteja no radar do selecionador e de que entre nos seus filtros quantitativos. Todo esse trabalho comercial mais qualitativo aparece numa segunda fase, pelo que o nível de interação com o cliente reduz-se. É outra das mudanças que a indústria sofreu ao longo dos últimos anos e que obriga as entidades estrangeiras a modificar a forma de trabalhar. Tal como explica Del Campo, a consequência de tudo isto tem um claro reflexo, por exemplo, na estrutura dos escritórios comerciais. “O ponto-chave não está necessariamente em dispor de mais meios a nível de recursos humanos”, reconhece.

A seu ver, a maior necessidade passa por contar com processos de vendas muito bem estruturados e organizados para responder às necessidades dos clientes. É a razão pela qual, após a saída de Almudena Mendaza, Del Campo tomou a decisão de fazer uma reestruturação da equipa focando-se num conceito que, para ela, teve uma grande relevância: a especialização. “Daniel Pingarrón especializou-se no mundo institucional e, muito concretamente, no mundo dos ilíquidos, enquanto Bruno Ruiz de Velasco fê-lo ao focar-se nas grandes contas da Natixis IM a nível global. Ao mesmo tempo, Rocío Iceta e Juan Pita da Veiga dedicam-se ao contacto com cliente, sendo agora gestores de contas mais estratégicas”.

Na sua opinião, esta estrutura, além de ser hoje mais necessária do que nunca, permite aos diferentes membros da equipa crescer no plano profissional. Tudo isto num contexto em que só falamos de clientes de fundos de investimento. “Além do produto, há cada vez uma maior necessidade por parte dos nossos clientes que lhes seja fornecido um serviço mais estratégico, de valor acrescentado, completamente à margem do fundo. A nossa vantagem competitiva é contar com um modelo multi-affiliate, que cria uma riqueza a nível de conteúdos de que poucas gestoras possuem. Alimentamo-nos localmente de tudo o que se faz globalmente e isso dá-nos uma força enorme”, sublinha.

Um dos serviços da Natixis IM que está a ganhar mais popularidade é o que oferece a equipa de Solutions. Além do departamento de que faz parte Juan José González de Paz, cujo trabalho se centra em analisar as carteiras dos investidores por rentabilidade-risco, há uma equipa dedicada ao ESG. Trata-se de um ramo que cobre uma necessidade cada vez mais importante para os clientes, sobretudo, para os gestores de fundos de fundos e carteiras discricionárias: como consolidar reportings de carteiras diferentes, que têm critérios de implementação diferentes, sobre matéria de sustentabilidade. “Graças ao nosso modelo multiboutique, temos a sorte de vivê-lo internamente, dado que a equipa de Solutions também gere fundos de fundos”.

O investimento com critérios ESG, um conceito que, por iniciativa própria, Del Campo há mais de uma década trata com clientes, não está só a ganhar velocidade na Península Ibérica. Também do outro lado do Atlântico, uma região que conhece muito bem. “As grandes bancas privadas americanas focaram-se no tema do ESG. Tornou-se algo muito importante para ela, o que provocou um efeito dominó e obrigou os atores locais a adaptarem-se. Fomos uma das primeiras gestoras a lançar nos Estados Unidos planos de pensões ESG no mercado doméstico. Este ano vão completar quatro anos de track record. Por isso, o cliente identifica-nos com este tipo de expertise e conhecimento”.

A filial especializada em investimento ESG é a Mirova. A entidade está a ganhar tração graças aos seus fundos temáticos e sustentáveis. Todos os seus produtos inserem-se no Artigo 9. Em Portugal, onde a atividade da Natixis IM aumentou notoriamente e a entidade registou alguns fundos, estão a trabalhar com determinadas companhias de seguros e planos de pensões sobre como fazer reporte ESG. Também cresceu na América Latina, onde a gestora mantém uma forte presença. Contam com 14 profissionais e três escritórios: México, Colômbia (que também cobre o Peru) e Uruguai (onde também prestam serviço ao Chile). E atualmente estão a desenvolver o Brasil, onde têm previsto reforçar a equipa e, segundo Del Campo, o investimento ESG está a ter muita tração, sobretudo no mundo da banca privada.

“A América Latina é uma região na qual tivemos um ano record. As complicadas situações políticas que vivem alguns destes países dispararam o interesse dos clientes em investir em dólares, a ser preferível em offshore. Em 2020 aconteceu uma importante transferência de ativos locais para contas offshore em dólares”, explica. Estar consciente de quais são em todo o momento as necessidades do cliente é crucial para saber como a entidade pode fornecer valor. A este respeito, a interação com os clientes é o trabalho de que mais gosta Sophie del Campo. “Permite-me detetar tendências, saber para onde vamos e como os podemos ajudar. Apesar das maiores responsabilidades que fui adquirindo na Natixis IM, é algo que vou continuar sempre a fazer”.

Neste sentido, a Península Ibérica é o seu pequeno laboratório estratégico para desenvolver este trabalho. “É o mercado em que estou e com o qual tenho contacto mais direto. Do lado de fora, parece uma indústria muito sofisticada. Posteriormente, replicamos algumas das ideias que começamos na região noutros países. É um mercado que por vezes esteve na vanguarda e que já esteve à frente em algumas tendências. Na prática, isto permite-me acompanhar as preocupações dos nossos clientes e, internamente, avançar nos projetos”. No entanto, em outras coisas, a região está claramente atrás, por exemplo, na implementação de ativos ilíquidos em carteiras. Mas também aqui algo está a começar a mudar.

“Há um apetite cada vez mais evidente por parte dos fundos de pensões e agora das seguradoras por estratégias alternativas ilíquidas. A necessidade de gerar retornos está a incentivar este tipo de clientes institucionais a investir em estratégias de dívida privada e infraestruturas. Durante o último ano e meio, vimos uma grande mudança nesse aspeto. A necessidade específica está em procurar algo cauteloso no longo prazo, que permita aumentar a rentabilidade da carteira. Temos crescido muito neste segmento oferecendo soluções que em 10 anos geraram uma rentabilidade anualizada de 5%. Por isso é tão importante que existam profissionais especializados na área na equipa de vendas. Há muito a fazer no mercado ibérico”, conclui.