Taxas mais altas durante mais tempo: os pontos-chave e as consequências da última reunião da Fed

EUA
Créditos: Aaron Burden (Unsplash)

Longe de vaticinar um ponto de inflexão na sua política monetária, a última reunião da Reserva Federal consolidou uma política monetária mais restritiva. Durante o seu discurso, Jerome Powell pegou numa frase de Mario Draghi: whatever it takes. Só que no caso do banqueiro americano a sua luta não é proteger o euro, mas reduzir a inflação. Assim, entramos numa nova fase da Fed. O lema: taxas mais altas durante mais tempo.

O problema da dado-dependência. O que atualmente exige esta postura dura. “O panorama da inflação piorou: dos três dados alarmantes do IPC dos últimos meses, só se conheceu um em junho”, defende Tiffany Wilding, economista para América do Norte da PIMCO. Na sua opinião, a inflação parece agora mais sólida e com uma base salarial mais vasta em todos os componentes do IPC. Por exemplo, a inflação salarial acelerou ainda mais e, em termos líquidos, as expetativas de inflação aumentaram.

Uma dor inevitável

Havia quem tivesse nas suas perspetivas que o ciclo de ajuste monetário nos Estados Unidos estava próximo de uma pausa. Mas a reunião de setembro trouxe várias dúvidas sobre esta tese. “Powell evitou fazer referência explícitas a uma recessão iminente, mas deixou claro que a Fed está disposta a tolerar um crescimento abaixo da tendência e um mercado de trabalho mais débil enquanto se centra em sufocar a inflação”, analisa Silvia Dall’Angelo, economista senior da Federated Hermes.

“A julgar pelas previsões atualizadas, a Fed reconheceu agora que será necessário um certo grau de dor para reduzir a inflação até ao objetivo e que as probabilidades de que aconteça uma desinflação sem um grande arrefecimento do mercado laboral – a chamada desinflação imaculada – são baixas”, acredita Dall’Angelo. E assim coincidem várias gestoras. Paolo Zanghieri, economista sénior da Generali Investments, também diria que o discurso da Fed soou muito menos confiante na possibilidade de evitar uma aterragem brusca. O que sentem que uma recessão é o mal menor em comparação com deixar que a inflação se afiance nas expetativas por uma postura menos agressiva. “O caminho para uma aterragem suave continua aí, mas está cada vez mais rigoroso”, acrescenta James McCann, economista na abrdn.

Os números não refletem uma aterragem bonita. Como bem ressalta Sonia Meskin, economista da BNY Mellon IM, subir as taxas em quase 450 pontos base num ano, mas evitar que o desemprego aumente mais de 100 pontos base é uma tarefa muito desafiante para o banco central. Uma que a história demonstrou que tem poucas probabilidades de sucesso.

Interpretando a nova era da inflação

“Acredito que é justo dizer que uma aterragem brusca é inevitável e veremos algum tipo de contração económica para passar para a fase seguinte do ciclo”, reconhece Eva Sun-Wai, gestora de Obrigações da M&G Investments. O que destoa um pouco é a determinação da Fed em comprometer-se com o objetivo de inflação de 2%. “Parece que, pelo menos a médio prazo, os bancos centrais podem evitar rever em alta os seus objetivos para ter em conta os elementos mais rígidos do IPC e aceitar que podemos estar a entrar numa fase de inflação perpetuamente mais alta do que estávamos habituados nas últimas décadas”, afirma.

Na sua opinião, parece pouco realista que apontar ao mesmo objetivo de 2%, dado o ciclo de ajuste global posterior à pandemia, as enormes interrupções em curso da cadeia de fornecimento (que acabaram por não ser tão transitórias) e uma guerra na Ucrânia. “A política monetária também costuma operar com um desfasamento temporário considerável”, lamenta.

E também a preocupação que mostram várias gestoras. Que tal como os bancos centrais demoraram a reagir à inflação, agora estão a andar demasiado rápido e podem não travar a tempo. Para Jon Maier, diretor de Investimentos da Global X, o medo é que comprimam demasiado. “Há um atraso natural para que as taxas mais altas abram caminho na economia. Com as hipotecas agora acima de 6%, e espera-se que subam, é provável que haja mais dor no futuro para as ações, as obrigações e os ativos reais”, vaticina.

Imobiliário: gaps no guia da Fed

Precisamente o mercado da habitação é um ponto que refere Thomas Costerg, economista da Pictet Wealth Management. “O mercado de dívida high yield é o oxigénio vital para a economia, já carece de lubrificante, tal como o mercado de títulos suportado por hipotecas, que se repercute no mercado imobiliário, que se deteriora rapidamente, com um significativo efeito dominó na economia”, ressalta. 

Por isso vemos as gestoras a continuar a opinar que tal como a postura da Fed corresponde aos dados atuais, terá de mudar de discurso em breve. “A essência da gestão de riscos é a extrema aversão ao risco de um resultado como não alcançar a meta de inflação, o que conduz mecanicamente a uma reação exagerada à inflação”, reconhece Sebastien Galy, responsável de Estratégia Macroeconómica da Nordea AM.

A pergunta que se faz é se esta decisão é a correta para a inflação futura, dados os atrasos na política monetária e uma possível desaceleração rápida adicional no mercado imobiliário. De facto, o cenário que prevê Galy é que, depois de um período de inflação relativamente rígida, as famílias e especialmente as empresas vão mudar as suas expetativas e vão especular sobre uma possível recessão que fará com que a inflação baixe rapidamente.

Alocação de ativos

“A postura da Fed de Whatever it takes aumenta as subidas e os riscos das taxas de juro, o que provavelmente impulsionará a volatilidade”, opina Rob Waldner, responsável de Estratégia de Obrigações da Invesco. A Fed não está a girar para postura mais moderada, pelo que Waldner diria que agora é o momento de manter um posicionamento cauteloso. E assim coincidem na Mirabaud AM, onde seguem subponderados em ações com um viés para os setores defensivos, já que é demasiado cedo para ver uma reversão da tendência nos mercados de ações, com o endurecimento em curso.