Trilogia de riscos para a economia

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Cedida

Ann-Katrin Petersen é vice-presidente de Global Economics & Strategy na Allianz Global Investors. E como o nome do próprio cargo indica, é uma profissional com uma visão global e geral do mundo, em termos económicos e financeiros. Com tal noção universal, ninguém melhor para responder a uma pergunta que atormenta sistematicamente os gestores de ativos e profissionais de wealth management: quais os grandes riscos para o crescimento económico e para os mercados financeiros no momento?

Para Ann-Katrin Petersen, são três, que a profissional explica em detalhe:

Incerteza política com as ‘guerras comerciais’ no centro do palco

“A principal questão para os investidores é: se virmos uma escalada das tensões comerciais, se isso se refletirá num abrandamento ou numa recessão global. Por enquanto, estima-se um impacto de entre 0,5% e 1% no crescimento do PIB global como resultado das medidas implementadas e da eventual retaliação dos principais parceiros comerciais dos EUA. Mas, considerando que o crescimento real da economia global está entre os 3,5% e os 4%, isto não representaria um descarrilamento do crescimento. No entanto, falei apenas dos efeitos diretos. Obviamente, se considerarmos os efeitos indiretos, como uma quebra na confiança ao nível do consumidor e das empresas e se se verificarem danos na cadeia de fornecimentos, os danos para a economia poderão ser maiores. Esta última possibilidade deverá estar especialmente no radar dos investidores, não só pelo seu efeito disruptivo, mas também pelas oportunidades que podem surgir. Muitas vezes encara-se a dinâmica comercial internacional como bens que são produzidos num país e exportados para outro. O país A exporta carros para o país B, e o B exporta t-shirts para o país A. No entanto, dada a divisão internacional do trabalho, verificamos um cenário diferente. O país A exporta motores para o país B e este produz os carros. Por outro lado, o país B exporta algodão para o país A e este produz as t-shirts. Dois terços das transações comerciais globais acontecem dentro deste género de cadeias de fornecimento. Quando os EUA impuseram tarifas em máquinas de lavar roupa chinesas, o Vietname preencheu a lacuna e satisfez cerca de 60% das necessidades deste equipamento. Foi claramente uma economia vencedora neste cenário de tarifas. Enquanto em termos gerais o protecionismo poderá pesar no crescimento global, há que ser seletivo e perceber quais serão os vencedores”.

A subida da alavancagem a nível global

“Depois da crise financeira vimos muitas economias a voltar a aumentar a alavancagem, tanto governos como o setor privado, mas especialmente no mundo emergente. Estas economias ficam, assim, mais vulneráveis a um aumento agressivo nos custos de financiamento, aumento esse que pode ser despoletado por uma subida maior que o antecipado das taxas por parte da Reserva Federal ou por um dólar muito forte. E, posto isto, a preocupação não passa apenas pelos elevados níveis de dívida, mas também pela quantidade de dívida denominada em dólares americanos.”

Valuations ambiciosas em certas classes de ativos

“Ainda que tenhamos visto nos últimos meses uma grande correção nos mercados de ações, as valuations continuam ambiciosas, inclusive nas obrigações. As yields a estes níveis, nos mercados de fixed income, são também reflexo de valutions muito altas. Classes de ativos caras são muito mais sensíveis ou estão muito mais sujeitas a correções. E a subida de taxas é muitas vezes a causadora de tais correções. Aqui regressamos ao tema da Fed, porque se continuamos a ver uma descida do desemprego, subidas nos salários e uma eventual subida da inflação core, a Reserva Federal não terá outro remédio que não seja subir taxas e isso poderá resultar em correções agressivas. A nossa perspectiva é que a taxa de referência da Fed irá superar o nível neutro no ano que vem e se a economia mantiver esta dinâmica manterá o ritmo de subida de taxas, provavelmente até depois de 2019. E é aqui que o cenário fica mais delicado, porque em 2020 veremos a combinação de dois efeitos importantes. Por um lado, uma política monetária restritiva, como já disse. Por outro, a economia norte-americana irá começar a ‘ressacar da embriaguez’ provocada pelos estímulos fiscais. O efeito destes estímulos começará a dissipar-se. Menos impulso do lado fiscal e o oposto de um impulso do lado monetário poderá resultar num abrandamento agressivo da economia norte-americana. Em dois anos poderemos estar a discutir o risco de uma recessão nos EUA.”