Uma carteira equilibrada entre os receios e a ganância do mercado

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Toni F., Flickr, Creative Commons

Inflação! É o factor que mais deverá marcar o comportamento dos mercados nos tempos que estão para vir. Isto segundo a equipa da Ruffer e, mais especificamente, de Jonathan Ruffer, chairman na entidade gestora. No seu mais recente Investment Review, o profissional destacava isso mesmo: “No mundo que está a passar foram os preços dos ativos que subiram; no mundo que está para chegar, serão os salários e os preços no retalho que subirão”. Esta previsão segue uma anterior revelação de que considera que as ações norte-americanas “excessivamente caras”, ao mesmo tempo que traçava o paralelismo com o bull market que culminou com a bolha das dot-com: “Se há alguma moral que daí se retira é que os mercados estarão provavelmente mais abaixo - talvez muito mais abaixo do que agora – mas também que, com alguma probabilidade, estarão mais altos, talvez muito mais altos, no futuro imediato”.

Com esta visão do mundo e dos mercados, Jonathan Ruffer revela muito pouco optimismo para os tempos que estão para vir. “A crise de crédito de 2008 foi uma natural consequência do frio inverno que removeu os excessos da longa prosperidade que a precedeu; a Fed ligou os aquecedores, prolongando artificialmente o verão, e agora que, também ele está a chegar ao fim, estamos novamente a olhar para o corretor elementar do excesso económico  - uma destruição da poupança”, observa.

Othmane_RachediEm concordância com o chairman da entidade, Othmane Rachedi, senior investment associate na entidade gestora, em entrevista à funds people sobre o fundo Ruffer Total Return International, fundo com selo A da Funds People, de favorito dos Analistas, destaca um posicionamento orientado para a proteção do portfólio contra uma subida das yields, dos spreads e da volatilidade.

O portfolio é ajustado de acordo com uma visão de investimento de médio/longo prazo, sendo que a cada momento “uma alocação de ativos dinâmica que procura o equilíbrio entre investimentos nos ‘receios’ do mercado – que deverão apreciar no caso de uma correção de mercado e proteger o valor do portfólio - e os investimentos na ‘ganância’ do mercado – principalmente em ações que capturam o crescimento em condições de mercado favoráveis – é central para o processo de investimento”. Em suma, a gestão tenta construir uma carteira de investimento em que “nenhum cenário será particularmente positivo ou negativo”.

Para Othmane os vários anos de políticas monetárias expansivas  fazem com que a subida da inflação seja o principal risco contra o qual tentam imunizar a carteira. Mas que ativos cumprem esse papel de imunização? Para Othomane, poucos, já que a inflação faz com “as yields subam e as valuations nos mercados de ações sejam comprometidas”. Nestes sentido a gestão aloca cerca de 43% do portefólio a uma seleção de obrigações soberanas indexadas à inflação em combinação com posições em ouro. “A nossa tese central é que o stock de dívida acumulado no mundo necessita que este ambiente de ‘repressão financeira’ – taxas de juro reais negativas – se prolongue para aliviar o peso da dívida. Poucos países foram capazes de gerar um crescimento económico suficiente para pagar dívida. Os outros caminhos possíveis para a redução dos níveis de dívida, austeridade fiscal ou defaults e restruturações, provaram ser ou demasiado políticos ou economicamente dispendiosos”, explica.

Por outro lado, o profissional salienta o regresso do tema da política fiscal para a linha da frente das agendas políticas que temos visto nos últimos dois anos. Assim, perante o abrandamento do potencial reflacionário das suas políticas, Othmane realça o apelo dos Bancos Centais para uma ação concertada com programas de estímulo fiscais. “O relaxamento das políticas fiscais deverão subir as expectativas de crescimento nominal e inclinar as curvas de yields, um cenário que teria um impacto negativo nas nossas obrigações indexadas, como aconteceu no último trimestre de 2016. Por outro lado, este cenário seria muito favorável para o segmento value e ações do sector financeiro, que compõem o grosso da nossa exposição de 40% a equity”, explica o especialista.

Em que ponto estamos no ciclo?

Confrontado com esta questão, Othomane recorre à ironia. “É muitas vezes realçado que os principais atributos de um génio dos investimentos são uma memória curta e um mercado em subida. À medida que 2008 se afasta cada vez mais do nosso campo de visão, os investidores talvez possam ser perdoados por acharem que os preços dos ativos apenas sobem”. Com as políticas fiscais a substituírem a política monetárias como o principal estimulantes do crescimento económico, o profissional volta a destacar a convicção crescente de que níveis mais elevados de inflação estão ao virar da esquina. “Ambos os mercados de ações e obrigações parecem alheios à possibilidade de mais contração de política monetária no curto prazo, aumentando o risco de eventual volatilidade no mercado. O atual regime de baixas taxas de juro e uma economia global a crescer progressivamente deverá, na ausência de choques, ser positivo para os mercados de ações, apesar das valuations esticadas. No entanto, estamos preocupados com as valuations atribuídas a determinados segmentos do mercado, particularmente as ações ‘quasi-obrigações’ que tomaram a liderança do mercado no primeiro trimestre do ano”, destaca Othomane. O especialista considera que este efeito é exacerbado pela “enorme quantidade de dinheiro” concentrada num número muito limitado de estratégias, dominadas por investimento em títulos que pagam dividendos (equity income funds) e de reduzida volatilidade (risk parity funds). “As estratégias de risk parity envolvem alavancagem e suportam-se numa correlação baixa ou negativa entre as ações e as obrigações, pelo que uma subida das yields que faça com que ambas as classes de ativos sejam penalizadas de forma sincronizada poderá levar ao desfazer destes trades agravando uma eventual queda do mercado”, refere Othomane.

Diversificar para proteger capital

Relativamente à exposição significativa a ouro e obrigações indexadas à inflação, o profissional destaca o perfil de cobertura inerente a ambos os ativos numa perspectiva de construção de carteiras. “Sendo um beneficiário de yields reais em queda, vemos o ouro, a par com as nossas obrigações indexadas como ativos de proteção da duration e do capital.”

Por outro lado, a gestão utiliza ativamente instrumentos financeiros derivados na construção do portfolio. “As consequências das políticas monetárias pouco convencionais levadas a cabo pelos principais bancos centrais depois da crise financeira global inflacionaram o nível dos preços dos ativos e reprimiram as volatilidade e os spreads de crédito. Enquanto a normalização da política monetária acontece nos EUA, acreditamos que instrumentos financeiros derivados que beneficiam da subida das yields, do aumento dos spreads e da volatilidade têm um lugar na carteira”, explica.

Voltando às palavras de Jonathan Ruffer, o chairman da entidade gestora destaca que “é o nosso trabalho proteger os nossos clientes e preservar o seu património no inverno, bem como encorajar o seu crescimento no verão. Como sempre, estamos menos interessados em quando vai acontecer, e mais interessados na forma que as dificuldades irão tomar se e quando elas surgirem. Se a nossa análise estiver correta, serão poucos os locais onde nos podemos esconder, e, ao contrário dos últimos 20 anos, a liquidez não será segura”.