Alocar a fixed income é como seguir uma receita: um ingrediente mais doce compensa a acidez do outro. Num pequeno-almoço com a Capital Group percebeu-se que as durações mais curtas são as preferidas, e que algumas empresas de setores mais cíclicos são de evitar.
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O encontro promovido pela Capital Group, em parceria com a FundsPeople, sobre o investimento em crédito, trouxe a debate interessantes pontos sobre esta classe de ativos, nomeadamente sobre a perspetiva em relação ao rendimento fixo de mercados emergentes, e ainda sobre o poder de diversificação nalgumas subclasses do segmento. Mas a conversa entre Duarte Rodrigues, gestor de fundos de obrigações na BPI Gestão de Ativos, Ana Gomes, do Departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco, João Pina Gomes, responsável pela área de Fundos de Investimento do ABANCA, e Flavio Carpenzano, diretor de investimentos de Rendimento Fixo da Capital Group, foi mais longe. O pequeno-almoço organizado recentemente deu ainda perspetivas sobre como estes profissionais se posicionam em crédito perante o contexto atual.
De acordo com o gestor de fundos Duarte Rodrigues, da BPI GA, para fazer face ao posicionamento atual há que reunir um mix de vários ingredientes. Por um lado, vê que as “obrigações investment grade estão ainda saudáveis” e a “beneficiar das yields a caírem e de algum roll down na curva de yields, que não existia no passado, nomeadamente nos últimos dois anos”.
Por outro lado, em setores mais cíclicos, emprega a palavra cautela para os descrever. “Se estivermos, de facto, a entrar numa recessão, haverá mais vulnerabilidades nestes setores, claro”, sublinha. Aponta neste conjunto os setores com mais intensidade de capital, e, dentro do consumo discricionário, por exemplo, o setor automobilístico, que considera ter “alguns desafios pela frente, especialmente na Europa”. Os setores onde, pelo contrário, vê interesse, são os que têm “cash-flows mais estáveis, com balanços mais fortes, como a saúde, utilities, e até algumas empresas de telecomunicações”. Em termos de rating, vê segurança nas emissões BBB e single A. “Acho que podemos dizer que a esse nível não existem problemas”, confessa. Por outro lado, aporta cautela no high yield, por causa do “risco de refinanciamento”. “Na Europa existe um grande muro de maturidades, que é bastante pesado comparando com os EUA, por exemplo”, sublinha.
Focar na parte curta da curva
Em termos de diversificação, o gestor acrescenta que esse elemento pode ser encontrado nas treasuries norte-americanas. Ainda assim, “sendo cauteloso na parte longa da curva”, e por isso, a sua preferência vai para a duração entre 2 e 10 anos.
Também Flavio Carpenzano, diretor de investimentos de Rendimento Fixo da Capital Group, tem a mesma visão. O especialista confirma que na gestora norte-americana, em vez de tomarem “risco de exposição a duração, focam-se mais no intervalo de 2-5 anos, e subponderam o intervalo superior aos 10 anos”. Prossegue, referindo que “ultimamente se posicionam mais para uma inclinação da curva”, pois acreditam que esse posicionamento é mais favorável perante diversos cenários, nomeadamente se “existir a clássica recessão”, pois “as curvas tendem a inclinar porque o intervalo 2-5 anos cai muito mais rapidamente”. O responsável, no que se refere às taxas de juro, opta por não ter uma visão sobre a direcionalidade das mesmas, pela dificuldade que isso acarreta. Espera, contudo, que a volatilidade das taxas de juro, “continue extremamente elevada”.
Tal como Duarte Rodrigues, o interlocutor da Capital Group também fala em cautela em determinados segmentos. Diz-se mais focado na parte mais defensiva do crédito, bem como nos segmentos de maior qualidade, como são o caso do investment grade de empresas, em detrimento do high yield. “As empresas não são o ponto a ter em conta no risco de recessão. Não estamos preocupados com defaults. Estamos, sim, com as valuations”, reforça. Tendo em conta o diferencial que as empresas com classificação BB possam oferecer face às que têm BBB, o profissional não vê mais do que um nível histórico refletido nos números. “Não nos parece que valha a pena correr riscos adicionais por mais 100 pontos de base”, confessa.
A importância da qualidade
Setorialmente, o setor bancário é visto como “um dos favoritos” do gestor internacional, e um dos que merece uma das maiores sobreponderações da casa dentro do segmento de crédito. Ainda assim, com uma nuance: focam-se nas emissões mais sénior da banca. “Se entrarmos numa recessão, o setor bancário irá ter uma underperfomance, mas os spreads adicionais oferecidos são bastante atrativos. Mais importante ainda: a qualidade dos ativos é muito forte combinada com o capital”, recorda.
João Pina Gomes, responsável de fundos de investimento do Abanca, também realçou o fator qualidade, logo após expressar que, no seu caso, preferem a curva europeia à americana. “A qualidade é muito importante para nós, e com maturidades relativamente curtas. Acho que a qualidade é mesmo a palavra mais importante e que quero destacar a este nível”, frisou.
Em termos de setores, e tal como já mencionado por outros, também o profissional diz evitar os setores mais cíclicos, recaindo o seu otimismo no setor financeiro, e no da saúde, e ainda a par da dívida securitizada. “Temos uma parte da nossa carteira alocada a esse tipo de dívida”, adicionou.
Fatores de pressão nas taxas de juro
Para Ana Gomes, do novobanco, existe uma perceção clara de que estamos “perante elevadas necessidades de investimento, privado e público, quer na digitalização, quer na transição energética, quer na defesa, o que deverá traduzir-se numa maior emissão de dívida e exercer uma pressão ascendente sobre as taxas de juro reais de longo prazo”. Uma pressão que, no seu entender, “poderá de alguma forma, limitar a ação dos decisores da política monetária”, diminuindo, eventualmente, “o alcance dos cortes nas taxas”. Assim, o novobanco está a entrar numa posição de neutralidade quanto à classe de ativos de fixed income, como um todo. Vislumbram “algum potencial de risco de reinvestimento que deverá alterar a duração das obrigações em todo o espetro”.
No caso das obrigações do tesouro dos EUA, acredita mesmo que “o montante da redução das taxas já está refletido no preço”, enquanto que “no caso das obrigações com grau de investimento, os spreads continuam a ser altamente valorizados”. No high yield, por seu lado, vê “que de certa forma as taxas de default estão contidas, apesar dos spreads estarem muito apertados e as durações muito baixas”.
Obrigações: uma classe de ativos que satisfaz?
Retirando da equação o ano de 2022, os últimos tempos deixarão os profissionais satisfeitos com o que as obrigações têm oferecido? A verdade é que sim. João Pina Gomes relata que ele está satisfeito, mas os clientes também, pois “há yield no mercado”, e como sabemos, o cliente português sendo conservador “olha muito para os fundos de obrigações”. “O facto de haver yield no mercado deixa toda a gente satisfeita, e há um mundo de oportunidades para quem gere uma carteira, porque pode escolher várias áreas do mercado obrigacionista, onde os resultados são mais positivos”, relata.
Do mesmo modo, Ana Gomes diz haver motivos para voltar a estar contente com a classe de ativos, pois “finalmente as correlações negativas entre as obrigações e ações estão de volta”. Além disso, “como a inflação é um dos principais impulsionadores dessa correlação, essa tendência de queda vai trazer de volta o efeito de diversificação que estávamos tão desesperadamente à procura quando construímos portefólios”.
Duarte Rodrigues e Flavio Carpenzano também partilham do mesmo contentamento. O gestor do BPI realça mesmo que agora, em alguns portefólios de gestão discricionária da casa onde trabalha, os clientes conseguem finalmente “ver os seus portefólios a pagar cupões”, enquanto o profissional da gestora internacional vê que este “é um contexto de maior normalização, depois da anomalia vivida no pós-crise financeira”.