Os principais índices de ações reagem em alta ao que deverá ser uma vitória absoluta dos republicanos, mas o Tesouro norte-americano reflete as preocupações com o aumento do défice e o impacto das políticas na inflação e na Fed.
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Uma vitória clara e decisiva, o melhor cenário possível para os mercados. Não só Donald Trump se tornará o 47º presidente dos Estados Unidos, como conquistou o Senado, bem como a possibilidade de o mesmo suceder com a Câmara dos Representantes. Nas primeiras horas da manhã de 6 de novembro, já tinha vantagem suficiente em Estados-chave para garantir a maioria necessária de 270 lugares no Colégio Eleitoral, graças a vitórias decisivas na Pensilvânia, Geórgia e Carolina do Norte, e a meio da manhã na Europa tinha os restantes lugares no Wisconsin.
Vitória absoluta dos republicanos?
A única questão que parece estar em aberto no momento em que escrevemos este artigo é se assistiremos a uma vitória total dos republicanos. As previsões apontavam para que os republicanos tomassem o controlo do Senado aos democratas, mas os primeiros números apontam para a possibilidade de tomarem também a Câmara dos Representantes. “Seria um movimento sem precedentes. Seria a primeira vez na história que tanto o Senado como a Câmara mudariam de mãos ao mesmo tempo numa eleição, mas estamos a habituar-nos a viver em tempos sem precedentes”, reconhece a Columbia Threadneedle.
Se a maioria republicana no Congresso for alcançada, Raphael Gallardo, economista-chefe da Carmignac, prevê um renascimento da Reaganomics ao estilo dos anos 80, que inicialmente prolongaria o mercado de ações em alta e o ciclo económico até 2025. “Mas a agenda pró-empresarial de Trump seria feita à custa de taxas reais mais elevadas, o que representa novos riscos para o sistema financeiro mundial”, avisa.
No caso de uma vitória absoluta dos republicanos, Stephen Dover, diretor do Franklin Templeton Institute, prevê que a extensão dos cortes fiscais de Trump de 2017 estará assegurada. É provável que as taxas legais e efetivas do imposto sobre as empresas sejam reduzidas (a primeira talvez até 15%) e que sejam feitas mudanças radicais na regulamentação das empresas. Considera menos provável que as tarifas sejam aumentadas na escala e no âmbito previstos na retórica da campanha de Trump.
Até a Europa e a China reagem em alta
Desde o início, a reação das bolsas tem sido claramente positiva. Tanto os índices europeus, que esta manhã subiram 1-1,5%, com exceção do Ibex 35 espanhol, como os futuros das bolsas norte-americanos que também apontam para subidas superiores a 1%. O Nasdaq é o que mais sobe devido à sua exposição ao setor tecnológico, um dos setores que se espera que beneficie de uma vitória de Trump. Talvez o aspeto mais surpreendente deste primeiro movimento seja a força dos índices europeus e chineses. No entanto, vemos uma reação negativa nas obrigações. Os títulos do Tesouro dos EUA, especialmente nos prazos mais longos, estão a sofrer, uma vez que se espera que o défice dos EUA aumente significativamente.
Na opinião de Robert Dishner, da Neuberger Berman, trata-se de uma reação racional. “O crescimento europeu, que inicialmente parecia duvidoso, pode piorar se uma guerra comercial se concretizar, e o BCE pode ser forçado a distanciar-se da Fed. Por outro lado, as yields dos EUA estão a subir à medida que os mercados avaliam um crescimento potencialmente mais elevado e as preocupações fiscais”, argumenta.
Gonzalo Rengifo, diretor-geral da Pictet AM para a Península Ibérica e América Latina, também acredita que, desta vez, os mercados vão encarar a situação com mais calma. “Uma administração liderada por Trump é familiar: redução de impostos, controlo da imigração, combustíveis fósseis, aumento de tarifas e desregulamentação, com défices fiscais mais elevados”, explica. Com Trump, com o controlo do Senado e da Câmara dos Representantes, a extensão do corte de impostos de 2017 poderá ser quase total e os aumentos das tarifas substanciais, altamente inflacionários.
Atenção aos movimentos das small e mid caps
Mas para Oliver Blackbourn, gestor da Equipa de Multiactivos da Janus Henderson, são os índices S&P Midcap 400 e Russell 2000, cujos futuros registam subidas superiores a 4% e 5%, respetivamente, que se destacam. “Isto não é surpreendente, pois tudo indica que os republicanos vão manter os atuais cortes fiscais e tentar fazer mais”, interpreta. “Estão a ser negociadas com um desconto de 25%, quando normalmente deveriam ter um prémio de 10%, porque têm um crescimento estruturalmente mais elevado”, concorda Charlotte Daughtrey, especialista em Investimentos em Ações da Federated Hermes. Na sua opinião, a deslocalização será um forte impulso para esta classe de ativos centrada no mercado nacional, bem como para setores como o industrial, as tecnologias e os materiais (onde estão sobreponderados).
O foco passa a ser a Reserva Federal
Mas uma vitória de Trump representa um grande desafio para a política monetária norte-americana. Como as gestoras têm vindo a alertar, embora os programas políticos de ambos os candidatos apontem para um aumento do défice, no caso de Trump o aumento previsto é maior. “A Reserva Federal tem evitado fazer comentários até agora para parecer neutra e proteger a sua independência, mas a sua reação a estas políticas é fundamental para saber para onde se dirigem as cotações dos ativos”, observa Gordon Shannon, gestor da TwentyFour AM (boutique da Vontobel).
“Os mercados terão de esperar para ver se a Fed está disposta e é capaz de lidar com uma economia quente”, observa Charlotte Blackbourn. Com a perspetiva de menos cortes nas taxas de juro, os mercados de obrigações já estão preocupados com a montanha de dívida dos EUA e com a subida das yields do Tesouro a longo prazo, “os investidores têm de ter cuidado para que a subida a longo prazo não comece a tornar-se um problema para a economia”, alerta.
“Parece muito provável que uma nova expansão fiscal esteja no horizonte. Isto não se coaduna bem com o desejo de Trump de que a Fed corte as taxas de forma agressiva”, concorda Aaron Rock, responsável de Taxas Nominais na abrdn. É por isso que espera que as yields do Tesouro dos EUA subam mais em relação aos seus homólogos, lideradas pelos vencimentos mais longos.
Implicações para os ativos
Como bem salienta Johan Van Geeteruyen, CIO Fundamental Equity da DPAM, um segundo mandato de Trump traz tanto oportunidades como desafios para a economia e para os mercados financeiros dos EUA. As principais áreas de impacto, na sua opinião, incluem as políticas fiscais, o comércio e as tarifas, o desempenho setorial e a política monetária. “Os investidores podem olhar para os cíclicos (finanças, energia, etc.) e certas empresas tecnológicas como potenciais beneficiários, enquanto as tarifas e as tensões geopolíticas representam riscos para outros setores”, sugere. Este é um ponto que Kevin Thozet, membro do comité de investimentos da Carmignac, também destaca, porque a pressão sobre as yields das obrigações poderá colocar em risco os ativos de mais longo prazo (ações de crescimento) e as ações proxy de obrigações, especialmente tendo em conta as elevadas valorizações atuais.
O impacto no dólar americano também terá de ser monitorizado. Kevin Thozet receia que o dólar seja apanhado no fogo cruzado da interferência de Trump com a Fed, do excecionalismo prolongado dos EUA e das tarifas. “Estas últimas, sendo centrais para o seu plano económico, provavelmente farão subir o dólar. Se o dólar acabar por enfraquecer devido ao êxodo de capitais estrangeiros, isso poderá levar a uma possível depreciação do mercado de ações dos EUA”, analisa.
Cenário a longo prazo
A longo prazo, Blair Couper, diretor de Investimentos da abrdn, considera que uma vitória de Trump poderá significar um ambiente regulamentar mais flexível, uma escalada das tarifas comerciais e possíveis tentativas de revogação de componentes da Lei de Redução da Inflação (IRA). Nesse caso, as áreas que poderão ficar sob pressão são as empresas com maior probabilidade de estarem sujeitas a aumentos de tarifas e as áreas da IRA que são mais fáceis de revogar, como os fabricantes de automóveis europeus, os veículos elétricos e a energia eólica marítima. Com Trump ao comando, os EUA também enfrentam elevados riscos de inflação devido a estas políticas, pelo que o profissional também acredita que é provável que assistamos a uma reação dos setores sensíveis às taxas e a um fortalecimento do dólar.
Especialistas como Michaël Nizard, diretor de Multiativos e Overlay, e Nabil Milali, gestor de Multiativos e Overlay na Edmond de Rothschild AM, estão a reduzir a sua exposição aos mercados emergentes, mantendo uma visão mais construtiva sobre a China, onde acreditam que a coordenação dos estímulos fiscais, orçamentais e monetários poderá ser favorável.
A EdRAM acredita ainda que a tendência de queda do petróleo deverá acelerar, enfraquecida pela determinação do novo presidente dos EUA em aumentar a produção petrolífera norte-americana. "O impacto não será direto, uma vez que os produtores norte-americanos continuam a ser movidos principalmente pelo seu objetivo de gerar maiores retornos para os acionistas, mas a remoção de regulamentações ambientais e licenças para perfurar em terras federais deve ter um efeito marginal de aumento na produção. Isto poderá precipitar ainda mais a queda dos preços do petróleo, uma vez que a OPEP poderá optar por retaliar com uma guerra de volumes para evitar perder mais quota de mercado", explicam.