Com máximos históricos em mais de uma décadda, estes valores revelam algumas tensões e são um termómetro fundamental da dívida soberana, útil para os investidores.
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A recente subida das yields das obrigações do governo britânico, conhecidas como gilts, suscitou questões entre os participantes do mercado, abrindo um debate sobre as suas causas e possíveis consequências. A yield das obrigações britânicas a 10 anos superou os 4,85%, o nível mais elevado nos últimos 10 anos. O mesmo movimento foi observado nas yields das gilts a 30 anos, atingindo um máximo dos últimos 25 anos de 5,48%.

Este fenómeno tem algumas semelhanças com a subida das yields das Treasuries norte-americanas, um tema analisado previamente no artigo: O que está por detrás da subida das Treasuries e quais as suas implicações?, que descrevia as implicações da inflação, da política monetária restritiva da Reserva Federal e dos elevados níveis de dívida pública nos Estados Unidos.
Este aumento, que se traduz numa queda dos preços destes instrumentos de dívida, reflete não só a crescente perceção de risco em torno da economia britânica, como também o impacto de fatores globais que estão a redefinir as dinâmicas dos mercados de obrigações e de ações, embora, desde o final de dezembro, estes tenham subido, apesar de a sua trajetória ter sido em ziguezague no último semestre.
Fatores que impulsionam a subida das gilts
- Políticas fiscais expansivas implementadas pelo governo do Reino Unido desempenharam um papel importante na subida das yields. Segunda a análise de Simon Wells, economista-chefe para a Europa na HSBC, no seu relatório Feeling Gilty: High Interest Rates, High Debt, High Insurance, um aumento sustentado de 1% nas yields a longo prazo poderia eliminar cerca de 10.000 milhões de libras anuais da margem fiscal disponível. Este aumento dos custos de serviço da dívida realça a precária situação fiscal do país.

Como se observa, os pagamentos de juros como percentagem do PIB registaram um notável aumento desde 2008, refletindo a crescente pressão fiscal.
- Expetativas de inflação. Embora o Banco de Inglaterra (BoE) projete que a inflação fique abaixo do objetivo em 2027, o sentimento do mercado reflete algum ceticismo. O relatório de Simon Wells destaca uma discrepância entre as taxas de inflação implícitas no mercado a longo prazo e as projeções do BoE. Esta discrepância coloca em evidência as preocupações quanto à capacidade do Reino Unido para gerir as pressões inflacionistas. A Morningstar também assinalou que o aumento da despesa pública e os estímulos económicos são vistos como catalisadores de pressões inflacionistas a médio e longo prazo.
- Correlação com as Treasuries norte-americanas. A correlação historicamente elevada entre as gilts e as Treasuries intensificou a volatilidade das yields no Reino Unido. Dillon Lancaster, da TwentyFour Asset Management (boutique da Vontobel AM), assinala que os movimentos técnicos também contribuíram, com grandes vendas que desencadearam aumentos acentuados das yields.

Consequências da subida das yields
- Mercados de dívida soberana
O aumento das yields das gilts coloca desafios significativos para os mercados de dívida soberana. Os dados do relatório da HSBC mostram que os recentes aumentos podem neutralizar a já limitada margem fiscal do governo. Além disso, o lento crescimento económico e a baixa produtividade agravam estas pressões.
- Confiança dos investidores
Os custos de endividamento mais elevados e a incerteza fiscal podem debilitar a confiança dos investidores. Benoit Anne, da MFS Investment Management, avisa que as políticas fiscais consideradas insustentáveis podem contrariar os esforços do Banco de Inglaterra para estabilizar a economia. Além disso, Peter Goves, também da MFS, indica que os riscos fiscais podem ter um impacto mais grave nas partes longas da curva de yields.
- Oportunidades em obrigações
Apesar dos desafios, Julien Houdain, da Schroders, identifica oportunidades nos mercados de obrigações. O profissional observa que as yields iniciais atrativas e as tendências macroeconómica podem beneficiar as obrigações, especialmente se os bancos centrais flexibilizarem as suas políticas em resposta ao menor crescimento.
Perspetivas futuras
O relatório da HSBC enfatiza a necessidade de uma comunicação clara por parte do Banco de Inglaterra para alinhar as expetativas do mercado com as suas projeções de inflação. Isto pode reduzir os prémios de risco desnecessários incorporados nas yields das gilts, aliviando algumas pressões fiscais.
A longo prazo, a trajetória das yields do Reino Unido dependerá da interação entre a disciplina fiscal, a recuperação do crescimento e as tendências monetárias globais. A transparência e uma gestão estratégica da dívida serão cruciais para restaurar a confiança no panorama fiscal e económico do Reino Unido.
