Carmignac: “Este ano há que estar preparado para um maior risco de mercado”

Didier Saint-Georges
Cedida

A manutenção de políticas ultraexpansivas por parte dos principais bancos centrais atrasaram até hoje o ajuste dos mercados de obrigações a este contexto das tensões sobre os preços. As taxas da dívida pública alemã, próximas de 0,30% situam-se em níveis do começo de 2015. Mesmo as taxas da dívida pública norte-americanas se mantêm, depois do seu recente aumento, abaixo dos níveis de meados de 2014. Portanto, a melhoria do ciclo económico, associado a uma reparação da inflação, poderão colocar à prova nos próximos meses a confiança dos mercados na determinação dos bancos centrais de manter as taxas de juro em níveis próximos dos seus mínimos. Esse é um dos motivos pelos quais Didier Saint-Georges, membro do Comité de Investimento da Carmignac, recomenda aos investidores “estarem preparados para um maior risco de mercado em 2017”.

Segundo explica, um dos erros mais frequentes dos investidores que tentam prever as flutuações do mercado é o de confundirem as tendências estruturais com os movimentos cíclicos. “A vertiginosa acumulação da dívida a nível mundial, assim como a escassez de investimento tanto público como privado nos últimos oito anos, condenam o potencial de crescimento mundial e a inflação a longo prazo a manterem-se em níveis anémicos. No entanto, esta tendência estrutural não impede em absoluto os movimentos cíclicos intermédios. Bem pelo contrário: a redução da margem de manobra dos governos e os bancos centrais limita a sua capacidade de atenuar e dirigir com fluidez as flutuações cíclicas que, desta forma, podem tornar-se mais violentas. No entanto, é provável que nos encontremos perante a formação de um movimento destas caraterísiticas”.

O especialista entende a eleição de Donald Trump como uma aceleração do ciclo. “Já é evidente que a economia norte-americana está a ponto de encontrar um novo impulso. O índice de confiança dos consumidores situa-se no nível mais elevado desde 2007, muito acima do que a maioria dos economistas previam. Do mesmo modo, as empresas reagiram ao resultado das eleições de forma favorável: segundo as primeiras estatísticas publicadas depois do ato eleitoral, o crescimento dos pedidos de bens duradouros situa-se de novo em terreno positivo pela primeira vez desde 2015. Para além disso, esta melhoria tem um caráter bastante global: no Japão, a produção industrial continua a sua recuperação cíclica alcançando em novembro o ritmo mais elevado dos últimos 30 meses. Na Europa, a produção industrial continua a progredir lentamente, mas o índice alemão de confiança empresarial (IFO) está a subir”.

Por tanto, Saint-Georges não tem nenhuma dúvida de que a melhoria cíclica é tangível e se materializou mesmo antes das medidas de impulso orçamental prometidas por Trump entrarem em cena. A primeira consequência desta mudança de tendência na economia mundial desde há praticamente um ano é uma recuperação progressiva do ritmo da inflação. “A desaceleração económica anterior tinha-se desenvolvido em paralelo à apreciação do dólar desde meados de 2014 até 2015, acompanhada por uma drástica queda dos preços das matérias primas e do afundamento do preço do petróleo. Todos estes factores reforçaram temporalmente as tendências deflacionistas estruturais. A partir desse momento, o fenómeno cíclico reverteu-se: a interrupção da valorização do dólar permitiu uma considerável recuperação do preço do petróleo, e a consequente dissipação das dúvidas económicas em 2016. Esta melhoria vem acompanhada, por tanto, de um retorno dos indícios inflacionistas a partir de níveis muito reduzidos”.

Na sua opinião, o ritmo de inflação nominal nos Estados Unidos poderá superar com facilidade os 2,5% no primeiro semestre de 2017, antes mesmo de ter em conta os possíveis aumentos salariais. Na China, o ritmo anual de subida dos preços para a produção passaram de -6% para os +3% nos últimos doze meses. Na zona euro, passou de cerca de -4% em abril de 2016 para os 0% no final do ano. “Muito embora ainda não se pudesse falar de inflação, o efeito base também é considerável na Europa, e esta mudança de tendência é o que importa aos mercados e deveria fomentar, com efeito retardado, a mesma orientação nos preços ao consumo. No Japão, o ritmo de inflação mantém-se muito débil, embora depois se tenha reduzido de maneira continuada desde meados de 2014 e tenha passado para terreno negativo em 2015, subiu pela primeira vez no último trimestre de 2016”.