Consequências das tensões causadas pela força do dólar

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Créditos: Timis Alexandra (Unsplash)

A preeminência do dólar nas últimas três décadas teve pouco a ver com o facto de a moeda ter subido ou caído nos mercados de divisas. Mas a quantidade de dor que o seu aumento prolongado está agora a infligir, inclusive a outras economias desenvolvidas, é uma forte lembrança do seu domínio enraizado nos mercados financeiros e no comércio internacional. O Japão viu-se obrigado a intervir no mercado de divisas pela primeira vez desde 1998 para sustentar o iene, enquanto a queda da libra para mínimos históricos face ao dólar está a exacerbar a inflação e a pressionar o Banco de Inglaterra para que suba mais as taxas de juro.

Segundo Pascal Blanqué, presidente do Amundi Institute, uma solução a longo prazo para fazer face às tensões causadas pela força do dólar poderia ser um acordo para debilitar o dólar, tal como o que as principais economias realizaram no Hotel Plaza em 1985. Outra possibilidade seria, na sua opinião, uma guerra de divisas inversa, em que os países competem para fortalecer as suas moedas, em vez de enfraquecer. “O Japão está a mostrar o caminho”, afirma.

Um regime tenso

No entanto, o especialista considera que estas opções não solucionam as limitações de um regime que tem sido esgotado até ao limite. “A globalização tornou conveniente a fixação do preço de todos os passos das cadeias de abastecimento integradas na mesma moeda e nenhum outro rival esteve à altura da tarefa. Mas o aparecimento de um novo regime inflacionário, em grande medida impulsionado pela energia, pode mudar as coisas”, assinala o especialista.

Na sua opinião, a regionalização, o recuo das cadeias de valor globais e a deslocalização das atividades de produção tornarão o mundo menos dependente do dólar. “A recente militarização das reservas de divisas em resposta ao conflito da Ucrânia também mostrou aos bancos centrais não ocidentais que o acesso a estas reservas pode estar dependente da manutenção de boas relações com o ocidente”, recorda.

Aparecimento de dois blocos

Ao mesmo tempo, a China está a evoluir. “No passado, os países asiáticos, em particular a China, implementaram uma política deliberada de acumulação de reservas. Entre 2000 e 2022, as reservas mundiais multiplicaram-se por sete, e a China possui um pouco mais do que a quarta parte do total. Os anteriores episódios de fortalecimento do renminbi provocaram a intervenção oficial para enfraquecer o yuan face ao dólar. Não é certo que o mesmo aconteça na atualidade”.

A longo prazo, Blanqué considera que a procura interna irá desempenhar um papel mais importante na economia chinesa. “Para isso, é necessário reforçar o status internacional do renminbi como concorrente credível do dólar. O aparecimento de um sistema comercial de dois blocos em torno da China e dos Estados Unidos parece, portanto, plausível”.

No caso de esta hipótese ser cumprida, cada bloco utilizaria a moeda do seu país dominante como âncora. “Neste cenário, o comércio não daria lugar a fluxos massivos de capital, nem à acumulação de reservas de divisas. Devido à sua importância geopolítica estratégica, a energia seria um fator determinante. Os dois lados tratariam de fixar o preço do petróleo e do gás nas suas próprias moedas, estreitando os laços no âmbito geopolítico. Um exemplo de como isto poderá funcionar foi o facto de a Rússia e da China terem trocado recentemente os pagamentos dos abastecimentos de gás para rublos e yuans em vez de dólares”.

Outros países exportadores de petróleo, como a Rússia e os produtores do Médio Oriente, provavelmente continuariam a comprar tanto em dólares como yuans. A Europa, e provavelmente o Japão, continuariam a ser periféricos, mas ainda assim ligados ao bloco norte-americano, enquanto uma série de países emergentes maiores, como o Brasil, a Índia e a Indonésia, poderiam estabelecer um grupo não alinhado, indica o especialista.

Uma mudança pouco clara

Para Blanqué, o caminho até um sistema de dois blocos não é claro. “A China teria de aliviar os controlos do capital, fornecer um número crescente de renminbi e ativos denominados em renminbi ao mundo e, possivelmente, perder parte do seu controlo político interno. Além disso, a visão de um bloco da Ásia Central dominado pela China não coincide com as alianças existentes na região e os países satélites teriam de aceitar um certo grau de subordinação à política monetária do Banco Popular da China. Ainda assim, há indícios de que os bancos centrais da Ásia Oriental estão a limitar ativamente as flutuações das suas moedas face ao renminbi e não ao dólar”.

As hipóteses de o yuan se tornar a segunda âncora mundial aumentariam neste cenário. No entanto, não é claro se o dólar continuaria a ser dominante ou se produziria uma mudança durante décadas para um mundo multipolar.

“Qualquer mudança deste tipo implica tantos riscos como oportunidades. Os benefícios de uma diversificação monetária devem aumentar com a inflação e a dessincronização das políticas monetárias e dos ciclos económicos. São mudanças que levarão tempo a ocorrer. Entretanto, os investidores têm que navegar num mundo em que uma maior volatilidade das divisas voltou com força. As estratégias ativas para gerir os riscos das taxas de câmbio serão cada vez mais importantes para as carteiras”, conclui.