É necessário espaço para o investimento alternativo: do 60/40 ao 33/33/33

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Tiago Rabaça, Almudena Mendaza, Ricardo Seabra e Pedro Barata. Créditos: Vítor Duarte

O cenário macroeconómico mudou. Os especialistas põem em causa o tradicional portefólio 60/40 e olham para alternativas a este mercado. Surge uma classe de ativos, cada vez mais presente nas carteiras dos investidores, a classe de alternativos. A FundsPeople, em colaboração com a Generali Investments, juntou quatro profissionais para perceber como estes olham para esta classe de ativos e como se posicionam no segmento acionista.

Ricardo Seabra, gestor de ativos no BiG, fala de uma relação estatística que apoia esta mudança de paradigma: “Olhamos muito para a correlação entre o mercado acionista e o mercado obrigacionista, em momentos de inflação superior à esperada, esta é, no mínimo, muito volátil”. Para o gestor, este dado “permite especular que o portefólio tipo que maximiza a diversificação e que melhor remunera o risco passou de um 60/40 tradicional para um 33/33/33”. Fala-se de um portefólio com exposição a ações e obrigações, mas conta também com alternativos, tradicionalmente mais descorrelacionados com as classes mencionadas. Para Almudena Mendaza, diretora de Vendas para a Península Ibérica da Generali Investments, também “é importante a transição discutida, passando de um portefólio tradicional 60/40 para um que inclui alternativos na sua alocação”.

A diretora de vendas ibéricas descreve o interesse que tem sentido por este tipo de instrumento: “No que concerne produtos alternativos, assistimos a um aumento do interesse por parte dos investidores. Estes procuram investimentos mais pro-cíclicos como ativos reais e infraestruturas”. Do outro lado do mercado, Pedro Barata, gestor de portefólios na ASK, e Tiago Rabaça, analista na DWM - Millennium bcp, confirmam este interesse. O gestor da ASK descreve: “Em 2022 procurámos diminuir a correlação dos ativos no nosso portefólio através da inclusão de alguns alternativos. Esta classe de ativos continua presente na carteira. Falo de ativos como cat bonds, fundos de factoring, fundos imobiliários, estratégias de retorno absoluto e private equity”. Por sua vez, Tiago Rabaça destaca “um fundo CTA trend follower e um fundo equity longshort”. Segundo o analista, o fundo que visa capturar tendências através da negociação de futuros conseguiu navegar muito bem a dinâmica dos preços das matérias-primas, uma componente que considera ter sido muito importante em 2022. “O fundo equity-long short foi importante porque conseguiu aproveitar tanto o upside de umas, como o downside de outras empresas/indústrias, por via da dispersão resultante da volatilidade económica e geopolítica que se sentiu”, explicou o analista.

Para Almudena Mendaza, “o ano de 2022 foi um dos primeiros anos que, comparativamente com anos anteriores, os produtos alternativos realmente acrescentaram valor, talvez não tanto em termos absolutos, mas muito em termos relativos, com retornos positivos e um excelente binómio risco/retorno”. Os alternativos ganharam o seu espaço nas carteiras dos investidores. Ricardo Seabra explicou: “O cenário que vivemos nos últimos 30 anos é irrepetível. Acredito que não voltaremos tão cedo a um cenário de baixa inflação, baixa taxas de juro e por ganhos de eficiência por via de mais globalização. Penso que agora vamos ter que lidar com inflação acima das expectativas, volatilidade económica e volatilidade geopolítica. Posto isto, as estratégias que resultaram até agora, como o clássico portefólio 60/40, podem não resultar daqui para a frente”.

E os 33% alocados a ações?

Com a classe de alternativos, cobrimos um terço da carteira. A classe obrigacionista, tema quente nos últimos meses, representa o segundo terço. Sobra um, o alocado à componente acionista. O sentimento é positivo, e os especialistas partilham ideias. Tiago Rabaça diz mesmo: “Temos estado positivos em ações desde a recuperação pós-pandémica. Em termos relativos, quando comparado com obrigações governamentais, têm-se comportado francamente bem”.

As visões, na altura da discussão, convergiam para uma sobreponderação à Europa e um posicionamento neutro no mercado americano. O destaque surge para a troca para um estilo de investimento value. Pedro Barata destaca: “Fizemos a rotação de empresas de alto crescimento para empresas value. Neste momento, o que pretendemos é criar teses consistentes que apresentem retornos positivos aos investidores, um investimento temático. Um exemplo destes temas são as empresas de defesa, onde estamos investidos desde o início da guerra. Estamos também positivos em empresas de energia tradicional. Estão baratas e não descartamos um cenário similar ao do ano anterior, em que houve uma grande subida dos preços”. Segundo Almudena Mendaza, a Generali Invesments está focada em investir em empresas de qualidade. “Apesar de positivos, visamos investir em empresas de qualidade. Procuramos empresas que estejam a inovar no segmento onde se enquadram. As empresas de qualidade tendem a ser mais robustas e a aguentar melhor períodos de grande volatilidade, apresentando um perfil retorno/risco superior”, explica a diretora de vendas.

Apesar de, na sua generalidade, os especialistas não estarem tão otimistas para o curto prazo do mercado acionista americano, Tiago Rabaça alerta para um potencial ponto de inversão. Segundo o analista, o fim das subidas de taxas será um ponto importante para um mercado especialmente composto por empresas tecnológicas. Ainda Almudena Mendaza, destaca outra oportunidade que avista no mercado americano: “Apesar de neutros nos EUA, estamos muito atentos às empresas de pequena capitalização americana. Tipicamente as pessoas pensam que as start up são apenas empresas tecnológicas ainda na fase inicial do seu ciclo, no entanto, em particular nos EUA, este segmento tem muita variedade e potencial. Neste mercado conseguimos encontrar empresas consideradas de pequena dimensão que, contudo, são similares a algumas empresas de grande capitalização europeias. Estas empresas assumem os custos acrescidos de financiamento enquanto continuam a desenvolver o seu plano de negócio”.

Por fim, tocamos no ponto dos mercados emergentes. A diretora de vendas da Generali defende este mercado, mas alerta para a presença de um perigo: “Encontramos algumas oportunidades interessantes na China. Tem havido interesse, mas as pessoas estão preocupadas com o efeito cambial associado a este tipo de investimento”, concluiu.