Fundos semilíquidos: o que saber antes de investir

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Créditos: Chris Lawton (Unsplash)

As barreiras que limitavam o acesso dos investidores não institucionais aos mercados privados estão a ser contornadas, ao mesmo tempo que as gestoras (general partners) criam estruturas inovadoras que permitem atrair capital de investidores particulares. Um exemplo disso é a proliferação de veículos evergreen, cujo número duplicou nos últimos cinco anos. Segundo dados de Preqin, no final de 2023, havia 520 veículos cujo volume total era superior a 350.000 milhões de dólares.

A equipa de Private Markets Analysis & Selection da Quality Funds BBVA, composta por Mónica Gordillo, Noemí Said e Patricia García, explica que um fundo evergreen é um fundo que tem uma vida infinita e um período de investimento indefinido. “O capital está sempre totalmente investido. Estes fundos permitem que seja o investidor (limited partner) e não o general partner a estabelecer os períodos de entrada e saída. Quando um limited partner pretende recuperar o seu investimento, é iniciado um período de liquidação das suas posições (sem que exista um prazo pré-estipulado para que isto aconteça) que se possa estender por vários anos”, assinalam.

“Existem diferenças notáveis entre os fundos semilíquidos em termos da sua configuração, estrutura, investimentos subjacentes, valorização, pelos limites ou janelas de liquidez”, afirma a equipa.

Os fundos evergreen têm várias construções possíveis que incluem fundos abertos, de capital perpétuo e semilíquidos. A irrupção de soluções evergreen semilíquidas “podem ser consideradas uma evolução natural em mercados privados. A principal caraterística dos fundos evergreen semilíquidos reside no mecanismo de saída, que costuma ser mais padronizado, com janelas de liquidez periódicas definidas e sistemas de gating”, explica Guglielmo Russo Walti da equipa de Business Development da StepStone

Romain Ribello, country head da Península Ibérica da Cedrus & Partners, resume em três os benefícios destes veículos: retorno, visto que o investidor pode capitalizar as suas distribuições, estar sempre investido, tendo uma alocação constante, e diversificação por ano e estratégias, o que reduz a volatilidade teórica.

“Cada vez se observa mais um aumento por parte dos investidores na procura de liquidez nos seus investimentos, mesmo em fundos que investem principalmente numa classe de ativos ilíquido”, explicam Isabel Rodríguez e Jan Gruter, da Addleshaw Goddard. “Embora não seja um processo simples, os gestores de fundos estão a procurar opções que permitam continuar a aumentar os compromissos do fundo ao adotar estruturas a longo prazo ou abertas (evergreen), conseguindo simultaneamente satisfazer a procura por liquidez dos investidores”.

A principal vantagem destes produtos, segundo as gestoras, é permitirem melhorar a exposição aos mercados privados. Assim o manifesta Guy Lodewyckx, deputy-CIO da Amundi-Alpha Associates. “O limited partner consegue uma exposição imediata, sem um longo e incerto período de investimento. A alocação aos mercados privados pode ser ajustada continuamente em função do contexto e das oportunidades de mercado, e, além disso, pode-se tomar a decisão de reduzir a exposição a qualquer altura”, acrescenta.

Diversidade e complexidade: foco nas equipas de análise e seleção

Gerir um fundo que permite subscrições e reembolsos periódicos, investindo em subjacentes ilíquidos, é, por natureza, um desafio. “Os general partners devem mostrar grandes conhecimentos e experiência na gestão deste tipo de estruturas”, explica a equipa da Quality Funds BBVA. Além disso, apesar de partilharem uma mesma etiqueta, existem diferenças notáveis entre os fundos semilíquidos”, como referido anteriormente. Ao contrário do que acontece nas estruturas tradicionais de private equity, “não foi possível estruturar as condições deste tipo de estruturas, e estas devem ser avaliadas caso a caso”, complementam os advogados da Addleshaw Goddard.

Isto realça o trabalho das equipas de análise de fundos cuja disciplina de seleção tem de ir um passo além do complexo processo de due diligence de fundos fechados. Que elementos adicionais devem ser tidos em conta?

Dimensão do fundo

“Podemos começar pela dimensão do fundo”. Cipriano Sancho, responsável de Investimentos Alternativos na Santander AM, assinala que a estratégia deve ter uma massa crítica que lhe permita operar sem uma elevada dependência dos níveis de atividade de fluxos dos limited partners. Isto facilita a gestão da liquidez e das mudanças bruscas na composição da carteira, minimizando o impacto nas valorizações.

Dado que a maior parte dos fundos contam com janelas de liquidez calculadas com base no NAV do fundo, na Quality Funds BBVA alertam que se o fundo for muito pequeno “pode existir um risco de concentração no mesmo, inclusive a impossibilidade de poder recuperar o investimento de maneira relativamente rápida no caso de solicitação de reembolso”.

Construção da carteira

A gestão da liquidez está muito relacionada com a construção do portefólio, que deve ser realizada “utilizando técnicas sofisticadas e dinâmicas que combinem diferentes subclasses de ativos e estratégias para garantir que os fluxos de liquidez dos ativos da carteira conseguem suportar os reembolsos”, explica Anna Serafini, head of Private Equity Strategies da Sabadell AM, acrescentando que “a gestora tem de ter capacidades a nível operacional que permitam gerir a complexidade contável e de informação que englobam”.

Normalmente, há duas formas de proporcionar liquidez aos investidores, explica Guy Lodewyckx: vender ativos quando necessário ou construir uma carteira com uma forte geração de fluxo de caixa, sendo preferível a segunda opção. “Uma carteira investida com fortes pautas de diversificação (por ano, região, setor ou até classe de ativos) pode oferecer fluxos de caixa substanciais, estáveis e previsíveis. Para isso, as estratégias multigestor são uma ferramenta muito poderosa”, aponta.

Mecanismos de liquidez

Isto resulta num correto entendimento dos mecanismos de liquidez, tanto de entrada como de saída, o que implica conhecer os níveis das filas de entrada/saída, as chamadas de capital, os lock-ups (soft ou hard), a frequência, as valorizações, os gates, a capacidade do gestor de adiar saídas, possíveis penalizações, etc. “A maioria dos problemas dos investidores com os fundos semilíquidos ocorre em momentos de baixa liquidez, em que o gestor lhes adia a saída com o objetivo de proteger os investimentos no fundo. Se se investir nestes veículos, é preciso estar consciente e saber as regras do jogo que o gestor estabeleceu”, explica Sancho.

Estratégias para otimizar o investimento em fundos privados

A situação dos volumes de filas de entradas e saídas é relevante porque se houver muito volume de entrada, “o investimento dependerá do pipeline, pelo que se pode atrasar”, explica. Caso contrário, o desembolso do investimento acelera, porque o capital comprometido é utilizado para cobrir as saídas”.

Rapidez do investimento

Outra variável é a rapidez com que se realiza o investimento. “É necessário que os montantes subscritos mensal ou trimestralmente sejam investidos em ativos de mercados privados na maior brevidade possível para não prejudicar a rentabilidade do fundo”, apontam na Quality Funds BBVA. Condiciona se se investir de uma só vez ou de forma gradual, visto que “a rapidez do desembolso do investimento costuma ser uma vantagem destes fundos face aos fundos fechados, nos casos em que o investimento é executado numa só chamada de capital. Põe-se o dinheiro a trabalhar de uma forma mais eficiente e a IRR traduz-se em melhores múltiplos”, aponta Sancho.

Capacidades

Evidentemente, a gestora tem de ter capacidades para gerar oportunidades de investimento e aceder às mesmas nas mesmas condições que os limited partners institucionais. Capacidades também a nível operacional que permitam “suportar a complexidade contável e de informação que englobam”, assinala Anna Serafini.

Track record

Embora o objetivo do investimento nestes fundos deva ser a longo prazo, os especialistas assinalam a conveniência de fazer uma análise dos fluxos de entrada e saída do fundo em diferentes períodos e contextos. Na Quality Funds BBVA, “aplicamos o princípio de cautela e solicitamos o máximo detalhe destes fluxos. É necessário que os fundos disponham de um track record suficiente e de um mínimo de ativos geridos para se poder analisar o fundo”, aponta.

Revisão da carteira

E qual é a qualidade dos ativos a comprar? Para Cipriano Sancho este é, possivelmente, o fator mais importante. Dá foco à revisão contínua da carteira para “conhecer o grau de estabilização e maturidade dos ativos e saber quais se encontram à disposição (se se quiser vender)”, explica. Esta qualidade está relacionada com a dimensão que a estratégia pode atingir. Ao contrário de um fundo fechado em que o seu volume fica fixado no período de fundraising, os semilíquidos podem crescer ilimitadamente. “Quando os fundos alcançam os volumes elevados (alguns contam com mais de 20 anos de história e vários milhares de milhões de euros), é fundamental que o general partner tenha uma política de gestão das capacidades do fundo”, alertam na Quality Funds BBVA.

Embora os fundos semilíquidos possam oferecer uma determinada flexibilidade em termos de liquidez, nunca devem ser tratados como posições de curto prazo, salienta Anna Serafini. Exigem uma abordagem de longo prazo como qualquer posição em mercados privados. A chave para o sucesso destas estratégias será, acima de tudo, a explicação aos investidores.