Investir no tema blockchain não é uma linha reta

Sébastien Genoud e Julien Godat
Sébastien Genoud e Julien Godat. Créditos: Cedidas (L1 Digital)

Um dos temas mais quentes dos últimos anos, o mundo dos ativos digitais, foi central num encontro promovido recentemente pela Capital Strategies Partners. Julien Godat e Sébastien Genoud, membros da equipa da L1 Digital, uma das primeiras gestoras de ativos reguladas na Suíça totalmente dedicada ao espaço blockchain, trouxeram uma visão especialista sobre a tecnologia e os seus derivados para partilhar e discutir com alguns profissionais de investimento nacionais. É uma visão que resulta de uma dedicação profunda a estudar o investment case da tecnologia blockchain e dos ativos digitais, que lhes permite olhar para o tema com a clareza que muitas vezes falta nos fóruns de discussão mais informais, como os que ocorrem no Twitter.

“Eu acredito profundamente que a tecnologia blockchain vai ter um impacto importante na economia. Ouvimos muitas vezes falar de criptomoedas, mas não estamos aqui para substituir o dinheiro, mas sim para desenvolver um novo tipo de internet”, introduz Julien Godat, sócio gerente na entidade. 

A entidade gestora de capital de risco, incorporada em 2018, nasceu das mãos de um conjunto de profissionais que já vinham acompanhando o mundo dos ativos digitais e da tecnologia blockchain desde que a bitcoin despontou em 2009. “Nasceu a empresa porque estavam convictos do surgimento de uma nova classe de ativos habilitada pela tecnologia blockchain.  Demorou muito tempo para a equipa conhecer profundamente o espaço e, mesmo assim, existem ainda muitas áreas cinzentas, mas anos depois, existem já mais 800 fundos totalmente dedicados ao espaço dos ativos digitais”, conta Sébastien Genoud, responsável de Desenvolvimento de Negócio Institucional.

No princípio era a bitcoin…

“Toda a gente conhece e fala de bitcoin, mas a verdade é que o mercado é composto por mais de 20 ou 30.000 projetos e tokens distintos. Olhando para o top 20 dos ativos digitais, a bitcoin é ainda o maior, mas a sua preponderância tem vindo a diminuir rapidamente. É todo um espaço muito volátil, com muitas ineficiências e muita especulação. Nesse Top 20, posso dizer com elevada confiança, que metade não vai sobreviver”, expõe Julien Godat. Para o profissional, ao investir neste espaço o grande desafio é ter acesso a qualidade. Qualidade em termos de informação, em termos de equipas e em termos de projetos. 

Na verdade, segundo diz, a Web 3.0, a internet habilitada pela blockchain, é 3.0 porque representa a terceira revolução desde o advento da internet. "E se olharmos para a nossa vida digital, que começou nos anos 80, recordamos que a grande inovação veio através do email". Por outro lado, a Web 2.0, a base da experiência digital dos dias de hoje, é a web das redes sociais. “Esta ronda de inovação foi a que trouxe consigo os gigantes tecnológicos de hoje, como a Google, Amazon, Meta ou Tencent”, diz. As sementes da terceira onda de inovação, por seu lado, foram lançadas com o nascimento da bitcoin em 2009. “É, de facto, a primeira aplicação prática da tecnologia blockchain. No entanto, nasceu como uma potencial rede de pagamentos. Apesar de ainda não ter alcançado tal objetivo, o que fica claro é que esta primeira experiência permitiu que soluções digitais florescessem e se aprimorassem.

A seguinte grande inovação neste espaço foi a possibilidade de programar smart contracts numa plataforma descentralizada, o que se materializou na Ethereum. Foi aqui que nasceu verdadeiramente a nova internet”, diz. Para o especialista, esta permite que se construam sobre plataformas descentralizadas soluções em áreas tão diversas como na das comunicações, finanças ou streaming de vídeo e música. “Estamos ainda no princípio do ciclo de inovação, mas o que é certo é que a tecnologia permitirá que tenhamos serviços mais baratos, sem intermediários e com um acesso 24/7 a qualquer pessoa que tenha acesso à internet. Esta é a promessa, a visão de longo prazo. Mas não estamos lá ainda e é por isso que há muitas oportunidades de investimento”, conclui Julian Godat. 

Investir em blockchain

Para os profissionais da L1 Digital é um grande desafio identificar os projetos que vão perdurar e florescer. Por isso, a única abordagem possível é através do investimento de capital de risco. O mundo cotado ainda não permite que se aborde o tema de forma adequada. 

Segundo Sébastien Genoud, o processo está muito centrado na avaliação da qualidade da equipa à frente do projeto. “Temos que ter equipas capazes de adaptar o seu modelo de negócio à evolução da tecnologia, suportados por grandes players e com acesso ao mercado”. E claro, com diversificação. “A diversificação é o único almoço grátis. Por isso diversificamos o nosso investimento não só em termos de setores, mas também através de chains. É a única forma de conseguirmos selecionar, esperamos, alguns dos grandes vencedores. Em cada segmento do mercado vão existir projetos dominantes, seja pela robustez da equipa, seja pela tecnologia, mas não vai ser uma linha reta”, exclama o profissional. 

Falamos de um investimento alternativo. Ou como diz Julien Godat, “o alternativo do alternativo”. É um tema e uma abordagem que, segundo diz, faz sentido para investidores institucionais com compartimentos temáticos ou oportunísticos nos seus portefólios. Num mercado que conhece bem, o dos fundos de pensões na Suíça, tem visto alguns investidores a alocar 20 ou 50 pontos base da carteira a esta temática. “Estamos a falar de elevados níveis de volatilidade, mas com 50 pontos base o impacto é mínimo na volatilidade do portefólio. No entanto, em fundos de pensões têm operado com objetivos de rentabilidade na ordem dos 3% ao ano, o potencial upside é muito significativo”, conclui.