Os últimos anos alimentaram o mito do excecionalismo da economia dos EUA. No entanto, de acordo com Ana Gomes, consultora de investimento sénior no novobanco, o início deste ano tem questionado essa narrativa.
O Chart of the Week é da autoria de Ana Gomes, consultora de investimento sénior no novobanco.
Os últimos anos alimentaram o mito do excecionalismo da economia dos EUA. Mesmo diante dos mais diversos desafios — sejam guerras, pandemias, ou crises globais — a economia americana parecia ser à prova de bala. Os seus ativos exibiam, de forma única, consistente e permanente, um desempenho favorável e acima do observado noutras economias.
A flexibilidade e produtividade da economia, o dinamismo do setor tecnológico, o forte consumo interno e os estímulos monetários e fiscais sustentaram essa atratividade e os retornos acima da média dos seus ativos. Esse cenário fez com que os EUA fossem vistos como o destino preferencial dos investidores.
Contudo, o início deste ano tem questionado essa narrativa. Os principais índices americanos registam perdas consideráveis year-to-date, enquanto os mercados europeu e chinês apresentam ganhos expressivos — uma inversão clara da tendência dos últimos anos, bem ilustrada pelo gráfico. Esse movimento levanta dúvidas sobre a continuidade da hegemonia económica americana.
A expetativa de que a Trumpeconomics reforçasse o desempenho dos ativos americanos tem-se desvanecido. Medidas como cortes de impostos, desregulamentação e aumento da oferta de energia ainda não se traduziram em crescimento visível. Pelo contrário, indicadores recentes sugerem um abrandamento económico mais rápido do que o antecipado, agravado pelo elevado nível de incerteza política, com as declarações erráticas de Trump, gerando volatilidade e incerteza ao mercado.
A instabilidade em torno da política comercial americana tem deixado os consumidores incertos, levando à retração dos gastos e à limitação do desenvolvimento das empresas norte-americanas. Para além do impacto na inflação, as tarifas impostas afetam também o crescimento económico, o que tem resultado na revisão em baixa das previsões para a economia dos EUA.
Este ambiente de incerteza política e económica levou a uma forte rotação de ativos, principalmente das mega-caps tecnológicas dos EUA, em prol dos mercados europeu e chinês, como ilustra o gráfico. Adicionalmente, há vários indicadores que apontam para a sobrevalorização do mercado acionista americano. O Buffett Indicator, que mede o market cap do S&P 500 como percentagem do PIB, é um exemplo disso, revelando um marcado acionista caro.
Diante desse contexto, uma nova questão paira na mente dos investidores: estará o excecionalismo da economia norte-americana a chegar ao fim? E, se assim for, estarão os investidores preparados para um mundo onde esta economia já não dita as regras? Ainda poderá ser cedo para decretar o fim do excecionalismo americano. Mas os mercados, de forma rara nas últimas décadas, parecem colocar esta questão.