Chart of the week: dados de inflação dos EUA a acentuar o dilema da Fed

Vânia Ribeiro
Vânia Ribeiro. Créditos: Cedida (BPI GA)

Chart of the Week é da autoria de Vânia Ribeiro, senior portfolio manager, BPI Gestão de Ativos.

Ainda transitória? A inflação no índice de preços do consumidor (CPI) dos EUA relativa ao mês de outubro revelou o valor mais elevado das últimas três décadas, com o CPI a crescer 6.4% e o CPI Core 4.6% (excluindo energia e bens alimentares) face ao período homólogo.

Para além de ser um marco histórico foi uma surpresa a todos os níveis porque:  1) os fatores transitórios, relacionados com as disrupções nas cadeias de valor e o processo de reabertura económico (por ex: carros novos e usados, alojamento) estão a prolongar-se no tempo mais do que o esperado e 2) os fatores persistentes, como as rendas e os itens mais relacionados com custos salariais, estão a aparecer mais cedo e a um ritmo superior ao esperado. A este nível, vale a pena destacar, pelo segundo mês consecutivo, o maior aumento mensal dos últimos 15 anos na componente de rendas, que pesa 46% no CPI Core. Tendência similar é observável noutras rubricas de serviços, como as refeições em restaurantes, ilustrando a rápida passagem da subida dos salários para os preços do consumidor.

Esta dinâmica demonstra que o risco de a Fed não conseguir continuar com a narrativa de que a inflação é transitória está a aumentar. Jerome Powell reconheceu isso mesmo na reunião de política monetária na semana passada, quando anunciou que iria começar a partir de novembro a reduzir o programa de compra de ativos. Dada a incerteza sobre o outlook e o curso da política monetária, Jerome Powell salientou, contudo, a existência de flexibilidade para acelerar ou suavizar o ajustamento no caso do cenário macroeconómico se alterar. Todavia os investidores acham que isto não é suficiente e que a política monetária tem que ser mais restritiva. Este ponto é visível na atual divergência entre os DOTS e o que o mercado de futuros da taxa da Fed está a descontar para o ciclo de subida de taxas de juro. Enquanto a Reserva Federal espera que a primeira subida venha a ocorrer apenas em 2023, os mercados de futuros estão agora a descontar duas subidas e meia de 25 bps em 2022, meia subida acima do esperado antes da divulgação da inflação, com a primeira subida a ser antecipada para julho de 2022.

É importante não esquecer que a Fed teve mais de uma década a falhar o target de inflação (o que levou à revisão do framework da sua política no ano passado) e quando o consegue atingir, enfrenta dois constrangimentos decorrentes de: 1) haver bastante incerteza sobre onde estabilizará a inflação no próximo ano, quando os fatores transitórios se desvanecerem e 2) ainda não conseguiu atingir o segundo mandato de pleno-emprego. Neste contexto, será importante ter em atenção não só aos discursos dos membros da Reserva Federal nas próximas semanas, como também, e acima de tudo, acompanhar a reunião de política monetária em 15 de dezembro para aferir se: 1) será alterado o ritmo e/ou a data de término do tapering, 2) haverá convergência dos DOTS para o pricing de mercado e 3) qual a nova aferição do outlook económico e de inflação.

A maneira mais ilustrativa de sintetizar esta ideia graficamente está presente no gráfico. Com a taxa da Fed próxima de 0% e inflação em 6%, a taxa de juro real de curto prazo está em mínimos desde 1970.  Política da Fed demasiado acomodatícia ou é simplesmente temporário?

Fonte: Bloomberg