António Pereira e Jiayu Wang partilham diferentes ferramentas para enfrentar o contexto de baixas rentabilidades a longo prazo.
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TRIBUNA de António Pereira e Jiayu Wang. Comentário elaborado através de uma parceria entre a VITALIS e a Lisbon Investment Society.
Tantas vezes vai o cântaro à fonte que...
A história deste artigo começa em 2008 com a crise financeira que dizimara por completo uma economia global que até então vivera anos de crescimento sem igual. No entanto muito deste dito crescimento ocorreria com uma boa ajuda da desregulação dos mercados financeiros (através de, entre outros atos legislativos, Garn-St German – 1982, Riegle-Neal - 1994 e Gramm-Leach-Bliley – 1999) que por sua vez levara a um aumento desenfreado e altamente desregulado da atividade bancária cujas consequências apenas viriam à tona com o rebentar da bolha imobiliária em finais de 2007 / meados de 2008, despoletando uma crise económica e financeira global apenas equiparável ao crash de 1929.
Com o intuito de reerguer a economia após o crash de 2008, foram colocadas em prática políticas macroeconómicas expansionistas através da injeção de liquidez nos mercados, quer por flexibilização quantitativa (o famoso quantitative easing), quer por redução das taxas de juro de referência, este último colocando um problema na gestão de ativos financeiros para fundos de pensões que até então viam em títulos e obrigações de tesouro produtos financeiros de baixo risco e rendimento confortável.
Estas mesmas reduções de taxas de juro acabariam por gerar uma espécie de efeito aditivo nas economias levando a que muitas mantivessem baixos níveis para as taxas de referência mesmo depois de sair do fosso gerado pela crise de 2008, tanto que, chegado janeiro de 2020, vive-se um ambiente de low-yields e uma necessidade de governos em todo o mundo de injetar ainda mais liquidez para contrabalançar o shutdown económico forçado pela pandemia. Ora, se a gestão de ativos financeiros já estava comprometida com as políticas macroeconómicas pós-2008, ainda pior ficou com as necessidades de liquidez, e consequente redução das taxas de referência a que a pandemia obrigou. Por outras palavras, o ambiente de low-yields pré-2020 junto com os estímulos forçados pela pandemia acabariam por formar uma tempestade perfeita para a gestão de fundos de pensões.
Neste momento temos economias viciadas em taxas de juro baixas e a inflação a bater à porta. É caso para dizer que tantas vezes o cântaro foi à fonte, que acabou por lá ficar. E sem cântaro para coletar o nosso bem precioso, será interessante acompanhar in loco a forma de como as economias irão saciar a sua adição pelas baixas taxas de juro e que consequências poderão ocorrer nos mercados capitais.
Inevitável search-for-yield
Os fundos de pensões acabam por ser influenciados pelo ambiente de low-yields devido a várias razões:
- O aumento substancial no valor atual do passivo de fundos de pensões de benefício definido (com a redução das taxas de juro, o valor presente das obrigações aumenta), que leva a uma redução do rácio de ativo / passivo.
- Redução do espectro de conjunto de produtos financeiros viáveis, devido ao baixo retorno evidenciado pelos produtos de rendimento fixo.
- Expectável (e necessária) flight-to-yield com aumento da porção de ativos de risco moderado/elevado em portefólio.
Focando um pouco na primeira razão supramencionada, o objetivo de gestores de fundos de pensões passa aqui por estreitar a duration entre ativo e passivo. Importante mencionar que a duration do passivo pode ser vista como a sua sensibilidade às taxas de juro. Como resultado de uma duration maior, os portefólios vão estar sujeitos a um impacto maior quando as taxas de juro oscilarem, resultando num menor rácio ativo/passivo. Por outras palavras, gestores de fundos de pensões devem ansiar pelo dia em que podem voluntariamente exercer um flight-to-quality e trocar ativos de risco por ativos mais estáveis de forma a reduzir a duration gap.
De acordo com um estudo publicado pelo Pensions Europe, grande partes dos planos fundos de pensões são planos de benefício definido, havendo no entanto uma tendência para planos de contribuição definida e planos de contribuição definida coletiva (CDC). Referir ainda que, a curto prazo, o segundo pilar de novos planos de pensões é expetável que cresça dada a tendência verificada para planos de contribuição definida e à medida que planos de benefício definido encerram.
Em relação ao ponto 3 mencionado acima, verificou-se na última década uma inevitável search-for yield, com um shift de produtos de rendimento fixo para produtos de risco mais elevado que providenciem com os proveitos necessários para fazer face ao pagamento das pensões (com realce para os planos de benefício definido ainda em prática). E este shift para investimentos de risco superior aparece sobre várias facetas: na Áustria, por exemplo, verificou-se um shift de títulos para ações; na Bélgica, um shift de títulos de tesouro para títulos corporativos; na Suíça, de títulos para investimentos alternativos; em Espanha, uma tendência para títulos de curto-prazo. Analisando mais em concreto o caso português, cerca de 58% dos ativos são denominados em produtos de rendimento fixo, 28% em ações, 5% em ativos de alta liquidez e os restantes 9% divididos entre investimentos alternativos e outros tipos de investimentos. De acordo com um relatório publicado pela Willis Towers Watson, o retorno anualizado a 5 anos dos fundos de pensões portugueses ronda os 3.1%. Como seria de esperar, em Portugal evidencia-se uma tendência de flight-to-yield com aumento gradual da porção empregue a ativos de risco moderado/elevado.
De forma a sobreviver num ambiente de taxas de juro baixas, gestores de fundos de pensões podem fazer uso de várias ferramentas, nomeadamente:
- Seguir uma matching strategy de ativo / passivo ou alternativamente fazer hedging da duration gap relativa ao ativo/passivo.
- Fechar planos atuais e oferecer planos menos atrativos.
- Aumentar a taxa de contribuição
- Flight-to-yield através do aumento da porção de ativos alocada a ativos de risco moderado/elevado
No entanto, uma das implicações de uma flight-to-yield prende-se com um aumento da procura de ativos financeiros como ações, alimentando possíveis bolhas financeiras. Esta preocupação com uma deslocação para mercados bolsistas não é nova. Em 2011(!), a OCDE lançava um relatório onde demonstrava esta mesma preocupação: “fundos de pensões, em particular fundos de benefício definido, podem intensificar uma search-for-yield ao comprar ativos financeiros de maior risco, incluindo produtos com pouca liquidez e transparência (n.d.r. OCDE a antever o surgimento das criptomoedas). Na procura por investimentos rentáveis, podem intensificar bolhas de ativos financeiros, causando instabilidade em fluxos de investimentos e preços de ativos”.
Varre para debaixo do tapete!
Hoje, o problema já descrito é amplificado pela procura desenfreada por produtos financeiros verificada de há um par de anos para cá, com a introdução de plataformas de trading com taxas reduzidas (ou nulas) que permitem ao consumidor comum investir em mercados bolsistas, aumento assim a procura por este tipo de produtos, colocando cada vez mais em causa o valor real dos ativos financeiros. É ainda possível identificar 4 fatores que devem ser um motivo de atenção para gestores de fundos de pensões.
- Efeitos de Substituição Intertemporal (Inflação) – Como o gráfico 1 demonstra, consumidores têm vindo a antecipar altos níveis de inflação para os próximos anos. O raciocínio é óbvio e lógico: os pacotes recorde de estímulos a que a pandemia obrigou, injetaram excesso de liquidez nos mercados, aquecendo a economia através de um aumento induzido da procura, seguindo-se um esperado aumento generalizado dos preços. Mediante um ambiente inflacionário, teoria económica diz-nos que o consumidor comum, face ao maior custo de consumo no futuro, irá optar por consumir mais hoje em detrimento de consumo no futuro. Este comportamento acaba por dar ainda mais força a um aumento da inflação devido ao aumento da procura gerado pelo receio de um período inflacionário. Por esta lógica há até quem argumente que períodos inflacionários são um problema endógeno, gerado e / ou amplificado pelo comportamento humano e não tanto por políticas macroeconómicas per se.
- Excesso de Liquidez – devido aos pacotes de estímulos económicos, há hoje um excesso de liquidez nas economias. Ora, o consumidor comum face a este excesso de liquidez, pode ver nos mercados financeiros uma alternativa viável a depósitos em contas a prazo ou investimentos em produtos de rendimento fixo, ambos atualmente com rendimentos muito próximos do nulo.
- Efeito FOMO – Fear of Missing Out representa um comportamento típico de mercados financeiros onde o investidor comum vendo ganhos atrativos numa determinada classe de ativos, escolhe investir com receio de “perder o comboio” e falhar em potenciais ganhos. E depois temos uma bola de neve: quanto maior a procura por produtos financeiros, mais apelativos serão os ganhos e maior será o impacto do efeito FOMO, aumentando ainda mais a procura, dando mais força a uma bolha de mercados financeiros, que tarda em se ajustar. E quanto mais tarde for o ajuste, em teoria, maior será o seu impacto. Por enquanto, com tantos problemas económicos e geopolíticos em mente, o melhor mesmo é varrer para debaixo do tapete.
- Por último, no caso do ambiente inflacionário se tornar demasiado hostil, bancos centrais podem ver-se obrigados a aumentar as taxas de juro de referência. Se for o caso, pode vir a verificar-se uma diminuição da rentabilidade das ações, dado o esperado arrefecimento da economia e maiores encargos das empresas no que toca a custos de financiamento. Este fator juntamente com o aumento da rentabilidade de produtos de rendimento fixo poderão levar a um crowding out effect dos mercados de ações.
Gestores de fundos de pensões devem ter em consideração não só os fatores e problemas aqui mencionados, mas também começar a abordar a engendrar um plano estratégico que lhes permita sobreviver aquando de um eventual ajuste no mercado que traga os preços de ativos financeiros próximo do seu valor intrínseco.