Bruno Costa, partner da Dolat Capital, analisa a recente carta anual de Warren Buffett.
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(Artigo de opinião da autoria de Bruno Costa, partner, Dolat Capital.)
A empresa norte-americana Berkshire Hathaway, liderada pelo conhecido investidor Warren Buffett, divulgou no passado dia 27 de fevereiro o seu relatório anual1. Como é seu hábito, Buffett inclui no relatório uma carta2 dirigida aos acionistas da empresa, onde descreve de forma sumária a evolução da carteira da Berkshire, o racional de alguns investimentos, bem como as principais tendências de mercado.
1. Invista em negócios com “Valor”
Mais interessante que analisar com detalhe a composição da carteira da Berkshire, é talvez constatar que, ao longo das 14 páginas que compõem a carta dirigida aos acionistas, Buffett relembra alguns dos princípios de investimento que, desde sempre, pautaram a sua atuação enquanto investidor no mercado de ações. Alguns desses princípios são idênticos aos defendidos por John Bogle, pai da gestão passiva e fundador da gestora de fundos indexados Vanguard, como veremos nos parágrafos seguintes.
A melhor forma de capturar os ganhos operacionais gerados pelas empresas, através de vários ciclos económicos, é manter-se investido durante um horizonte temporal longo (se possível “em perpetuidade”). A Berkshire mantém algumas empresas na sua carteira de investimentos há várias décadas.
Por um lado, a manutenção das posições e o reinvestimento de eventuais dividendos permite aos investidores beneficiarem do poderoso efeito da capitalização. Por outro lado, um baixo turnover dos investimentos mantém os custos de transação baixos, evitando a realização de múltiplas compras e vendas, numa tentativa de encontrar os melhores momentos de entrada e saída (market timing) para cada investimento.
O princípio da manutenção dos investimentos por um horizonte temporal longo é igualmente proposto por John Bogle. Além de baixar os custos de transação, esta prática também permite evitar, no curto prazo, o pagamento de impostos associados às mais-valias geradas com sucessivas compras e vendas. A parte dos dividendos e ganhos de capital que não é consumida pelos custos de transação e pelos impostos contribui para que, a longo prazo, o efeito da capitalização se faça sentir de forma ainda mais acentuada para os investidores.
Este é, talvez, o principal vetor de investimento para Warren Buffett: encontrar empresas que, ano após ano, tenham a capacidade de gerar bons resultados operacionais, seja por beneficiarem de vantagens competitivas no setor em que desenvolvem a sua atividade, seja pela atuação de uma equipa de gestão competente e estável. Igualmente importante é que a aquisição destas empresas seja feita a um preço “justo”, que corresponda ao seu valor intrínseco e não esteja dependente de flutuações excessivas do mercado. Mas é, sobretudo, a partir da geração de resultados operacionais que as empresas obtêm lucros que, por sua vez, podem ser reinvestidos, permitindo às empresas financiar de forma orgânica o seu crescimento, ou distribuídos aos acionistas sob a forma de dividendos, caso não existam, no imediato, projetos de investimento com rendibilidade esperada suficientemente interessante.
Bogle defende3, precisamente, que a maior parte da rendibilidade obtida com o investimento em ações se deve aos dividendos distribuídos e aos lucros reinvestidos que, a longo prazo, conduzem a ganhos de capital. Por outro lado, apenas uma parte marginal da valorização das empresas se deve a movimentos especulativos operados no mercado de ações.
1 https://www.berkshirehathaway.com/2020ar/2020ar.pdf
2 Páginas 3 a 15 do relatório anual.
3 The Little Book of Common Sense Investing: the only way to guarantee your fair share of stock market returns, Wiley, 2007
2. Buy and Hold (Forever)
A melhor forma de capturar os ganhos operacionais gerados pelas empresas, através de vários ciclos económicos, é manter-se investido durante um horizonte temporal longo (se possível “em perpetuidade”). A Berkshire mantém algumas empresas na sua carteira de investimentos há várias décadas.
Por um lado, a manutenção das posições e o reinvestimento de eventuais dividendos permite aos investidores beneficiarem do poderoso efeito da capitalização. Por outro lado, um baixo turnover dos investimentos mantém os custos de transação baixos, evitando a realização de múltiplas compras e vendas, numa tentativa de encontrar os melhores momentos de entrada e saída (market timing) para cada investimento.
O princípio da manutenção dos investimentos por um horizonte temporal longo é igualmente proposto por John Bogle. Além de baixar os custos de transação, esta prática também permite evitar, no curto prazo, o pagamento de impostos associados às mais-valias geradas com sucessivas compras e vendas. A parte dos dividendos e ganhos de capital que não é consumida pelos custos de transação e pelos impostos contribui para que, a longo prazo, o efeito da capitalização se faça sentir de forma ainda mais acentuada para os investidores.
3. Diversificação
Ao longo das últimas décadas, a Berkshire alocou partes da sua carteira a empresas de diferentes setores, uns mais cíclicos, outros menos, mas sempre de forma equilibrada. O objetivo principal é o de atenuar os efeitos negativos sentidos por algumas empresas com a performance de outras, menos dependentes da evolução dos sucessivos ciclos económicos. Atualmente, a Berkshire investe em dezenas de empresas espalhadas por diversos setores, incluindo Banca e Seguros, Tecnologia, Comunicações, Energia, Indústria, Produtos de Consumo e Transportes.
A extrema diversificação é outro dos pilares da filosofia de investimento advogada por John Bogle, bem expressa na sua máxima: “Não procure a agulha. Compre o palheiro!”. Na opinião de Bogle, não vale a pena gastar tempo e energia (além de custos de transação) a tentar identificar quem serão os próximos “ganhadores” (security selection), sejam eles empresas ou fundos de gestão ativa. A longo prazo, a performance da maioria das “estrelas” acaba por se esbater e algumas acabam mesmo por desaparecer, ultrapassadas por modelos de negócio inovadores ou simplesmente absorvidas.
4. Notas finais
- “bonds are not the place to be these days”
Duas últimas notas, deixadas por Buffet aos investidores da Berkshire Hathaway. A primeira tem a ver com as atuais condições no mercado de dívida: “bonds are not the place to be these days”. Por um lado, as yields muito baixas, ou mesmo negativas, auferidas pelos investidores em dívida pública de muitos países desenvolvidos, não são adequadas aos seus objetivos de investimento. Por outro lado, o acréscimo de risco proveniente da escolha de emitentes com qualidade creditícia inferior (quer se trate de soberanos ou corporates), numa tentativa de obter rendimentos mais elevados, na opinião de Buffet, não compensa, podendo conduzir a resultados indesejáveis.
- “Never bet against America”
Na segunda nota, Buffett justifica, de certa forma, a razão pela qual a carteira da Berkshire continua concentrada em empresas americanas, apesar de algumas delas terem negócios espalhados pelo globo. Nos seus mais de 230 anos de existência, os EUA criaram condições ideais para promover o empreendedorismo e o potencial humano. Apesar das condições políticas e sociais ainda não serem perfeitas, o país continua a progredir no sentido de atingir o sonho preconizado na Constituição. Nas palavras de Buffett: “Never bet against America”.