Pontos-chave e consequências da descida de rating da dívida soberana dos EUA

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Créditos: Aaron Burden (Unsplash)

Pelo segundo dia consecutivo, as principais bolsas dos Estados Unidos e da Europa mantiveram-se em terreno negativo. Um dos motivos de preocupação tem sido a descida de rating da dívida soberana norte-americana por parte da Fitch. A agência de classificação alterou o seu rating de AAA, a mais alta qualidade atribuída, para AA+.

No entanto, as gestoras internacionais concordam em transmitir uma mensagem de tranquilidade. “Ninguém leva a sério a perspetiva de os EUA não cumprirem o pagamento da sua dívida”, sentencia Eric Winograd, economista-chefe da AllianceBernstein. Continuará a haver procura por obrigações do Tesouro de longo e curto prazo, e não vejo essa descida como um sinal significativo de problemas futuros”.

É uma postura partilhada por Mike Riddell, responsável da equipa de Macro Unconstrained na Allianz GI. “A importância e relevância das agências de rating é muitas vezes exagerada. Só quando se trata de descer para junk bonds é que se veem muitas vendas forçada”, insiste Riddell. 

Não estamos perante uma repetição do verão de 2011

Embora o novo rating da agência mantenha a dívida pública dos EUA num nível de alta qualidade, a notícia da descida foi recebida com preocupação porque despertou os fantasmas da crise da dívida de 2011-2012. Nessa altura, a decida de AAA pela agência S&P, que coincidiu com a crise da dívida soberana europeia, foi um precursor da volatilidade que despertou no mercado de dívida no início daquela década.

Essa decisão, que também foi anunciada no verão de 2011, desencadeou a venda forçada da dívida dos EUA. No entanto, as gestoras insistem que não é um cenário que possa ser extrapolado para o atual. “Isso seria confundir causalidade com correlação, já que os dados económicos dos EUA eram excecionalmente fracos”, afirma Ridell. Da mesma forma, explica que os movimentos recentes do mercado de obrigações do Tesouro dos EUA provavelmente são impulsionados por dados um pouco mais fortes do que o esperado, com um grande salto nas expetativas de emissão do Tesouro dos EUA, o que está a pressionar as obrigações do Tesouro dos EUA de longo prazo. “Provavelmente não tem muito a ver com a Fitch”, defende.

Sem impacto técnico nas obrigações dos EUA

Os especialistas concordam que veem um impacto direto limitado nos mercados. Como lembra Björn Jesch, diretor de Investimentos da DWS, as regulações sobre a dívida de alta qualidade implementadas desde a descida do S&P em 2011 tornam qualquer venda forçada significativa altamente improvável. No que diz respeito especificamente aos Fundos do Mercado Monetário, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) designou as obrigações soberanas como títulos elegíveis sem referência a classificações.

Björn Jesch também observa que a descida não afeta outros títulos com classificação AAA emitidos por entidades dos EUA. Ou seja, não afetará diretamente obrigações emitidas por agências federais dos EUA, empresas patrocinadas pelo governo ou municípios dos EUA.

Impacto a médio prazo

Dito isto, as gestoras internacionais também reconhecem que a revisão é um reflexo das implicações a médio prazo. "É muito invulgar ter um défice orçamental de 8,5% num período não recessivo e suspeitamos que, com o tempo, isto aumentará o prémio temporal exigido aos títulos do Tesouro dos EUA e exercerá uma pressão descendente sobre o dólar", observa Lisa Hornby, diretora de Rendimento Fixo Multissetorial dos EUA na Schroders.

É um sentimento partilhado por Joseph Purtell, da Neuberger Berman. Um ponto que se destaca é o facto de a Fitch citar várias projeções do Congressional Budget Office (CBO) para rácios elevados do défice e da dívida em relação ao PIB nos próximos 10 anos. Embora não consideremos que estas projeções do défice e da dívida a médio prazo constituam uma nova informação, esta descida da classificação centrou de novo a atenção do mercado na sustentabilidade das tendências da dívida dos EUA", reconhece o gestor associado. Em particular, o CBO prevê um crescimento contínuo das despesas líquidas com juros (ou seja, os custos do serviço da dívida), o que dificultará a redução do défice orçamental ao longo do tempo, independentemente das opções de gastos discricionários.

Um corte justificado

A realidade é que, para especialistas como James Athey, diretor de Investimentos da abrdn, a descida da classificação dos EUA parece inteiramente justificada. "O seu rácio dívida/PIB ultrapassa agora os 100%, em comparação com a média dos países com classificação AAA, que é de cerca de 40%", sublinha.

Além disso, prevê-se que este rácio aumente significativamente nos próximos anos. Os custos dos juros aumentaram significativamente, tanto em termos absolutos como em percentagem do orçamento global, e mesmo no final do que se tornou uma grande retoma cíclica, os EUA continuam a registar um défice orçamental superior a 6%. "Também se tornou claro, nos últimos anos, que nem os democratas, nem os republicanos estão dispostos a colocar a política orçamental numa trajetória mais sustentável", observa Athey.