Primeiras reações à eleição surpresa de Donald Trump como novo presidente dos EUA

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Michael Vadon, Flickr, Creative Commons

Não é habitual que existam tantos eventos políticos de grande magnitude no espaço de um ano, mas a eleição de Donald Trump como presidentes dos EUA voltou a reverter todas as previsões para o mercado, em parte (tal como no Brexit) devido às sondagens realizadas que não captavam a verdadeira intenção de voto norte-americano. A reação inicial foi muito negativa, com o PSI-20 a cair no máximo mais de 3% ou o Ibex a descer mais de 4% na abertura, com o vermelho a estender-se pelo Velho Continente. O Nikkei fechou a cair mais de 5%.

Das gestoras internacionais pedem calma e pragmatismo: "embora o resultado eleitoral seja uma surpresa, isto não significa que seja um cisne negro. Os mercados foram estranhamente complacentes no que antecedeu a eleição, o que me fez recordar os momentos antes do Brexit”, comenta Giordano Lombardo, conselheiro delegado e diretor de investimento da Pionner Investments.

John Lambert, investment director de Equity-Global na GAM vê na vitória de Trump um ‘deja vu’: “A crença de que Trump não teria hipótese de vencer espelhou a noção igualmente difícil de aceitar que o Reino Unido iria votar para sair da União Europeia”. Para o especialista “os mercados seguiram o guião do Brexit quase perfeitamente, movendo-se ao sabor dos dados das sondagens, até ao ponto em que ‘decidiram’ efetivamente que Clinton iria ganhar, dias antes do evento”, “apenas para receber em choque a notícia de que foi Trump o vencedor”. A primeira reação ao ‘choque’ mostrou-se bastante “mais benigna, com a maioria dos movimentos mais extremos que se deram durante a madrugada a serem consideravelmente ou totalmente revertidos pela manhã” descreve Lambert, sumarizando que “talvez os mercados tenham aprendido algo”. À parte de qualquer movimento que possamos verificar no curto prazo, o profissional considera que o enfoque deverá estar em quais são os factores que serão mais relevantes nos quatro anos que Trump estará na presidência, nomeadamente, “um corte significativo nos impostos às empresas e um aumento da despesa pública que são centrais nas suas políticas económicas”.

Já o gestor Ángel Agudo, da Fidelity, recorda que existem muitos estudos que demonstram que os “resultados das eleições presidenciais têm um efeito limitado no comportamento da bolsa norte-americana”. Por isso, recomenda que os “investidores não se deixem levar pelo ruído/volatilidade que existe nestes acontecimentos”. Refere, também, que manter a medida de baixar a taxa de imposto das empresas, “se se aplicar tal e qual como está proposto será positivo a curto prazo nas bolsas, depois de um momento inicial de volatilidade”.

Ángel Agudo, refere que apesar da forte polarização nas campanhas de Trump e de Clinton, ambos os candidatos tiverem um ponto em comum: os gastos públicos. “Tanto Clinton como Trump tiveram de acordo em aumentar o investimento em infraestruturas e armamento, pelo que o mercado já descontou em parte, embora existam oportunidades de investimento muito interessantes nas duas áreas”.

Joe Amato, presidente e diretor de investimentos de ações da Neuberger Berman e Erik Knutzen, diretor de investimentos multiativos, extrapolam o mercado na experiência recente do Brexit: “a volatilidade no mercado pode demorar um pouco mais, mas enquanto dura, pode gerar oportunidades de compra”. Para ambos os especialistas, o maior risco é que este novo presidente “converta algo da sua retórica mais populista em realidade” e concluem: “Independentemente de quem saísse vitorioso, as forças que levaram ao surgimento de simpatizantes de Trump, Sanders, Farage, Le Pen e Wilders não vão desaparecer”.

Uma leitura semelhante vem da Vontobel AM: “Há um desencantamento generalizado entre as democracias ocidentais com as políticas existentes. Os partidos anti-sistema na Europa não devem ser subestimados, já que as eleições francesas e alemãs estão programadas para 2017. Estes acontecimentos sociais e políticos não se notam bem nas sondagens realizadas”.

Um grande poder vem com uma grande responsabilidade

O 45º presidente dos EUA irá ter muitos mais poderes do que o seu antecessor, já que o Partido Republicano obteve a maioria no Congresso e no Senado. Eric Lonergan, gestor da equipa de multiativos da M&G Investments, opina que a “presidência de Trump será mais contida na realidade, do que como apresentado na campanha”.

O seu ponto de vista é que “embora ambas as câmaras estejam controladas pelos republicanos, não se pode garantir que vá haver acordo com as suas políticas mais bizarras (como construir muros ou começar guerras comerciais”)”. Em vez disso, Lonergan acredita que Trump “não vai convencer ninguém a revogar o Obamacare e baixar os impostos, duas medidas que poderão ser consideradas como favoráveis para os interesses dos mercados, embora seja mais complexo do que é na prática”.

O ponto mais controverso para o gestor é “se o Trump presidente vai seguir as linhas do Trump candidato, em concreto, as suas politicas contrárias no comércio, China e México”, embora na sua opinião “a razão sugira que o Congresso e os mercados financeiros irão modular a sua capacidade de atuação”.

Na verdade, é este último ponto que preocupa Keith Wade, o economista-chefe da Schroders: “Temos de esperar que o Congresso modele os planos de gastos do novo presidente, embora este tenha mais liberdade em matéria de comércio. Portanto, provavelmente, vamos ver alguns estímulos moderados no orçamento  e a eclosão de uma guerra comercial quando o presidente subir as tarifas para os produtos chineses e mexicanos”.

Karen Dunn Kelley, consultor sénior da Invesco, recorda que um sector importante do Partido Republicano se posicionou publicamente contra a candidatura do magnata. Portanto, “tendo em conta a relação quente que aparentemente Trump mantem com alguns congressistas republicanos, tudo dependerá da prioridade relativa que a administração Trump conceda finalmente aos seus objetivos políticos, a quantidade de capital político necessário para cumpri-los e, talvez o mais importante, os responsáveis políticos que estão encarregados de implementar as politicas do governo”.

A especialista considera improvável que o presidente eleito – que assumirá o cargo a 20 de janeiro – “possa mudar radicalmente o que propôs, sem concessões consideráveis na ala mais tradicional do seu partido, e também os Democratas, que irão tentar derrubar muitas das suas propostas”. Em suma, “embora tenha mais liberdade para fazer alterações administrativas, Trump pode atuar com a maior prudência a fim de conseguir apoios para as reformas mais complicadas que exijam o apoio do Congresso”. Uma das áreas em que o representante da Invesco vê mais possibilidades de consenso é a necessidade de “reconstruir e modernizar as infraestruturas dos EUA, como é o caso da estradas, das pontes e das redes elétricas construídas à demasiado tempo”.

Um perfil psicológico do novo presidente 

A personalidade explosiva do novo presidente tem sido uma fonte constante de comentários ao longo da campanha presidencial. Especialistas da Allianz Global Investors recordam que “o presidente eleito é um outsider político que quer fazer com que a sua presença seja conhecida e destabilizar o status quo”. Portanto, concluem que “até que se conheçam as políticas de Trump, a sua retórica sobre o comércio, a imigração e a cooperação internacional ameaçará o crescimento dos EUA e global”. 

Por outro lado, o diretor de investimentos da Deutsche AM, Stefan Kreuzkamp, aposta numa mudança de atitude: “Não nos esqueçamos que a motivação constante na campanha eleitoral de Trump foi surpreender continuamente o público. É inteiramente possível que depois da sua eleição possa de facto surpreender positivamente os mercados”. Kreuzkamo baseia as suas esperanças no “pragmatismo de Trump, a sua habilidade para se adaptar e limitada lealdade política”.