Reações das gestoras internacionais à vitória democrata no Senado

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Pode ser o presente de Natal mais tardio dos últimos anos, mas parece que finalmente chegou. A onda azul que os mercados esperavam com tanto entusiasmo em novembro parece que pode ser uma realidade de Ano Novo após a segunda volta das eleições senatoriais na Geórgia. Após conseguirem dois lugares, os democratas empataram no Senado com 50 lugares e assim poderão obter o controlo efetivo do Congresso através do voto decisivo da vice-presidente, Kamala Harris.

“Os democratas tiraram o controlo do Senado ao Partido Republicano durante pelo menos os próximos dois anos. A implicação mais significativa é que um estímulo fiscal adicional aos 900.000 milhões de dólares aprovados em dezembro (de entre 1,5 e três biliões de dólares nos próximos quatro anos) seja desbloqueado, com um primeiro objetivo de alívio contra a COVID no início deste 2021. Isto poderá levar o PIB dos Estados Unidos a uma taxa de crescimento de 7% em 2021, muito acima do consenso atual de 3,9%, o qual apoiará as forças inflacionárias na economia”, aponta Wen-Wen Lindroth, estratega de gestão de ativos na Fidelity International.

Os mercados veem estes resultados de maneira esmagadora como um fator que impulsiona um maior apoio da política fiscal à economia dos Estados Unidos, devastada pelo vírus. “É provável que isto exerça pressão sobre as yields das obrigações do Tesouro dos EUA, especialmente nos vencimentos mais longos, já que a rentabilidade terá de refletir umas expectativas de crescimento mais altas e uma maior oferta”, afirma James Athey, diretor de Investimentos na Aberdeen Standard Investments.

O resultado também acrescenta um novo empurrão ao tema da reflação que se impregnou os mercados dos Estados Unidos durante grande parte da segunda metade de 2020. Com o possível obstáculo de um Congresso dividido já eliminado, a possibilidade de um maior estímulo fiscal percebe-se como outra força bullish da inflação no país. “Se se considerar no contexto de uma Reserva Federal que parece disposta a aceitar a nova liberdade que lhe oferece a passagem para um objetivo de inflação flexível, há margem para que o mercado continue a antecipar pressões adicionais sobre os preços a médio e longo prazo”. Não obstante, existem potencialmente alguns riscos.

O primeiro refere-se a algumas políticas democratas menos favoráveis ao mercado que agora contam com uma perspetiva realista. “O aumento dos impostos às empresas, ganhos de capital e rendimentos são considerados como potenciais fatores negativos para o mercado de ações, assim como um ambiente regulatório mais restritivo. Uma regulamentação antimonopólio mais robusta e a aplicação da lei têm o potencial de sugar o vento das velas das grandes tecnológicas num momento em que as valorizações já parecem cada vez mais difíceis de justificar. Se a este juntarmos a possibilidade de uma rotação mais prolongada dos chamados vencedores da COVID para os perdedores da COVID, impulsionada pelas maiores expectativas de crescimento que derivam deste resultado eleitoral, pode fazer com que o atual contexto não seja tão perfeito para os gigantes da tecnologia”.

O segundo é o dólar. “Um dos maiores consensos do mercado para o ano 2021 é adoptar posições curtas no dólar. Um impulso positivo de crescimento específico dos EUA, em conjunto com o aumento dos rendimentos das obrigações do tesouro não é uma combinação que esperaríamos ver que faça baixa a moeda. Se o dólar der a volta, proporcionará um alívio bem-vindo aos exportadores, mas pode não ser tão bem recebido nos mercados financeiros, que muitas vezes associam a subida do dólar com períodos de risco. Essa associação é muitas vezes uma profecia auto-realizada”, refere o especialista.

Para Jack Janasiewicz, gestor de carteiras na Natixis Investment Managers, uma maioria de 50/50 +1 no Senado (o desempate recai na vice-presidente, neste caso Kamala Harris (Partido Democrata) “é talvez o cenário ideal. Poderá ser precisamente o que receita o médico: suficiente para criar mais estímulos, mas não o suficiente para conseguir que se subam os impostos”. De acordo com o especialista, em termos de mercado, isto tem as seguintes consequências:

- Vencedores: cíclicos, energia verde, finanças, biotecnologia, seguradoras ACA (Affordable Care Act) e infraestruturas.

- Perdedores: defesa, combustíveis fósseis, farmácia (o preço dos medicamentos será um problema) e tecnologia.

Sobre este último setor, o especialista destaca que a tese predominante é a de que a tecnologia tem um alvo nas costas. “Por privacidade, antimonopólio, liberdade de expressão... os democratas parecem estar mais focados no antimonopólio e nos impostos: fazer com que a tecnologia pague a sua parte justa. Teremos de ver como isto evolui”.

Chuck Schumer será agora o líder do Senado e ficará encarregue do que for votado na Câmara Alta. Isto significa que os democratas vão conduzir a agenda legislativa. O republicano Mitch McConnell mostrou resistência contra muitas iniciativas de apoio democrata, recusando-se a colocá-las em votação. Isso agora vai para mudar. Os nomeados para a administração Biden requerem aprovação, tanto para membros do gabinete como para nomeações judiciais. Com um Senado controlado por democratas, isto deve tornar essas aprovações muito mais fáceis. Os democratas agora também vão controlar os comités da Câmara e do Senado, ajudando a definir a agenda para o futuro. “Muitas das manobras de diversificação política vistas até agora estarão mortas”, conclui Janasiewicz.