A Europa procura o seu momento no mercado de OPV

Europa mapa
Créditos: Nejc Soklic (Unsplash)

Apesar de o primeiro trimestre de 2025 ter registado uma melhoria moderada na atividade global de ofertas públicas de venda (OPV) — com 291 operações e um aumento de 20% em termos homólogos no volume agregado —, a Europa continua a oferecer uma leitura complexa. Os números indicam uma estabilidade enganadora. Uma análise recente da S&P Global Market Intelligence destaca como a incerteza tarifária e a volatilidade financeira condicionaram a atividade durante os primeiros três meses de 2025.

Ainda que o número de operações tenha aumentado face ao primeiro trimestre de 2024 (38 OPV), o montante total angariado caiu 43,6%, com quedas acentuadas na Alemanha e no Reino Unido. A farmacêutica alemã Stada Arzneimittel AG, por exemplo, adiou a sua colocação de 1.500 milhões de euros devido à instabilidade.

Mesmo assim, o peso da Europa no total global mostrou alguma recuperação face aos dois últimos trimestres de 2024. Contudo, mantém-se em níveis mínimos, segundo dados da S&P. Nas palavras de Martin Steinbach, responsável de OPV para a região EMEIA (Europa, Médio Oriente, Índia e África) na EY, as empresas europeias "estão a observar o ambiente de mercado, a testar o apetite dos investidores e a ajustar os seus calendários". Na sua opinião, cada processo deve ser analisado caso a caso, "especialmente em função dos riscos de negócio associados às tarifas".

Adicionalmente, importa destacar uma rotação não apenas geográfica, mas também setorial. Segundo a EY, os setores com maior atividade de OPV desde o início do ano incluem saúde, tecnologia, consumo e energia. O setor industrial também mostra sinais de revitalização, sobretudo nos mercados asiáticos e nos EUA. Paralelamente, os setores ligados à transição energética, como as energias renováveis ou a eficiência operacional, ganham visibilidade na região EMEIA. Esta rotação setorial reflete um apetite de investimento mais seletivo.

Espanha e Itália em movimento, Portugal atrás

Neste contexto, destaca-se a contribuição do sul da Europa. De acordo com a EY, o bloco mediterrânico, formado por Espanha e Itália, registou três operações no trimestre, totalizando 800 milhões de dólares — um dos aumentos homólogos mais acentuados.

No caso espanhol, a entrada em bolsa da HBX Group, na Bolsa de Madrid, esteve entre as dez mais relevantes do período, consolidando a praça como uma das poucas a manter visibilidade e tração institucional num ambiente adverso.

Quanto a Itália, segundo dados da Euronext, houve três OPV em Milão no primeiro trimestre, todas no segmento Euronext Growth: Com.Tel em fevereiro, e Haiki+ e Ubaldi Construzioni em janeiro. Embora de menor volume, estas operações refletem a continuidade da atividade no mid-market italiano.

Por contraste, a atividade em Portugal continua a ser meramente simbólica. Não apenas em 2025, mas também nos anos anteriores, o mercado registou apenas uma operação anual. Neste primeiro trimestre, a Samba Digital protagonizou a única OPV portuguesa, mantendo assim a tendência de baixa rotação no mercado luso.

Embora ainda seja cedo para falar de uma reativação estrutural, a EY sublinha que estes sinais indicam que regiões tradicionalmente mais fracas podem estar a recuperar protagonismo, sobretudo se o pipeline pendente encontrar condições favoráveis nos próximos trimestres.

Empresas mais maduras para um ambiente mais exigente

Uma das grandes mudanças estruturais no mercado europeu é o perfil das empresas que chegam à bolsa. Segundo a EY, a idade média das empresas no momento da OPV duplicou desde 2021, passando de 20 para 42 anos. Este dado reflete não só uma maior prudência no ambiente atual, como também um viés crescente: empresas consolidadas, com balanços sólidos e narrativas de valor claras dominam o cenário.

A isto junta-se uma maior seletividade por parte dos investidores. Embora muitas empresas que se estrearam em bolsa fossem rentáveis, as suas ações nem sempre refletiram essa solidez. De acordo com o relatório de abril da EY, os retornos positivos foram frequentemente inferiores à percentagem de empresas com lucros. A pressão vendedora inicial e a desconfiança do mercado explicam parte desta dissonância. Hoje, mais do que nunca, o mercado exige clareza estratégica e penaliza a indefinição — mesmo em setores tradicionalmente considerados estáveis.

Três fatores que vão condicionar a segunda metade do ano

Para os próximos trimestres, as previsões são moderadamente otimistas, mas dependentes de três fatores-chave:

  1. A trajetória das taxas de juro na Europa.
  2. O impacto das novas tarifas dos EUA na confiança dos investidores.
  3. As reformas regulatórias na UE que poderão aliviar o fardo da regulamentação ESG e atrair mais emitentes internacionais.

Segundo a EY, o segundo trimestre pode marcar um ponto de viragem: sete das dez maiores OPV na EMEIA superaram o preço inicial, o que pode funcionar como catalisador se a volatilidade der uma trégua. A Europa poderá surpreender com uma segunda metade do ano mais dinâmica. No entanto, isso só acontecerá se as condições financeiras se tornarem mais favoráveis, houver maior estabilidade geopolítica e os emitentes apresentarem narrativas de valor coerentes.

Para a EY e a S&P, o pipeline existe — o desafio é aproveitar as janelas de mercado quando estas se abrirem e reforçar a confiança dos investidores num contexto cada vez mais competitivo e seletivo.