A força do euro, o principal protagonista da primeira reunião do BCE deste ano

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Poucas vezes o comunicado prévio do BCE sobre decisões políticas foi tão conciso. A instituição necessitou apenas de 18 alíneas para anunciar o que, na verdade, já se esperava do mercado: a política monetária mantem-se até ao momento sem alterações; as taxas de juro e a taxa de depósito mantem-se nos níveis atuais e o programa de compras reduziu-se a 30.000 milhões de euros ao mês pelo menos até setembro, conforme decisão do banco central. Nesta ocasião, o mais importante foi a conferência de imprensa com Mario Draghi.

No seu discurso inicial, Mario Draghi enfatizou em várias ocasiões a fortaleza continuada do momento económico na zona euro e a sua expectativa de que, gradualmente, a inflação irá chegar ao objetivo oficial do BCE de 2% ou ligeiramente inferior a esse valor. No entanto, o presidente do BCE mostrou a sua preocupação pela força do euro, que antes da reunião tinha voltado a cotar na ordem dos 1,25 dólares, níveis de 2014. Concretamente, Draghi afirma que apesar da possibilidade de que o crescimento volte a revelar-se uma surpresa positiva este ano, “a recente volatilidade das taxas de câmbio representa uma fonte de incerteza que requer monotorização, em relação com as suas possíveis implicações para a estabilidade dos preços a médio prazo”.

De facto, um dos pontos que gerou polémica entre os participantes do mercado foi a acusação do presidente do BCE sobre as forças por detrás da debilidade do dólar. Concretamente, Draghi afirmou que os países membros do FMI acordaram na reunião celebrada em abril do ano passado em Washington “não recorrer às políticas monetárias para utilizar o câmbio de divisas com fins competitivos”. Rapidamente, os mercados recordaram a recente intervenção de Steve Mnuchin no Fórum Económico Mundial de Davos, em que declarou textualmente que um dólar débil é positivo para os Estados Unidos.

Rose Ouahba, diretora de obrigações da Carmignac, antecipava na reunião anual da empresa em Paris que era muito possível que Mario Draghi, na reunião, “baixasse as expectativas de mercado, uma vez que um euro forte funciona como um endurecimento da política monetária”. A expectativa de Ouahba é que o BCE responda nos próximos meses com mais forward guidance, especificamente “com uma possível alteração de linguagem em relação àquilo que acontece na reunião de março”, encontro para o qual está programada a revisão das previsões da instituição sobre o crescimento e a inflação.

São vários os caminhos possíveis que podem ser explorados até lá pela autoridade monetária com vista a modificar o seu comunicado: poderá decidir mudar o texto das suas diretrizes, onde refere que “temos a intenção de comprar (…) até setembro de 2018, até mais caso seja necessário e, em qualquer caso, até que o Conselho de Governo veja um ajuste sustentado da orientação da inflação”, ainda que a especialista comente que esta opção é difícil de executar, “porque apenas restam obrigações disponíveis para comprar”.

A alternativa será que o BCE “limite potencialmente as expectativas sobre a inflação”. Draghi deu uma pista sobre esta observação na conferência de imprensa, ao referir que a inflação geral provavelmente vai subir nos próximos meses, recorrendo ao efeito de base da subida do preço do petróleo, mas que, no entanto, a inflação subjacente permanecerá em níveis ainda baixos.

Draghi ainda deixou uma outra pista durante a conferência de imprensa ao afirmar: “Baseando-me nos dados atuais, posso ver muito poucas probabilidades de que as taxas de juro possam subir este ano”. Nesta linha, a representante da Carmignac, adverte que é possível “que a primeira subida de taxas do BCE se produza no primeiro trimestre de 2019”. Ouahba esclarece que as subidas das taxas repo coincidem com a das taxas de depósitos (atualmente em -0,4%), que espera que volte a nível zero no próximo ano.

Hawkish ou não?

O certo é que, com o decorrer da tarde, a reação do mercado oscilou entre interpretações dovish e hawkish. Assim, por exemplo, a partir da BlackRock, a responsável de estratégia global de obrigações fundamentais, Marilyn Watson, explica que “dada a rápida aprecisação do euro face ao dólar, esperávamos comentários sustentáveis sobre a divisa, mas o presidente Draghi – ainda mencionou a volatilidade da divisa – não aproveitou a oportunidade para avaliar energicamente a recente apreciação do euro”.

James Athey, gestor na Aberdeen Standard Investments, afirma que a estratégia de ressaltar os aspetos positivos da economia e assinalar apenas de passagem a força do euro “não funcionou já que aqueles que ficaram de fora à espera de uma queda para comprar, não receberam nada”.

Em contrapartida, Paul Brain, diretor de obrigações da Newton (parte da BNY Mellon IM), afirma que os comentários de Draghi sobre a necessidade de monitorizar o euro são lógicos pois “terá uma influência baixista sobre a inflação e podem manter-se as taxas muito baixas por mais tempo”.

Além da volatilidade das taxas de câmbio euro/dólar, outra reação significativa do mercado produziu-se na Alemanha: depois dos comentários sobre a inflação, a TIR das bund a dez anos alcançou máximos de seis meses (também se incrementaram as yields de outras referências europeias). Brain interpreta esta resposta da seguinte forma: “em geral, os comentários foram, em parte, hawkish modesto, possivelmente devido à descrição otimista da economia e a probabilidade de que a inflação alcance o seu objetivo”.

O especialista acredita que todas as mensagens formam parte de uma estratégia para a retirada “muito gradual” das políticas acomodatícias, retirada que acontecerá ao longo do ano, na sua opinião. Assim, “dada a repercussão económica, não nos surpreenderia se o BCE parasse o QE na finalização do programa atual (18 de setembro)”. Brain observa que “o mercado parece demasiado hawkish no que respeita às expectativas das taxas”. A sua visão é que, com a taxa de desemprego ainda elevada, a sobreutilização da capacidade e força do euro, “o BCE acredita que pode permitir-se a esperar até meados de 2019 antes que possam subir as taxas”, ainda que isso não impeça que se comece a falar de subidas das taxas “logo depois de terminar o QE”.