A geopolítica, automação e tecnologia baralham as cartas da gestão de investimentos

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Juan Carlos Domínguez, Francisco Falcão, Rina Guerra, Vítor Ribeiro, Geoffroy Citerne e Ruben Tiago Silva. Créditos: Vítor Duarte

Uma pandemia como não acontecia há uma centena de anos, seguida de uma guerra na Europa como não acontecia há umas dezenas de anos, de um pico inflacionário como só se viu pela última vez nos anos 80 e o surgimento de uma tecnologia disruptiva - a inteligência artificial generativa - que muitos assemelham ao nascer da internet… É caso para dizer que é normal que as cartas da geopolítica e do investimento tenham ficado completamente baralhadas. Para tentar arrumar as ideias e perceber como os profissionais de investimento organizam o seu baralho, a FundsPeople e a AXA IM tomaram a iniciativa de promover uma discussão que teve como foco os temas da geopolítica, automação e tecnologia na atual conjuntura. Aconteceu no Porto, e decorreu entre um especialista da entidade gestora francesa e quatro profissionais do norte do país. 

Para a especialista em ações do Banco Carregosa, Rina Guerra, “parece que estamos a enfrentar uma nova revolução tecnológica na qual a corrida pela liderança tecnológica entre países se revela cada vez mais importante. Nos últimos dois anos tudo mudou. A cooperação que se via, de antes da guerra e antes do COVID, já não existe mais”, introduziu assertivamente. Para a profissional, “a liderança tecnológica é muito importante e, porque a pandemia trouxe consigo problemas nas cadeias de distribuição que não foram antecipados, os países querem cada vez mais ser autossuficientes em tecnologia, também”, conta, ilustrando com o exemplo da China, que “está a tentar ser o mais independente possível em termos de semicondutores. É uma tendência que está a evoluir muito rápido. Como consequência, diria que teremos um mundo cada vez mais dividido”, diz.

Já no que diz respeito à posição da Europa em toda esta dinâmica, Vítor Ribeiro, wealth advisor na FutureProof, relembra que é sempre bom olhar para o passado para perceber como se poderá desenrolar o futuro. “Temos visto muitos grandes impérios que se erguem e caem devido aos avanços tecnológicos e a grandes acontecimentos. Por isso, parece-me que a tendência de uma inversão da globalização é natural. Não é o que queremos, talvez, mas é natural. Mas a Europa será importante neste âmbito, porque a história mostra que está na nossa natureza saber lidar com a evolução”, destaca o profissional. E para Vítor Ribeiro, esta perspetiva “é importante porque estamos sempre à procura das coisas que vão mudar, mas também temos de pensar nas coisas que nunca mudam, e o comportamento humano, não vai mudar.”

Francisco Falcão, CIO na Hawkclaw Capital Advisors, por seu lado, levanta o tema da regulação e do impacto que esta tem tido na posição da Europa na corrida tecnológica. "Creio que, no que se refere à regulação, a Europa está sempre avançada face a outras geografias, mas a evolução do quadro regulatório nem sempre é positiva quando não é acompanhado pelo desenvolvimento da atividade", destaca. Para o profissional, a regulação demasiado rigorosa pesa no desenvolvimento da Europa como centro tecnológico. “Se quisermos investir em automação e robótica, quando olhamos para os principais índices, para os fundos, etc., a maioria das empresas está sediada nos EUA, ou na Ásia e não na Europa”, ilustra. 

Na mesma linha que Vítor Ribeiro, Ruben Tiago Silva, fund selector na BPI Gestão de Ativos, vê pela frente um caminho diferente do que aquele a que assistimos nas últimas décadas. “Com o surgir da China como uma superpotência global e com um mundo tão polarizado, há uma série de forças a empurrar para uma menor globalização”, diz. No entanto, é da opinião que essas forças também empurram para uma maior otimização. “Num mundo polarizado há que encontrar sempre um equilíbrio entre a necessidade de autossuficiência e a de gerar/manter alguma interdependência, de forma a aumentar a esfera de influência. Isto faz com que haja também forças a empurrar para um certo grau de integração”, explica.

Três lentes sobre a interligação da tecnologia e geopolítica

O profissional da BPI GA acredita que há três lentes pelas quais podemos olhar para este tema: a lente da competitividade, a da segurança nacional e a da força de trabalho. “Em termos de competitividade, precisamos de mais automação, mais eficiência e de reduzir custos. Em termos de segurança, levanta-se o tema de confiar em tecnologia estrangeira. Para muitos países, ser competitivo implica confiar nessa tecnologia. Finalmente, no que se refere às dinâmicas da força de trabalho, a automação traz consigo perdas e deslocação de postos de trabalho, gerando desemprego estrutural”, alerta.

Geoffroy Citerne, especialista de investimento sénior na AXA IM, pega nesta contração da força de trabalho em determinados setores, como o são o industrial e o da agricultura, e relembra o impacto que isso poderá ter num equilíbrio mais centrado na tecnologia. “As novas gerações não querem trabalhar em agricultura, por exemplo. Se falarmos com um teenager nos Estados Unidos, dirá certamente que não quer fazer os trabalhos aborrecidos e perigosos que a Amazon precisa nos seus armazéns. As empresas enfrentam, em simultâneo, uma inflação nos custos laborais e a contração da força de trabalho. Vão precisar de encontrar um equilíbrio e utilizar mais automação e tecnologia”, explica. 

A perspetiva do investimento

Entrando na perspetiva do investimento em relação com a temática da automação e tecnologia, Francisco Falcão capitaliza o exemplo de Geoffroy Citerne. “Eu acredito que mais do que crescimentos de vendas, a tecnologia vai impulsionar reduções de custos e uma maior produtividade. E serão os setores mais intensivos em mão de obra que mais vão beneficiar. A Amazon é um bom exemplo, depois de ter montado recentemente o primeiro armazém completamente robotizado e automatizado”, comenta. Contudo, o profissional alerta que, como sempre nos mercados de ações, vão haver vencedores e perdedores, “empresas que vão conseguir seguir a tendência e crescer com ela e outras que ficam para trás ou aquém, em termos de crescimento. Foi o que aconteceu com a indústria dos veículos elétricos”, relembra.

Para Ruben Silva há que distinguir os beneficiários da evolução tecnológica em duas tipologias. Aqueles que produzem e desenvolvem automação, e aqueles que a usam para aumentar a produtividade nas suas operações. “Os primeiros são um claro beneficiário. Já nos segundos, acreditamos que, mais do que pensar em setores e indústrias, há que olhar para a empresa em específico e perceber como esta está posicionada para tirar partido dos benefícios das novas tendências tecnológicas”.

Rina Guerra vê na cibersegurança um setor vencedor no atual contexto tecnológico e geopolítico. “Este contexto traz consigo muitos desafios em termos de segurança e as empresas vão ter que investir muito para contrabalançar esses riscos”, diz.

Winner takes it all?

Para a especialista em ações do Banco Carregosa, não estamos a falar de um contexto em que o vencedor arrecada todos os troféus. “São muitas as empresas que vão beneficiar desta tendência”, diz, mas Geoffroy Citerne - que concorda - complementa que parecem ser as mega-caps aquelas que estão melhor posicionadas para liderar a evolução. “Estas empresas têm muita capacidade para investir. Isso ficou muito claro quando a Microsoft comprou a OpenAI e foram evidentes as sinergias”, explica. No entanto, recorda também o poder disruptor das novas tecnologias. “Um bom exemplo é a empresa Chegg Tutors, uma empresa de educação online, que viu o seu negócio sofrer com o nascimento do Chat GPT e as suas ações caíram 48% num dia”, conta.

Com isto em mente, para Vítor Ribeiro, não falamos de um setor ou um tema em que fica claro se a melhor abordagem é comprar a agulha ou o palheiro, mas sim algo intermédio. “Acredito que apostar num dos lados é muito difícil”. Para o profissional é importante construir um framework de investimento que equilibre os riscos e as oportunidades. “Posso não estar concentrado na melhor empresa, mas sei que não estarei demasiado exposto à mais afetada”, diz.