Os especialistas internacionais destacam que a reforma do travão à dívida e a rapidez na formação do governo são fatores determinantes para o futuro da economia alemã. Ressaltam a necessidade de impulsionar o investimento e reforçar a confiança de consumidores e investidores.
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As eleições da Alemanha despertaram grande interesse tanto dentro como fora das suas fronteiras. A União Democrata-Cristã (CDU), liderada por Friedrich Merz, posicionou-se como a força mais votada, colocando o seu líder numa posição favorável para formar o próximo governo e assumir o cargo de chanceler. No entanto, destaca-se a ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD), que alcançou cerca de 20,8% dos votos e tornou-se a segunda força política do Bundestag, evidenciando assim uma viragem política à direita.
Friedrich Merz sublinhou a necessidade de um governo funcional com rapidez, enfatizando a importância de uma maioria parlamentar sólida para enfrentar os desafios da Alemanha. Embora a AfD tenha expressado a sua disponibilidade para estabelecer conversações de coligação, Friedrich Merz descartou a colaboração com essa formação devido a profundas diferenças programáticas.
O Dax subiu quase 0,8% antes da abertura de Wall Street, superando os seus pares europeus, enquanto aguardava os progressos das negociações entre os diferentes grupos. Da mesma forma, o Bund a 10 anos, que estava estável em 2,46%, subiu para quase 2,48%.
A seguir, apresentam-se as chaves deste momento político, as perspetivas geradas pelas futuras decisões sobre o travão à dívida, o investimento na defesa e a política económica, bem como os comentários de diversos especialistas de gestoras internacionais.
Resultados eleitorais, formação de governo e horizonte político
A CDU/CSU, que segundo Apolline Menut, economista da Carmignac, obteve 28,6% dos votos contra os 20,8% da AfD, 16,4% do SPD, 11,6% dos Verdes e 8,8% da Esquerda, encontra-se em posição de liderar um novo executivo. No entanto, uma grande coligação com o SPD, que em conjunto alcançaria 52% dos lugares, parece ser o desfecho mais plausível. De acordo com Gilles Moëc, economista-chefe da AXA IM, "uma aliança bipartidária entre a CDU de centro-direita e o SPD de centro-esquerda está em condições de governar", embora alerte que "forjar reformas decisivas, sobretudo em matéria fiscal, pode ser um desafio".
Entretanto, Stefan Eppenberger, estratega sénior, e Michaela Huber, estratega de Multiativos Cross-Asset na Vontobel, sublinham que a rapidez na formação do gabinete influenciará positivamente a confiança dos consumidores e das empresas, aliviando a incerteza política. Consciente disso, Friedrich Merz pretende concluir as negociações de coligação num prazo máximo de dois meses. No entanto, Gilles Moëc adverte que, nesse período, podem surgir "iniciativas perturbadoras" por parte dos Estados Unidos, o que aumentaria a pressão sobre o processo de formação do governo.
O travão à dívida e o investimento na defesa
Um dos temas mais sensíveis para a futura coligação será a possível reforma constitucional do travão à dívida. Apolline Menut salienta que essa mudança "exige pactos políticos complexos, bem como criatividade fiscal". Em consonância, Gilles Moëc destaca que "o momento crucial chegará provavelmente quando for apresentada uma emenda constitucional ao travão à dívida", uma vez que a capacidade da Alemanha para aumentar a despesa pública, incluindo despesas com defesa, dependerá disso. Além disso, os especialistas da Vontobel recordam que, segundo o artigo 115 da Grundgesetz, o governo federal dispõe de uma "margem estrutural de endividamento estritamente limitada, independentemente da situação económica".
Este cenário não estará isento de desafios. Partidos dos extremos políticos, como a AfD ou Die Linke, podem opor-se à flexibilização das restrições ao endividamento, especialmente se isso implicar um aumento das despesas militares. Em caso de bloqueio, o executivo terá de explorar opções alternativas de endividamento, incluindo fórmulas conjuntas com a União Europeia.
"Os mercados financeiros, além de um maior estímulo fiscal, esperam uma redução do imposto sobre as sociedades, uma diminuição da burocracia, uma redução dos custos elétricos através da redução das tarifas e das redes, bem como uma liberalização do mercado de trabalho", sublinham Stefan Eppenberger e Michaela Huber.
Perspetiva global dos especialistas
Os analistas coincidem em destacar um ambiente económico em transição, no qual as decisões políticas e a adaptação das estratégias de investimento serão fundamentais nos próximos meses.
David Kohl, economista-chefe da Julius Baer, afirma que o novo panorama político alemão abre caminho para uma mudança de rumo com implicações económicas. Na sua opinião, um governo conservador poderia impulsionar soluções para desafios como a escassez de investimentos e os elevados custos laborais. No entanto, adverte que as expetativas devem ser moderadas, pois obstáculos estruturais, como o envelhecimento da força de trabalho e a falta de pessoal qualificado, continuarão a exercer pressão. Neste contexto, prevê que o regresso ao crescimento em 2026 e uma moderação nos acordos salariais contribuam para um ambiente desinflacionista.
Entretanto, Sophie Altermatt, economista da mesma instituição, foca-se na evolução do setor manufatureiro a nível global. Segundo os dados preliminares do PMI de fevereiro, as economias da zona euro e do Reino Unido mostram sinais de uma expansão moderada, enquanto os Estados Unidos enfrentam uma desaceleração e o Japão regista uma aceleração. A contração do setor de serviços nos EUA desacelerou a atividade geral, embora o setor manufatureiro mantenha algum dinamismo. Sophie Altermatt observa que, embora o setor continue em contração na zona euro, no Japão e no Reino Unido, a recuperação começa a dar sinais de melhoria em pelo menos duas dessas economias.
Outras opções de coligação e o fator da extrema-direita
Embora a fórmula bipartidária CDU/CSU-SPD pareça a mais viável, o cenário alemão oferece outras nuances. De acordo com a análise da Vontobel, a AfD, com 20,8% dos votos, conseguiu posicionar-se como segunda força, obtendo 152 lugares. A sua líder, Alice Weidel, manifestou publicamente a disponibilidade do seu partido para cooperar com a CDU/CSU, mas Friedrich Merz descartou, até agora, qualquer acordo com a extrema-direita, segundo a Vontobel. Paralelamente, opções como uma coligação da CDU/CSU com os Verdes (que têm 85 lugares) não alcançam a maioria absoluta no Bundestag, e outras formações, como o FDP (4,3%) e o BSW (4,97%), não superaram o limite de 5% necessário para obter representação parlamentar.
Além disso, o chamado cenário Quénia (preto-vermelho-verde) poderia juntar CDU/CSU, SPD e os Verdes, mas líderes regionais, como Markus Söder (CSU), mostraram-se céticos quanto à viabilidade de um acordo que inclua a formação ecologista. Com uma participação eleitoral que atingiu 82% (superior aos 76,6% de 2021), a polarização entre partidos de direita e de esquerda acentua-se, dificultando a composição de um governo estável.
Assim, a composição da futura coligação, juntamente com reformas-chave como a do travão à dívida, determinará a capacidade da Alemanha para enfrentar os desafios económicos e geopolíticos de curto e médio prazo. Tanto a rápida formação de um novo executivo quanto a coesão das suas políticas serão vitais para a confiança de investidores, mercados e cidadãos.