“O cenário atual de mercado apanhou muita gente de surpresa” é uma frase que vemos recorrentemente nas introduções de artigos e análises ao longo da história. A questão é que o futuro é naturalmente incerto, e o melhor que gestores, economistas e especialistas podem fazer é tentar balizar ao máximo os diferentes cenários possíveis, e agir em conformidade. Com isto em mente, a FundsPeople juntou quatro profissionais da gestão de ativos nacional para discutir e contextualizar a conjuntura atual, numa tentativa de dispersar um pouco o nevoeiro que envolve o caminho que haverá que percorrer.
As contradições no mercado e o caminho de menor remorso
“Eu não tenho uma opinião muito otimista”, afirma categoricamente João Zorro, responsável de Ações e Obrigações na GNB Gestão de Ativos. “Estou de acordo com as opiniões de que estamos na fase inicial de algo que ainda se vai desenrolar. Isso faz com que nós, como gestores, nos tenhamos que manter flexíveis face ao que está para vir”.
Para o especialista, não faz muito sentido a crença de que o cenário atual é ainda resultado de uma recuperação pós-COVID e que, para muita gente, o cenário Goldilocks ainda se encontre em vigor. “Um cenário em que a inflação vai recuar progressivamente para próximo dos objetivos dos bancos centrais, os PIB não vão cair muito e a recessão vai ser muito ligeira, com as taxas a descer já no ano que vem”, esclarece. “Acredito, principalmente, que ainda há esta perceção por causa do mecanismo que os bancos centrais criaram, esta reação de algum modo pavloviana dos mercados. Há muita complacência e isso faz com que me encontre a usar ainda o chapéu de pessimista, neste contexto”, exclama.
1/4Já para Tomás Drumond, gestor de Carteiras na BPI Vida e Pensões, uma coisa que vê bem clara nos mercados atualmente são as contradições. “Temos por um lado os bancos centrais a subir taxas e a implementar o quantative tightening com vista a controlar a inflação. Por outro lado, as empresas têm-se mostrado muito resilientes, pelo menos a julgar pelos resultados do primeiro semestre, e as economias também mostram alguma robustez”, expõe. Para o gestor de carteiras há demasiado ruído e volatilidade, especialmente nos mercados de obrigações, o que faz com que “esperem muitas dificuldades até ao início do ano que vem”.
Contudo, há no mundo desenvolvido à beira do Atlântico dois cenários que diferem, segundo Tomás Drumond. “A Europa tem um problema adicional, em comparação com os EUA: a questão energética. É um dos pontos mais importantes a acompanhar, especialmente no que diz respeito ao impacto na maior economia da zona euro, a Alemanha”, diz. Por outro lado, realça que os Estados Unidos não se encontram imunes a toda a recente dinâmica económica e a subida de taxas de juro pode ter um impacto relevante nas famílias e empresas e gerar um problema de crédito.
2/4Ramón Carrasco, responsável pelo Desenvolvimento de Negócio da Carmignac na Península Ibérica, as diferenças entre os dois lados do Atlântico são também um ponto muito relevante. “São mundos diferentes”, diz. Para o profissional, olhando para as economias e mercados de uma perspetiva top-down, o que é evidente é que “os números mais elevados da inflação estão no passado nos Estados Unidos, enquanto que veremos ainda números perto de 10% na Europa nos meses que se avizinham”. Adicionalmente, para o profissional, dados como o desemprego são mais otimistas nos Estados Unidos do que na Europa. “Isto faz com que o ponto de viragem da economia esteja mais próximo do outro lado do Atlântico”, diz.
“Numa perspetiva do nosso barómetro do PIB, apesar das leituras recentes nos EUA, não vemos efetivamente uma recessão este ano - talvez apenas em 2023. Na Europa, o sentimento é mais negativo”, esclarece.
3/4“Concordo com tudo o que foi tudo dito, exceto com uma coisa: acredito que o cenário que vivemos atualmente tem tudo que ver com o COVID”, afirma André Braz, gestor de Carteiras na Santander Asset Management em Portugal. “A grande maioria do que vemos agora são consequência das políticas postas em prática durante a pandemia, nomeadamente os problemas energéticos. Durante 19 de mais de 22 meses não houve investimento na produção de combustíveis e isso faz com que estejamos agora em mínimos de há 30 anos em termos de stocks. Foi uma decisão política e a reabertura das economias trouxe consigo estes constrangimentos”.
Por outro lado, André Braz acredita que o que os bancos centrais estão a fazer não é mais do que um statement político. “Os bancos centrais não estão a olhar para os números, mas sim a ser politicamente corretos. Nunca um banqueiro central foi despedido por subir taxas num ambiente inflacionário. Não é um caminho que seria de esperar para prevenir uma recessão. Estão preparados para enfrentar desemprego e recessão como colateral das suas políticas, mas o remorso seria muito maior se não o fizessem”, exclama.
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