As limitações da flexibilidade

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Créditos: Andrea Enriquez Cousino (Unsplash)

O que era um mercado de obrigações difícil devido à inflação teimosamente elevada e ao caminho de endurecimento das políticas dos bancos centrais, agravou-se com a guerra da Ucrânia. O denominador comum é um aumento persistente da volatilidade das yields da dívida após as autoridades monetárias passarem anos a expandir os seus balanços. Nos primeiros meses do ano, os principais índices de obrigações registaram declínios não observados em quase 30 anos, desde o ajuste de 1994 que conduziu à crise do peso mexicano, à crise asiática de 1997 e à queda do hedge fund Long Term Capital Management um ano depois.

Há apenas um dado que a J.P. Morgan AM aponta para ajudar a explicar a magnitude da mudança nas obrigações: a dívida com retornos negativos, à escala global, passou de 10,7 biliões de dólares no início do ano para apenas 2,9 biliões a 22 de março. “É o ponto mais baixo desde meados de 2015”, destacam.

Neste ambiente, há muitos que acreditam que a flexibilidade é uma condição sine qua non para gerar rentabilidades positivas nas obrigações. O facto de o gestor do fundo poder mover-se livremente através do mercado para tentar gerar retornos positivos é claramente assumido como uma vantagem.  Mas o cenário tornou-se extremamente enviesado e complexo e muitas das ferramentas em que estes profissionais tradicionalmente têm confiado não funcionam ou a sua utilização traz riscos difíceis de assumir. A razão mais importante: o gestor está a ver a sua visão estratégica neutralizada.

Problema #1: visão estratégica que desencoraja algumas operações

Quando os bancos centrais aumentam as taxas de juro, o manual diz que o preço das obrigações desce e as yields sobem. Por conseguinte, a estratégia mais aceite por um gestor de obrigações flexíveis seria construir posições curtas em bunds e treasuries. Mas, no ambiente atual, isto acarreta um problema: pode destruir a sua carteira. “Se os mercados avançarem para um flight to quality, estas posições podem prejudicar muito. As perdas seriam muito grandes.  É por isso que os retirámos da carteira do BNY Mellon Global Dynamic Bond Fund deixando a exposição aos treasuries sem esta proteção de derivados”, explica Paul Brain, responsável de Fixed Income da Newton (BNY Mellon IM).

Com uma posição longa, o gestor pode perder todo o dinheiro que investiu no caso de haver um incumprimento. É uma coisa dolorosa. Mas com uma posição curta, as perdas são ilimitadas. E isso é ainda mais doloroso.

Problema #2: adaptar a estratégia com derivados

O ambiente de expansão dos spreads, o aumento da volatilidade e o aumento das taxas, que levaram a uma das maiores quedas nos preços das obrigações nas últimas décadas, destaca a necessidade de gerir ativamente as carteiras. “Este é um contexto complexo que requer uma carteira equilibrada entre convicções fortes e ferramentas de risco para contrariar os riscos de carteira”, explicam Eliezer Ben Zimra e Guillaume Rigeade, gestores do Carmignac Portfolio Flexible Bond. Mas estes instrumentos têm de ser adaptados. E é daí que advém o segundo grande problema que os gestores de rendimento fixo flexível enfrentam.

A avalanche de notícias causa movimentos muito fortes que obrigam os gestores a reagir para proteger carteiras. Mas as oscilações acentuadas que estão a ocorrer, tanto ao nível das taxas como dos spreads, afetam a adaptação em termos operacionais, especialmente quando se trata de incorporar ou retirar coberturas. “Estas protegem-nos, mas não podemos implementá-las tão depressa quanto gostaríamos. Os preços movem-se muito rápido e é muito difícil antecipar”, concordaram vários gestores consultados.

No mercado de derivados, no ambiente atual, existem várias vozes que reconhecem que estão a recorrer a opções em vez de futuros, considerando que estes implicam um maior risco. Mas o que quase todos concordam é que tem sido necessário elevar os níveis de interação entre as equipas, com o objetivo de tomar decisões mais rapidamente. É algo que não só os gestores de rendimento fixo se viram forçados a adotar. Isto é também reconhecido pelos responsáveis de fundos mistos. “A única mudança que fizemos no nosso processo nos últimos anos é que, hoje, as reuniões com todos os membros da equipa ocorrem com mais frequência. Antes, havia formalmente uma reunião mensal. Agora é semanal”, indica Phillip Gronniger, cogestor do Janus Henderson Balance Fund.

Problema #3: aumento das correlações entre ativos de obrigações

Outro fenómeno do atual ambiente de mercado é o aumento acentuado das correlações, que é outro problema acrescido a resolver.  Como explica Andrés Sánchez Balcázar, co-responsável de Dívida Global da Pictet AM, tem havido um aumento significativo da correlação entre a dívida pública, o crédito e as obrigações de mercado emergentes, situação que, na sua opinião, pode durar alguns meses. “Neste ambiente, a diversificação torna-se muito difícil. A inflação e os grandes eventos de crédito e risco que estamos a assistir criam um cocktail muito tóxico para os ativos”, lamenta.

Os bancos centrais estão numa posição difícil. Parecem ter pouca margem de manobra para agir em termos de taxas e combater a inflação. E tudo isto traduz-se numa maior volatilidade. “Vemos que o fixed income permanecerá volátil por enquanto”, avisa Ariel Bezalel, gestor do Jupiter Dynamic Bond. No entanto, essa volatilidade também pode ser um grande aliado para construir posições. “Estas oportunidades de rendimento fixo só se apresentam uma vez de tempos a tempos”, conclui.