As quatro razões que ainda suportam o investimento em private equity

Joana Rocha Scaff
Joana Rocha Scaff. Créditos: Cedida (Neuberger Berman)

Historicamente, o private equity é tido como uma classe de ativos mais direcionada a investidores institucionais. Essa ideia continua a manter-se, mas a verdade é que desde há uns anos que a Neuberger Berman tem feito um esforço para levar essa classe de ativos ao segmento de retalho, nomeadamente aos clientes considerados mais afluentes. Um caminho que aconteceu primeiramente nos EUA, como conta agora à FundsPeople a portuguesa Joana Rocha Scaff, responsável pela área de Private Equity na Europa.

“Há uns anos, nos EUA, começámos a chegar aos investidores afluentes norte-americanos, considerados compradores qualificados. Isso aconteceu através de uma parceria com alguns dos grandes e respeitáveis bancos de investimento que servem clientes de retalho nos Estados Unidos. Na Europa, por seu lado, o regime ELTIF (European Long Term Investment Funds) veio também facilitar o acesso a esta classe de ativos por parte desses mesmos clientes afluentes”, começa por contar a responsável.

Embora há muitos anos a trabalhar fora de Portugal, Joana Rocha Scaff sabe que a penetração desta classe de ativos ainda é incipiente no nosso país. Olha para o que diz ser um “mercado pouco desenvolvido neste âmbito”, em que a maioria dos investidores institucionais ainda não investem verdadeiramente no tema. “Existe uma fundação nacional que sei que investe em private equity e muitas companhias de seguros também; mas muitas delas foram adquiridas por empresas estrangeiras e, desse modo, os investimentos alternativos não são geridos através de Portugal”, elucida.

Crescimento

No entanto, o fulgor da classe de ativos em termos globais tem sido grande. A especialista conta que o número de empresas listadas em termos globais aumentou ligeiramente em 2021 devido a fortes números registados de IPOs nesse ano, mas tem vindo a sofrer uma “queda secular” ao longo de duas décadas, particularmente nos mercados desenvolvidos. Nestes mercados, a evolução positiva tem ocorrido do lado dos mercados privados, onde se verifica um crescimento significativo de empresas que são detidas por private equity. “Tratam-se de empresas geralmente mais pequenas, mais jovens e inovadoras”, revela Joana Rocha Scaff.

Como sabemos, na escassez de retornos provenientes de outras classes de ativos, o private equity tem-se mostrado resiliente nos números que oferece ao investidor. Os retornos anuais médios da indústria nos últimos vinte anos rondaram entre 13% e 15%, detalha a especialista, apontando um perfil de investidor específico. “Os investidores que conseguem suportar a falta de liquidez imediata, e que têm sofrido com a escassez de retornos em mercados de rendimento fixo e ações, têm alocado percentagens crescentes a mercados privados na esperança de conseguirem retornos absolutos maiores nos seus portefólios”, revela.

No cenário atual, contudo, as dúvidas sobre a manutenção de tais retornos começam a fazer-se sentir. “Perguntam-me muitas vezes se considero que estes retornos a que assistimos no private equity são sustentáveis. Eu respondo que não. Acredito, sim, que haverá uma redução das taxas de retorno absoluto. Mas considero que o spread positivo de iliquidez entre os ativos não listados e os listados continua a persistir, suportado por quatro razões estruturais”, apontou.

Razões estruturais que suportam o private equity

1 - Processo de compra.  “Quando se faz investimentos em empresas privadas, temos acesso a informação confidencial, e tipicamente contratam-se consultoras que avaliam o mercado, a concorrência, os produtos e clientes da empresa, as contas financeiras, etc.”, diz a profissional. Portanto, trata-se de um tipo de compra que difere muito daquelas que acontecem no mercado público com acesso limitado a informação.

2- São investidores ativos, não passivos. “Quando se investe numa empresa de private equity, em buyout especificamente, existe o tema da governança corporativa. Ou seja: após a compra da empresa, os investidores geralmente adquirem uma posição de controle na companhia e decidem se a equipa de gestão anterior vai continuar ou ter alterações”, relata. Nesse sentido, recorda que podem ser feitas modificações profundas na forma como as empresas são geridas. “A maioria do retorno vem precisamente dessa lógica contrária à do “buy and just hold”; ou seja, o potencial retorno é proveniente de uma estratégia de “buy and change”, durante o período de investimento”, realça.

3- Alavancagem. “A alavancagem varia de negócio para negócio: pode ser de zero até seis ou sete vezes o EBITDA da empresa. É este leverage que potencia obviamente os retornos de equity capital, mas comporta também risco financeiro”, salienta.

4- A saída. “Quando se trata de uma empresa operacionalmente sã e com uma estrutura de capital adequada, não se vende geralmente a empresa em momentos de distress de mercado. Espera-se por condições de mercado mais favoráveis para se poder vender. “You can time your exit”, relembra a especialista. 

Na opinião da profissional, é por todas estas razões que os “retornos desta classe de ativos têm sido mais elevados face às classes de ativos mais líquidas”.

Tendências para 2022

No entanto, apesar do positivismo, 2022 traz alguns receios quanto à classe de ativos. Depois de um 2021 em que as condições foram muito favoráveis para o mercado de private equity - com “uma recuperação económica pós-COVID” a florescer, e “bom earnings momentum” a fazerem-se sentir - agora as circunstâncias mudaram. A especialista salienta, claro, atenções redobradas relativamente à volatilidade crescente, à desaceleração de crescimento económico, às taxas de juro a subir e à inflação a fazer-se notar. No entanto, e como já referido, é da opinião de que “continua a existir muita liquidez” e as avaliações ainda são elevadas no setor.

É nesse sentido que elenca algumas das tendências que resultaram da combinação entre os efeitos da guerra na Ucrânia e da própria pandemia. Em primeiro lugar, a palavra segurança ganhou novo significado e “passou a ser mais importante”. A responsável fala da segurança em termos de soberania de cada país, por exemplo, mas não só. “Vamos ver países europeus a investir muito mais na área da defesa. Em apenas algumas semanas a Alemanha mudou a sua estratégia de defesa nacional, algo que não acontecia há mais de 20 anos”, exemplificou.

Por outro lado, se até agora a transição energética era o termo mais utilizado no campo da energia, a profissional considera que a segurança energética passará a ter um papel mais relevante. “Os países preocupam-se em ser independentes em termos energéticos e garantir segurança energética. Antigamente, a taxonomia europeia referente às mudanças climáticas era pouco clara relativamente às fontes de energia. Hoje em dia, e dentro de certos parâmetros, é permitido investir em energia nuclear e em gás, que têm um papel importante na transição energética. As empresas privadas estão a investir muito em tecnologia relacionada com a energia, de forma a melhorar a eficiência no consumo e reduzir os gastos energéticos”, exemplifica. 

Por fim, a terceira vertente da segurança: a digital. Se por um lado a pandemia trouxe uma aceleração tecnológica sem precedentes, por outro deixou a descoberto falhas de preparação ao nível dos ataques cibernéticos. “Temos visto um crescimento em termos de cyber defense astronómico. Este deixou de ser um problema somente do departamento de IT das empresas, e passou a ser também um problema do próprio CEO”, refere Joana Rocha Scaff.

Por fim, outra das tendências que ficaram a descoberto depois da pandemia foi o que chama de “re-configuração das cadeias de fornecimento”. Percebeu-se que em todo o mundo existia uma grande dependência do extremo oriente asiático em termos de fornecimento em diversas áreas: “produtos farmacêuticos, equipamentos de proteção, semicondutores, componentes industriais, etc.”, recorda a especialista. “Muitas companhias globais estão a considerar regionalizar estas áreas que referi, de forma a não dependerem, por exemplo, da China ou de outros países asiáticos”, diz. Nesse sentido, assiste-se já a uma “dispersão das cadeias de fornecimento” de forma a reduzir a dependência do extremo oriente asiático, e de forma a criar-se uma "redundância de fornecimento" no futuro.