BCE prioriza a luta contra a inflação e sobe taxas em 0,50% : primeiras reações

Christine Lagarde BCE
Christine Lagarde. Créditos: Cedida (BCE)

Primeiro estabilidade de preços e depois estabilidade financeira. Na reunião de março, o Banco Central Europeu deu prioridade à luta contra a inflação na sua decisão monetária. Aumentou as taxas de juro em 50 pontos base e a taxa de depósito para 3%. O comité, presidido por Christine Lagarde, cumpriu o aumento anunciado na reunião anterior, em janeiro. Isto, apesar da pressão do setor financeiro dos EUA e da Europa, que está atualmente a abalar os mercados.

Primeira reação positiva no mercado de ações

Apesar de se tratar de uma subida das taxas praticamente telegrafada desde a reunião anterior, havia dúvidas sobre se iriam finalmente cumprir o guião dada a crise de confiança na banca. No final de contas, o BCE optou por reduzir ainda mais a pressão sobre os preços. Podemos ver este alívio nas novas projeções macroeconómicas que também foram publicadas nesta reunião. “Ao rever as suas expetativas de inflação para 2,9% para 2024 e 2,1% para 2025, os economistas do banco central enfatizaram que, apesar da queda, o risco de desvio de preços continua predominante”, interpreta Nicolas Forest, responsável global de Obrigações da Candriam.

Não foi uma decisão fácil para Lagarde, que só podia escolher entre seguir o rumo traçado há meses ou reconhecer que a crise bancária na Europa é mais grave do que se pensava. A primeira leitura dos mercados está a recompensar a sua escolha. Desde a divulgação do comunicado, os mercados de ações europeus e norte-americanos recuperaram fortemente. Índices como o espanhol Ibex-35, muito exposto à banca, ou o italiano FTSE MIB movem-se com subidas de 1,5%. Uma explicação é que Lagarde confirmou que o BCE está disposto a fornecer todo o apoio necessário para sustentar o sistema financeiro europeu, afirmando que este é resiliente e robusto.

Divisão de opiniões entre as gestoras

Mas, como esperado, entre as gestoras internacionais há uma grande divisão de opiniões sobre a decisão do BCE. Alguns especialistas, como Ulrike Kastens, economista para a Europa da DWS, consideram que esta é uma boa notícia num contexto de taxas de inflação persistentemente elevadas. Outros, como Anna Stupnytska, macroeconomista global da Fidelity International, consideram um possível erro político se as subidas forem mais longe.

“Esperamos agora que as vulnerabilidades do setor bancário que surgiram tenham um impacto direto na vontade das instituições de crédito de concederem empréstimos, conduzindo a condições de financiamento ainda mais ajustadas que, por sua vez, afetariam potencialmente a economia real mais cedo e mais do que o esperado”, argumenta Anna Stupnytska. Portanto, para a especialista, novos aumentos de juros a partir de agora provavelmente constituirão um erro político que, em última análise, exigirá uma rápida correção de curso nos próximos meses. A partir de agora, acompanhará de perto os CDS dos bancos, que são agora o principal indicador de endurecimento das condições de financiamento.

Pouca alternativa

E as gestoras pedem que o BCE seja prudente nas suas mensagens a partir de agora. “A realidade é que os mercados já viram sinais de stress bancário e qualquer pessoa que tenha sofrido os efeitos da crise financeira mundial não será facilmente convencida de que tudo está bem pelo que dizem os decisores políticos, que muitas vezes são responsáveis pelos extremos de liquidez que causam muitos destes problemas em primeiro lugar. Agora que a pasta de dentes contra o stress bancário está fora do tubo, não vai ser fácil voltar a colocá-la dentro”, prevê James Athey, da abrdn.

No entanto, para Pablo Duarte, analista sénior do Instituto de Investigação Flossbach von Storch, o BCE fez bem em manter a linha e não reduzir a dimensão do aumento que tinha anunciado. “Caso contrário, teria enviado um sinal de pânico aos mercados e poderia ter desencadeado turbulências ainda mais fortes”, defende. Além disso, com uma taxa de inflação de 8,5% e uma taxa de inflação subjacente de 5,6% com tendência crescente, teria dado um passo atrás no processo de consolidação da sua credibilidade.

As opiniões dividem-se, tal como dentro do próprio BCE. “A decisão foi aprovada por uma ampla maioria, enquanto alguns sugeriram uma abordagem mais prudente nesta fase, até que haja mais clareza sobre os atuais problemas de estabilidade financeira. As próximas semanas podem demonstrar que o pequeno grupo de cautelosos deveria ter dado a sua opinião de forma mais enfática”, comenta Dave Chappel, gestor sénior de Carteira de Obrigações da Columbia Threadneedle Investments.

A dependência de dados ainda reina

O debate agora, como bem recorda Sandra Holdsworth, diretora de Rates na Aegon AM, é se assistimos à última valsa do BCE. Ou seja, se esta será a última subida de taxas deste ciclo monetário. Toda uma alteração no sentimento tendo em conta que na semana passada o mercado descontava uma taxa final de 4%. “Considerando os níveis de volatilidade no mercado, parece provável que o ritmo de subidas será mais lento do que se previa até agora, apesar dos robustos dados de inflação”, acredita Sandra Holdsworth.

Nas palavras da própria Christine Lagarde, tudo dependerá dos dados. Mais concretamente dos dados da inflação. De facto, como bem assinala Kastens, o banco central absteve-se de se comprometer com a futura trajetória das taxas de juro. “Num contexto de grande incerteza, isto é compreensível. No entanto, continua a ser questionável até que ponto o maior desenvolvimento da estabilidade do mercado financeiro limita as opções do BCE”. Na sua opinião, não existe uma escolha entre a estabilidade dos preços e a dos mercados financeiros. Mas, em última instância, o banco central deve estabelecer as suas prioridades”, teme o especialista. E se o mandato do BCE é a estabilidade de preços, considera provável que o BCE não possa evitar continuar a subir as taxas.