BCE sobe as taxas em 50 pontos base: as reações das gestoras internacionais

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Créditos: Sanziana Perju - ECB

Histórica reunião do Banco Central Europeu. O BCE subiu as taxas de juro em 50 pontos base. De uma só vez. Numa só reunião. Não só estamos perante a sua primeira subida de taxas em 11 anos. É também a primeira vez que sobem de forma tão agressiva em mais de 20 anos. E não foi o único murro na mesa. A taxa de depósito também subiu significativamente, de volta aos 0%, eliminaram a ferramenta do forward guidance e apresentaram o Instrumento de Proteção de Transmissão (TPI).

Os primeiro efeitos já se notaram no mercado. Os bancos europeus sobem, como resposta às taxas mais altas. O movimento a vigiar é o do euro. No primeiro compasso recuperava terreno face ao dólar americano, mas rapidamente reverteu o movimento à medida que o BCE apresentava detalhes do novo TPI.

Com a crise política em Itália a procurar eclipsar a reunião, o mercado também está dependente de como se movem as obrigações periféricas. "Inicialmente, a confirmação do TPI limitou as subidas das yields periféricas, mas foi um movimento breve. Também porque a solidez fiscal foi descrita durante a conferência de imprensa como uma condição prévia para a ferramenta da crise", interpreta Paul Jackson, responsável global de Análise de Alocação de Ativos na Invesco.

Movimento surpresa para lutar contra a inflação

Recordemos que esta subida de 50 pontos base é o dobro do anunciado por Christine Lagarde na reunião de junho. É muito raro o BCE mudar o plano traçado e divulgado ao mercado e muito menos implementar uma política monetária mais agressiva. Ou, por outras palavras, aceleraram o foward guidance com o qual guiavam o mercado. "Isto não é mau. Atar as mãos num contexto tão agitado não fazia sentido", afirma Franck Dixmier, diretor de Investimentos Globais de Obrigações da Allianz Global Investors.

Para Wolfgang Bauer, gestor de obrigações públicas da M&G, isto destaca a gravidade da atual dinâmica da inflação. O facto de ir bastante mais além da sua própria foward guidance é para Bauer um sinal para os participantes no mercado de que o BCE está comprometido com a contenção da inflação. Na sua opinião, este aumento de 0,5% foi é um primeiro passo.

É uma decisão que surpreendeu especialistas como Morgane Delledonne, responsável de Estratégia de Investimento para a Europa da Global X, tendo em conta o contexto em que se produz. A confusão política em Itália, a ampliação dos spreads das obrigações core face às periféricas, a queda da confiança empresarial em todo o continente, particularmente na Alemanha... “Este movimento tão agressivo parece uma última tentativa desesperada de aumentar as taxas antes de o continente entrar em recessão”, interpreta.

Para outros, como Jan Felix Gloeckner, especialista de investimentos da Insight (BNY Mellon IM) é uma surpresa grata: “O fim da experiência das taxas negativas”. Na sua opinião, adiantar o ciclo de ajuste deverá trazer benefícios a longo prazo, aumentando a flexibilidade em reuniões futuras e, em última instância, enviando uma mensagem clara de que a inflação voltará à meta.

Objetivo: evitar a fragmentação

Segundo vê Charles Diebel, diretor de obrigações da Mediolanum International Funds, esta carga antecipada de movimentos, combinada com o anúncio do Instrumento para a Proteção da Transmissão, têm como objetivo evitar a fragmentação, já que as dimensões da compra de obrigações não estão limitadas ex ante, mas igualmente elimina a orientação futura dos movimentos das taxas a partir daqui.

“Uma possibilidade é que as pombas e os falcões do conselho do governo do BCE tenham chegado a um quid pro quo: trocou-se uma grande subida de taxas por um maior TPI”, interpreta Paul Diggle, economista chefe adjunto da abrdn. Mas ainda temos que ver os detalhes do TPI e a condicionalidade que representa o apoio. “Ao fim e ao cabo, os acontecimentos ocorridos em Itália recentemente não tranquilizarão outros países da zona euro quanto à continuidade da agenda de reformas”, matiza.

Esta reunião do BCE apenas ofereceu alguns detalhes de como se implementará um plano anti-fragmentação. Um ponto que analisa Dixmier é que elegibilidade para o TPI se baseia em critérios indicativos que convergem todos na noção de disciplina fiscal e equilíbrio macroeconómico”. “Uma promessa sem dúvida para os falcões, mas que debilita o alcance final da sua bazuca”, afirma.

A volatilidade continuará nos spreads. Assim pensa Sebastien Galy, responsável de estratégia macroeconómica da Nordea AM. O risco para a curva de BTP italianos continua a ser elevado, independentemente dos reinvestimentos em BTP do programa PEPP. O problema que vê é que o BCE está a tentar recuperar o controlo da narrativa, o que cria um choque nos países periféricos antes do Instrumento para a Proteção da Transição estar pronto.

Previsões para setembro

Com a surpreendente agressividade na normalização monetária, as apostas para a reunião de setembro tiveram de ser revistas. O gestor da PIMCO, Konstantin Veit, comenta que o BCE não deu muita orientação relativamente ao potencial destino da taxa de juro. Apenas mencionou que planeia subir as taxas até que a inflação a médio prazo se estabilize em torno do objetivo. Um ponto importante é que o BCE tem insistido que antecipar o ciclo de subida de taxas não implica uma taxa terminal mais alta.

Na opinião de Diebel, a subida de 50 pontos de base em julho significa que é provável que vejamos outro aumento de 50 pontos base em setembro. Mas é mais difícil do que nunca fazer previsões. "Ao dar um passo inicial maior, o Conselho pode agora avançar para uma avaliação reunião por reunião sobre a trajetória futura das taxas", acredita Dave Chappell, gestor de rendimento fixo na Columbia Threadneedle Investments. Mas os mercados esperam mais 140 pontos base de subida de taxas até ao final do ano. Isto sugere uma trajetória constante de movimentos de 0,50% por reunião. O gestor prefere argumentar que a deterioração das condições económicas nos próximos meses pode levar a uma redução antecipada do ciclo de aperto.