O rally da bolsa japonesa é sustentável? Terá mudado alguma coisa na tese de investimento?

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cedida

A bolsa japonesa subiu a pique desde o princípio de novembro, o que a levou a terminar 2016 em máximos anuais e a experienciar altos e baixos até ao início de fevereiro, momento em que parece ter retomado a tendência de subida. Kwok Chern Yeh, responsável de ações japonesas na Aberdeen e gestor do Aberdeen Global Japanese Equities esclarece que “a recuperação desde meados do ano passado foi guiada por investidores que perseguiam a liquidez; tinha pouco que ver com as reformas estruturais”.

O gestor considera que “só uma parte relativamente pequena do mercado o fez bem”. Os principais beneficiados foram o setor financeiro e os exportadores, graças à inclinação inicial da curva e à recente debilidade do yen. Porém, optando por não investir em grandes bancos japoneses “devido às suas perspetivas relativamente medíocres e ao seu track record”, a carteira do Aberdeen Global Japanese Equities não beneficiou do rally.

O gestor mostra-se crítico com o tamanho do setor financeiro local: “Há um excesso de bancos no Japão. A competição para captar empréstimos e depositantes é implacável. As empresas não necessitam de pedir emprestado e os consumidores não têm a confiança para o fazer”. Além disso, “os bancos continuam agarrados a regulamentações imprevisíveis e a uma economia frágil, que são fatores fora do seu controlo.

No entanto, o especialista admite que investe em algumas empresas de exportação, principalmente em multinacionais: “Ter operações a nível local permite-lhes responder rapidamente aos ajustes na procura e passar os custos para onde estejam mais baratos. Também lhes proporciona uma cobertura natural contra a flutuação do yen”.

O gestor vê o comportamento irregular registado recentemente pelo mercado como “uma oportunidade para ampliar as nossas exposições a ações mais atrativas”. A preferência de Yeh é por títulos acionistas de alta qualidade, nos quais deposita as suas convicções. Procura empresas que tenham balanços sólidos, fluxos de caixa robustos e uma equipa de gestão inteligente, que mantenham um bom comportamento com independência das condições macro. Alguns dos nomes que constam no seu portefólio são Shin-Etsu Chemical, Amada, Japan Tobacco ou SCSK, uma das aquisições recentes.

Atualização das Abenomics

Neste começo de ano, Yeh destaca a recente (e esperada) mudança nos dados da inflação, “graças a uns preços mais elevados de importação e ao forte gasto do turismo”. Esta tendência “é a mudança fundamental de que o Japão necessita”. O gestor destaca outros sinais de progresso, como a melhoria do governo corporativo ou as medidas para combater o excesso de trabalho.

Também restam grandes desafios pendentes: “Os políticos devem solucionar a crescente taxa de dependência, as leis laborais antiquadas, a cultura de cumprir às cegas tudo o que seja dito em salas de reuniões e a divisão da riqueza entre zonas urbanas e rurais. Precisam de incentivar a concorrência contra grupos de interesse, como as Cooperativas Agrícolas. Essas mudanças, a materializarem-se, levarão tempo”.

A situação económica pode ser difícil de prever nos próximos meses. Por um lado, Yeh observa que a debilidade do yen favorece as empresas de exportação, “mas o protecionismo global em crescimento poderá prejudicar a procura”. Por outro lado, um yen mais débil poderá fazer com que “a inflação importada corroa a rentabilidade das empresas locais, especialmente das que não têm poder de fixar os preços”.

No geral, Yeh espera que a economia japonesa “cresça modestamente”, graças à previsão de uma melhoria constante da procura interna, mais estímulos fiscais e aumento das exportações. “Mas mesmo numa economia estagnada as empresas podem reduzir os custos, aumentar a sua cota de mercado e crescer”, afirma. Neste sentido, a oportunidade reside em um terço das cotadas japonesas que não são cobertas por casas de análise o que permite encontrar oportunidades de investimento em empresas com bons fundamentais.

Um aspeto que preocupa o especialista é que a maioria de empresas japonesas continua a ter altos níveis de capital (mais de 50% das ações não financeiras do Topix têm caixa). Se admite que nos últimos anos se tem visto uma melhora na eficiência do uso de capital, o que tem repercussões positivas nos acionistas, também detetou que muitas empresas estão a utilizar uma parte importante do cash para recomprar ações. “Muitas empresas estão a comprar ações simplesmente para cumprir com os objetivos nacionais de ROE. Não vemos que uma tática tão mecânica seja progressiva. Se as ações estão cotadas com um prémio, não deveriam considerar a recompra de ações. Aconselhamos a pagar dividendos extraordinários como uma forma mais eficiente de conseguir retornos”, indica o gestor.

O efeito Trump

O Japão não se escapa da sombra do presidente Donald Trump, ao ser alvo das suas críticas – ao lado da China – sobre uma suposta manipulação de divisas. Yeh reflete sobre as medidas protecionistas que Trump propõe e o papel que têm as multinacionais japonesas neste contexto: “Trump quer que as empresas japonesas invistam mais nos EUA para o ajudar a corrigir o déficit comercial que tem com o Japão. Porém, 80% dos carros que a Honda vende nos EUA são fabricados nos EUA. A produção é de 60% para a Toyota, que beneficiou de um saudável crescimento de lucros na América do Norte nos últimos cinco anos. Ambas as empresas são valiosas empregadoras nos EUA, e a Honda planeia reforçar a sua aliança com a General Motors”.

Por outro lado, acredita que as farmacêuticas japonesas “são potencialmente mais vulneráveis, dada a crescente dependência do mercado norte-americano para o crescimento, combinada com pressões sobre os preços a nível local”. O gestor considera que duas das posições do fundo, Astellas Pharmaceutical y Chugai Pharmaceutical, estão menos sujeitas a esta tendência por “gerirem operações globais com receitas diversificadas e uma carteira de encomendas saudável”.