A reabertura do gigante asiático após o encerramento por COVID não está a ter a força esperada. Os economistas Gilles Moëc (AXA IM) e Christoph Siepmann (Generali Investments) analisam o que está a acontecer na segunda economia do mundo.
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
Os spreads de inflação entre as principais regiões económicas do mundo já devem merecer mais atenção. Enquanto o ocidente debate se faz sentido aumentar o seu objetivo de inflação, a China corre novamente o risco de cair numa armadilha deflacionista. O IPC de junho situou-se nos 0% interanual - o que, dada a margem de erro de medição, sugere que os preços possam estar já a diminuir -, após os escassos 0,2% de maio. As previsões não são melhores, uma vez que o índice de preços de produção diminuiu 5,4% interanual, após uma leitura já muito negativa de -4,6% em maio. “A deflação costuma ser sintoma de um défice de procura agregada”, comenta Gilles Moëc.
Segundo explica o economista chefe da AXA Investment Managers, na frente interna, a China continua a pagar o preço da sua recusa em estimular o consumo após a pandemia, enquanto o legado da recessão continua bastante evidente no mercado de trabalho, com um desemprego juvenil a continuar a aumentar (20,8% em maio, face a 20,4% em abril), o que aponta para uma dificuldade da economia em absorver o fluxo de entradas.
Na frente externa, a China enfrenta a queda global da atividade transformadora depois do mundo inteiro estar a abarrotar de produtos durante a pandemia. As exportações caíram 12,4% interanual em junho. A atual quebra da economia chinesa está patente nos inquéritos. O PMI de produção industrial está há meses em território de contração ou próximo dele, mas a deterioração é agora também evidente nos serviços, embora a partir de um nível mais elevado.
Setor imobiliário e política monetária
Christoph Siepmann, economista sénior na Generali Investments, considera provável que as exportações continuem a sofrer as consequências do abrandamento global. “O investimento imobiliário irá necessitar de mais ajuda governamental e a política fiscal prepara-se para apoiar o setor. O mais provável é que seja adotado um pacote de medidas específicas, dada a elevada proporção do crédito ao setor não financeiro em relação ao PIB e a ainda inoportuna alavancagem ao setor imobiliário. Não se pode excluir o incumprimento dos promotores”, afirma.
A política monetária já foi ajustada. O Banco Popular da China reduziu a taxa de recompra inversa a sete dias e a facilidade de empréstimo a médio prazo a um ano em 10 pontos base, para 1,9% e 2,65%, respetivamente. Isto também se fez sentir na taxa de juro preferencial. “Esperamos que a política monetária continue a ser menos rígida, com um corte de 25 pontos base na taxa de reservas obrigatórias e outro corte de 10 pontos base na facilidade de empréstimo a médio prazo, especialmente para baixar as taxas hipotecárias”.
Gilles Moëc (AXA IM) acredita que o país deve tomar mais medidas, pois considera que as adotadas não são suficientes. “A China precisa de um estímulo, mas até agora as autoridades têm sido muito prudentes. O corte de 10 pontos base na principal taxa de juro oficial do Banco Popular da China em junho não foi decisivo e agora muita atenção está centrada na reunião do Politburo no final deste mês, onde deverá ser apresentado um pacote de apoio fiscal multifacetado. É pouco provável que a abordagem habitual, baseada em conseguir que as autoridades locais intensifiquem os seus esforços de investimento, seja oferecida desta vez”, destaca.
A política monetária não é suficiente
Cosmo Zhang, analista, e Carlos de Sousa, estratega e gestor da Vontobel, acredita que, além da flexibilização da política monetária, a atual situação requer fortes medidas de política fiscal para estimular a procura agregada e impulsionar a confiança de empresas e consumidores. “O estímulo fiscal do governo central financiado através de um aumento da dívida pode ser uma forma mais adequada de contrariar as pressões económicas descendentes, uma vez que as fontes de financiamento dos governos locais foram utilizadas para apoiar o setor imobiliário e, desde então, têm sido restringidas por uma regulação rigorosa dos empréstimos".
A gestora suíça espera um pacote de estímulo fiscal moderado durante o terceiro trimestre deste ano, embora considere pouco provável que se trate de uma política de estímulo em grande escala semelhante a uma bazuca. “As medidas fiscais seriam favoráveis para as instituições financeiras, principais empresas estatais, veículos de financiamento dos governos locais e setores que favorecem o investimento, como a construção e os materiais”, afirmam.
FMI corrige dados sobre a dívida pública chinesa
Na sua última análise exaustiva da economia chinesa, o FMI corrigiu a medida oficial da dívida pública, elaborando uma versão aumentada que inclui os passivos contraídos pelos Local Government Financing Vehicles (LGFV). Isto faz com que o rácio da dívida das administrações públicas passe de 50% para 100% do PIB.
Para o especialista, há uma razão mais fundamental para que o estímulo se afaste das suas tradicionais características. “Numa evidente situação de défice de procura, que reflete a incapacidade de orientar totalmente o motor da economia para o consumo, o que seria um passo normal para um país de rendimento médio que procura amadurecer, a última coisa que se precisa atualmente é outra porção de despesa de capital. No entanto, estimular diretamente o consumo não está isento de dificuldade, uma vez que qualquer ação sobre as receitas pode acabar por ser engolida pelo setor imobiliário, pelo que as autoridades - por boas razões - podem querer evitar provocar novamente”.
A este respeito, a abordagem das autoridades centra-se na mitigação dos danos, pedindo aos bancos estatais que sejam mais permissivos e adiem a devolução dos empréstimos dos promotores. "A margem de manobra da China pode não ser tão grande como muitas vezes se pensa, quer porque a carga financeira real suportada pelo governo - sob várias formas - não é necessariamente muito diferente do que seria observado nos países desenvolvidos, quer devido às dificuldades em conceber um estímulo que não acabe por exacerbar os riscos internos para a estabilidade financeira", conclui.