Como a crise dos CoCos do Credit Suisse pode afetar o resto do mercado AT1

Suiça
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A decisão do Banco Nacional Suíço obrigou as principais instituições europeias a reagirem imediatamente. A Autoridade Bancária Europeia (EBA) e o Banco de Inglaterra emitiram declarações reiterando que o capital AT1 tem precedência sobre as ações nas suas jurisdições. “Fizeram-no separadamente, distanciando os bancos da UE e do Reino Unido da decisão tomada na Suíça. Estas manifestações são importantes, pois confirmam que os AT1 da União Europeia e do Reino Unido só podem ser atingidos depois de o capital ter sido reduzido a zero”, sublinha Jonathan Harris, responsável de Investimentos de Crédito Global da Schroders.

"O Banco Nacional Suíço quebrou as regras do jogo ao priorizar os detentores de ações ordinárias face aos detentores de dívida híbrida, ou seja, instrumentos AT1 ou como são comumente conhecidos: CoCos.  São instrumentos que foram concebidos como uma forma de financiamento bancário que oferecia alta rentabilidade. O seu objetivo era transferir as perdas financeiras para os credores e não para os contribuintes em caso de falência futura  de uma instituição financeira. O que ninguém podia suspeitar era que tal tratamento preferencial também seria dado aos acionistas ordinários, como proposto pelo Banco Nacional Suíço", comentam da Brightgate Capital.

Uma decisão que provavelmente acabará em tribunal

Nesta situação de incerteza regulatória, os CoCos chegaram a sofrer quedas, em determinado momento, entre 7% e 15%. Embora mais tarde tenham recuperado parte dessas perdas, de acordo com a Brightgate, "o mercado tentará nos próximos dias ajustar as avaliações dos diferentes instrumentos de dívida para refletir o verdadeiro valor dos riscos incorridos". Preveem volatilidade daqui em diante, até que esses riscos regulatórios sejam compensados. "Neste cenário contraditório, os AT1 do Credit Suisse são negociados a valores próximos de zero e os seus detentores provavelmente não terão escolha, a não ser tentar recuperar parte do seu investimento na justiça", preveem.

Como explica a Invesco, a decisão do banco central suíço chocou o mercado por duas razões.  Primeiro, porque as obrigações AT1 foram concebidas para absorver perdas do balanço. "Quando foi adquirido, o Credit Suisse apresentava um balanço com um rácio de capital sólido (14,1% CET1) e o regulador tinha confirmado que não havia problemas no cumprimento dos requisitos mínimos de capital", indica a gestora anglo-saxónico. Em segundo lugar, porque ao subordinarem os AT1 às ações, as autoridades suíças não respeitaram a hierarquia de crédito, permitindo que os acionistas recuperassem parte do seu dinheiro.

Estrutura de capital e prioridades em caso de insolvência

Possível impacto negativo na procura de CoCos

O AT1 é uma parte importante dos mercados de crédito. De acordo com dados do ICE BofA Contingent Capital Index, tem um valor de mercado de mais de 200.000 milhões de dólares. Embora, como comentam na Invesco, “a documentação dos instrumentos AT1 permitia esta ação, a linguagem não é totalmente clara e já se fala da possibilidade de uma impugnação judicial”. Além disso, a questão que se coloca agora é a de saber se este precedente terá efeitos negativos neste segmento de mercado específico. Segundo os especialistas da entidade, “é possível que a partir de agora haja um impacto negativo na procura por CoCos”.

Jérémie Boudinet, responsável de Crédito Investment Grade da La Française AM, recomenda “permanecer atento às possíveis repercussões da situação atual no mercado AT1, que pode ser afetado por vendedores forçados devido a saídas nesta classe de ativos e devido ao descontentamento de compradores ocasionais com o segmento”. Na sua opinião, importa também ter em conta que o setor financeiro mundial atravessa um período de turbulência, com o desaparecimento de quatro bancos em menos de duas semanas. Isto tem implicações. Na sua opinião, exige uma avaliação cuidadosa da saúde financeira de todo o setor. "Neste contexto, o forte apoio dos bancos centrais e reguladores no caso de uma crise de liquidez é crucial", considera.