Como é que a regulação bancária afecta a indústria de gestão de ativos?

Libreta
Jonathan Rubio, Flickr, Creative Commons

Uma das consequências mais visíveis da crise financeira tem sido o forte desenvolvimento da nova regulação – que muitos têm comparado com um autêntico tsunami regulatório – orientado para garantir um melhor controlo e uma maior transparência das atividades do sector financeiro.  A indústria de gestão de ativos não ficou imune a este movimento e enfrenta diversos desafios relacionados com a aplicação de MiFID II, a transição para um sistema de compensação centralizada, assim como o maior escrutínio do shadow banking.

Mas, provavelmente, o sector que foi mais atingido pelo pressão regulatória foi o bancário, um autêntico vértice da crise. Tal como assinala a Standard Life Investments num relatório recente, a nova regulação bancária encarnada por Basileia III “não se limita a definir os parâmetros financeiros sobre o capital, liquidez e interconexão do sistema em situações normais, mas também estabelece como gerir os bancos em momentos de stress para evitar que o sector tenha que ser resgatado”, o que na prática significa que os bancos devem “manter rácios de capital mais altos e colchões de liquidez mais robustos, ter uma menor tolerância ao risco, e centrar-se no verdadeiro custo económico de oferecer um serviço bancário completo”.

Sete anos depois do colapso do Lehman Brothers, “a regulação conseguiu que os bancos reduzissem significativamente as operações mais arriscadas mas também fizeram com que o resto do sector registasse um nível de rentabilidade abaixo do ideal”, apontam da entidade escocesa. Este cenário, dizem, obrigou as entidades a reduzir a sua alocação de capital ou a fechar as linhas de negócio com mais custo ou menos rentáveis – como a banca de investimento e o proprietary trading – a favor de outras atividades orientadas para facilitar o negócio de clientes.

Quatro consequências para a indústria de gestão de ativos

“É ingénuo pensar que parte da indústria de serviços financeiros pode ser afetada pela regulação sem que o custo tenha repercussões na cadeia de valor”, afirmam os especialistas da Standard Life. Visto que as gestoras de ativos são um dos principais clientes dos bancos, a empresa identifica quatro consequências prováveis do novo contexto bancário.

1.     Maior risco de contraparte: “A redução do universo bancário, seja em termos gerais – como resultado do processo de consolidação entre entidades – ou de certos serviços, implica uma concentração das contrapartes com as quais podem trabalhar as gestoras de ativos, o que acabará por aumentar o risco de contraparte”.

2.     Maiores dificuldades para executar as estratégias de investimento, e com um maior custo: as maiores exigências de capital impostas pela nova regulação dificultam a execução de certas estratégias de investimento num mundo em que a liquidez também é menor. “Muitas das soluções de investimento mais complexas que as gestoras oferecem requerem aceder aos balanços dos bancos de investimento para poder ser executadas de forma eficiente”, explicam os autores do relatório.

No entanto, os bancos têm agora um conhecimento mais sofisticado da rentabilidade dos seus diferentes produtos e clientes, pelo que “as gestoras que requerem uma elevada capacidade de balanço para executar soluções de investimento para os seus clientes, mas que geram pouco negócio rentável para o banco, vão acabar por não poder oferecer esse produto ou então assistirão a aumento tal dos custos que a rentabilidade inerente dessa oferta passa a ser inexistente”.

3.     Mais importância do sell-side e do colateral: A Standard Life antecipa que “a estrutura da negociação mudará para as empresas do buy side, que deverão trabalhar cada vez mais com o sell side e, ao mesmo tempo, procurar outras formas de conectar com a liquidez do mercado”. Esta mudança poderá comportar a revisão dos contratos ISDA que regem as operações com derivados “para que exijam garantias mais robustas, como cash ou obrigações dos governos do G7” ou a compensação de derivados, “para reduzir o uso dos escassos recursos do balanço”. As gestoras, por sua vez, terão que ser melhores e mais eficientes na gestão do colateral.

4.     Novas soluções para garantir a liquidez: Com o objetivo de melhorar a liquidez, a indústria de gestão de ativos deverá planear novas soluções, “como as redes de negociação peer-to-peer ou a standardização do mercado de obrigações corporativas, por exemplo”.

... e como gerir estas consequências?

Perante esta situação, a Standard Life apela a que as gestoras de ativos adaptem os seus modelos de negócio à nova realidade para poder oferecer as soluções mais adequadas aos seus clientes. Para isso, acredita que é imperativo que ganhem maior entendimento do valor que o seu negócio acrescenta ao sector bancário, que identifiquem as suas principais contrapartes e que quantifiquem as suas necessidades de balanço, pelo que deverão conhecer a intensidade de capital da sua gama de produto e planear um financiamento cruzado entre diferentes clientes e produtos.

A gestão ativa da liquidez e a otimização entre produtos ganhará importância, e a “descoberta da liquidez” ganhará peso entre as funções das mesas de negociação. Para além disso, os gestores de carteiras deverão prestar mais atenção “não só à melhor estratégia de entrada numa operação, como também à possível estratégia de saída”, acrescentam.

Referem também que o aumento dos custos que provavelmente vão sofrer as soluções de investimento complexas que exijam o uso de derivados ou de alavancagem farão com que a dimensão seja um factor decisivo na hora de oferecer com êxito este tipo de produtos.