A primeira emissão de dívida de uma empresa não financeira com yields negativas, volta a trocar as voltas aos gestores de obrigações europeias.
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Há algum tempo que os participantes no mercado seguem atentamente a curva de yields das bunds (negativas até aos 15 anos) como indicador da grande distorção dos preços das obrigações. Até esta semana, o fenómeno das taxas de juro negativas aplicava-se apenas à dívida soberana. Agora, estendeu-se também à dívida corporativa não financeira: a empresa ferroviária Deutsche Bahn, controlada pelo estado alemão, rompeu com o tabu e emitiu obrigações a cinco anos com uma yield de -0,006%.
Isto representa uma nova reviravolta para os gestores de fixed income, especialmente os que têm a limitação de investir na Europa. Fontes consultadas pela Funds People reconhecem que os banco centrais, e particularmente o BCE, estão a obrigar, em muitos casos, a mudar o estilo de investimento para poder construir carteiras de obrigações que continuem a gerar retornos atrativos para os investidores.
François Rimeu, gestor da La Française AM, denuncia uma série de distorções no mercado que podem ser consideradas danos colaterais provocados pelos bancos centrais. “Os spreads entre obrigações e CDS, e entre obrigações e swaps eram muito reduzidos, porque havia muitos players no mercado que eliminavam ineficiências. Esses estão agora menos ativos. Agora podem-se encontrar diferenças em termos de spread entre alguns instrumentos que são diferentes por natureza – cash bonds, swaps, CDS – mas que, no final de contas, se comportam do mesmo modo e têm o mesmo risco de crédito e a mesma duração, embora sem a mesma estrutura”, detalha o especialista da La Française AM. A sua conclusão é de que “existem discrepâncias entre estes produtos, diferenças essas que na realidade não deveriam existir”.
Rimeu explica que a distorção também se está a refletir na alteração das correlações entre ativos, o que, por sua vez, faz com que seja mais difícil conseguir uma adequada diversificação da carteira: “Está a mudar a forma como olhamos para diferentes classes de ativos. Claramente, quando vemos a bund a render zero, vemos que se perde a componente risco. Não se pode esperar que a bund vá para -1% e se consiga assim lucrar com a queda. Isto significa que há que procurar outra solução para cobrir a carteira”, exemplifica o gestor. Estas alterações são extensíveis ao mercado de futuros. Rimeu dá como exemplo os futuros da obrigação alemã a 30 anos: “Eram muito líquidos há dez anos, mas agora é mais difícil transacioná-los, sendo necessário assegurar que a posição não tem um tamanho demasiado grande. Acontece o mesmo com as obrigações francesas”.
Rimeu também constata alterações no mercado de divisas, em parte devido à maior atividade dos gestores de fixed income no mercado de divisas. “Podemos ver no comportamento de algumas divisas – especialmente as que se utilizam para financiamento, como o euro e o yen – que se estão a comportar como ativos risk off”. Se não fosse pelo risco do brexit, o euro estaria muito mais alto, em resultado do stress do mercado”.
O gestor mostra o seu cepticismo sobre a efetividade das políticas acomodatícias dos bancos centrais: “Creio que estão a jogar um jogo perigoso ao permitir que alguns negócios e produtos continuem vivos, porque o financiamento é muito barato”.
“O BCE obriga a mudar de mentalidade, a analisar os ativos de um ponto de vista distinto. É uma mudança de atitude que não está a ser assumida por toda a gente, que obriga a realizar uma comparação de ativos em termos históricos e relativos”, afirma Alessandro D’Erme, especialista de produtos da Pioneer Investments. “Na altura de investir, já não podemos pensar em como era o mundo antes de os bancos centrais começarem a intervir. Devemos aceitar o facto de que a rentabilidade do bund pode continuar a cair e os spreads vão continuar a comprimir-se. O mercado está a desafiar o pensamento comum, apesar das taxas baixas se manterem por muito tempo”, refere D’Erme, especializado no Pioneer Funds – Euro Corporate Short Term (fundo Favorito e Blockbuster Funds People).
Outras gestoras afirmam que se incrementou a procura por pessoal mais especializado para poder entender melhor o impacto das medidas monetárias heterodoxas sobre os seus investimentos. É o caso, por exemplo, da Standard Life Investments. Numa entrevista recente com a Funds People, Chris Nichols, diretor de investimentos da equipa Multi-Asset , admitia que a divergência entre os bancos centrais obrigou a SLI a pensar em novas ideias para continuar a fazer dinheiro. Nos últimos anos ampliou a equipa de gestão com a contratação de especialistas de política monetária. “Queremos tirar partido em regiões como a Europa e Japão, onde as ações continuam a receber estímulo pelos QE. Por outro lado, o nível de crescimento está suficientemente estabelecido nos EUA. Este crescimento permitirá à FED continuar com o ciclo de subidas de taxas”, declarava Nichols.